Acórdão Nº 08270496120158205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 13-06-2019

Data de Julgamento13 Junho 2019
Classe processualREMESSA NECESSÁRIA CÍVEL
Número do processo08270496120158205001
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 0827049-61.2015.8.20.5001
JUÍZO RECORRENTE: SAMUEL FERNANDES DE SOUZA FILHO
Advogado(s): FELIPE GOMES SANT ANNA
RECORRIDO: DELEGADO GERAL DE POLÍCIA CIVIL DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
Advogado(s):

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. POLICIAL CIVIL. LICENÇA-PRÊMIO POR ASSIDUIDADE. INDEFERIMENTO COM BASE NO DECRETO Nº 23.627/2013. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGALMENTE EXIGIDOS PELA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA. ARTIGO 129 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 270/2004. CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO NÃO AMEAÇADA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO EVIDENCIADO. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA E DESPROVIDA.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as partes acima identificadas.

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em dissonância do Parecer da 10ª Procuradoria de Justiça, em conhecer e negar provimento à remessa necessária, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

Trata-se de Remessa Necessária em face da sentença proferida pelo Juízo de Direito da 5ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal nos autos do mandado de segurança impetrado por Samuel Fernandes de Souza filho contra ato apontado coator do Delegado Geral da Polícia Civil.

Na inicial, o impetrante narrou ser Agente de Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Norte desde 14/07/1997 e, com arrimo na Lei Complementar Estadual nº 270/2004 protocolou requerimento administrativo solicitando licença prêmio referente ao quinquênio de 14 de julho de 2002 a 14 de julho de 2007, pois a anterior já fora gozada. Contudo, seu pleito foi indeferido sob a justificativa de que o referido benefício não pode ocorrer enquanto perdurar a vigência do Decreto nº23.627, de 02 de agosto de 2013, que suspendeu a concessão de licenças prêmio.

Pediu a concessão de medida liminar para que fosse assegurado ao impetrante o direito de gozar a licença prêmio. No mérito, pugnou pela concessão da segurança, confirmando a liminar requerida.

A medida liminar foi deferida, em parte, para ordenar que a autoridade impetrada, o Senhor DELEGADO GERAL DE POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, em 30 (trinta) dias, adote as providências administrativas atinentes à concessão da licença-prêmio por assiduidade ao impetrante, relativamente ao período aquisitivo de 14 de julho de 2002 a 14 de julho de 2007, cuja data limite para usufruto não poderá ultrapassar o período de 06 (seis) meses, a partir da intimação desta decisão.

O Estado do Rio Grande do Norte alega a ocorrência da prescrição da pretensão autoral e, ao defender a denegação da segurança, aduziu que o Decreto nº 23.627/2013 suspendeu a concessão de licenças aos servidores da Administração Direta ou Indireta do Estado do Rio Grande do Norte.

Alegou, ainda, que, além da exigência do qüinqüênio, a LCE 122/94 prevê a exigência de exercício ininterrupto no prazo precitado, ainda, que não tenha o servidor, no período aquisitivo, incidido nas hipóteses previstas no art. 103, da mencionada lei. De mais a mais, a licença prêmio está afetada à discricionariedade, ou seja, dentro da reserva da discricionariedade do Poder Público, procede-se a análise dos critérios de oportunidade e conveniência (mérito administrativo), para, dentro de uma escala (limitada a 1/3 de servidores em gozo simultâneo – art. 104, LCE 122/94), estabelecer a época oportuna para o gozo, de forma que, em se tratando de ato discricionário, não cabe ao Judiciário, em observância ao princípio da autonomia e independência dos poderes, adentrar no mérito administrativo da conveniência e oportunidade do ato, visto que o controle jurisdicional se circunscreve ao exame da sua legalidade ou abusividade, o que inocorre na situação versada nestes autos.

Em Ofício acostado aos autos (ID 2648019), o Delegado Geral Adjunto informa que foram adotadas as medidas pertinentes ao atendimento da decisão liminar, ficando estabelecido o período para gozo da licença prêmio do impetrante no período de 01/10/2015 a 31/12/2015, relativo ao período aquisitivo de 14/07/2002 a 14/07/2007.

Sentença de procedência do pedido inicial, para, confirmando em caráter definitivo a liminar antes deferida, determinar que a autoridade coatora conceda o benefício da licença prêmio por assiduidade em favor da parte impetrante.

Ausente recurso voluntário, vieram os autos a essa Corte de Justiça por força da remessa necessária.

A 10ª Procuradoria de Justiça opinou pela prejudicialidade da remessa necessária.

É o relatório.

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do reexame necessário.

Trata-se de ação mandamental impetrada contra ato do Delegado Geral da Polícia Civil que negou o pedido de concessão de licença-prêmio requerido pelo impetrante.

A autoridade apontada como coatora fundamentou sua conduta no art. 6º do Decreto nº 23.627/2013, que desautoriza qualquer possibilidade de concessão de vantagens, inclusive licença, salvo determinação judicial, que venham a onerar os cofres públicos, verbis:

Art. 6º. Ficam suspensos por tempo indeterminado, no âmbito dos Órgãos e Entidades da Administração Pública Direta e Indireta referidos no art. 1º deste Decreto:

I - a concessão de vantagem, aumento, reajuste, adequação de remuneração a qualquer título e licenças, salvo quando derivados de sentença judicial, determinação legal ou contratual;

Todavia, em melhor exame da matéria posta nesta ação mandamental, entendo que o referido Decreto do Poder Executivo, emitido em 02 de agosto de 2013, não deve ser aplicado ao presente caso, conforme se verificará a seguir.

Antes de mais nada, vale lembrar que a atividade normativa não resta exaurida no Poder Legislativo. Isso porque o Executivo tem competência para expedir regulamento de natureza geral e efeito externo. A Constituição é a sede do fundamento dessa competência no seu artigo 84, IV, senão vejamos:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(...)

IV – sancionar, promulgar e fazer publicar leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.

Esse decreto do inciso IV é o chamado pela doutrina de regulamento executivo[1]. Tem como balizas a impossibilidade de “inovar na ordem jurídica, criando direitos, obrigações, proibições, medida punitivas, até porque ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, conforme art. 5º, II da Constituição[2]. Nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL. PROMOÇÃO DE MEMBRO DO MP FEDERAL CÔNJUGE DE OUTRO INTEGRANTE DO MESMO PARQUET, COM MUDANÇA DE SEDE FUNCIONAL. AJUDA DE CUSTO. ART. 227, I, "A" DA LC 95/73 DIVERGENTE COM O ART. 8o. DO DECRETO 1445/95. HIERARQUIA NORMATIVA. PRIMAZIA APLICATIVA DA NORMA COMPLEMENTAR SOBRE O DISPOSITIVO DE HIERARQUIA ADMINISTRATIVA.

RECURSO PROVIDO, POR MAIORIA.

1. Com base no dogma da hierarquia normativa, cujas raízes lógicas e axiológicas remontam aos célebres trabalhos do notável jurista austríaco HANS KELSEN (1881-1973), os Juristas afirmam, sem discrepâncias de tomo, que a produção normatizadora da vida jurídica e social do País se faz por meio de autêntica escala de instrumentos reguladores, em sentido decrescente, a partir da Constituição: as emendas constitucionais, as leis complementares, as leis ordinárias, as medidas provisórias e dos decretos legislativos (art. 59 da CF).

2. Os Decretos Executivos, cuja categorização como autônomos não é aceita no sistema jurídico brasileiro, sequer integram o quadro dos instrumentos normativos previstos no processo legislativo da Constituição, sem embargo da sua inegável importância para a vida administrativa estatal, mas isto não envolve, nem de longe, a admissão de sua potestade de alterar qualquer dispositivo legalmente positivado.

3. Omissis.

4. Esse dispositivo regulamentar de hierarquia administrativa, por maior que seja o seu propósito financeiro e econômico de resguardo a valores prezáveis da ordem jurídica, afronta o disposto em norma legal de nível complementar e somente por essa razão não pode ter aplicabilidade; a norma legal complementar somente pode ser modificada por outra de igual hierarquia.

5. Recurso provido para reconhecer o direito subjetivo da recorrente de perceber o valor da ajuda de custo pretendida, independentemente do anterior recebimento pelo cônjuge. (STJ, REsp 926.011/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Rel. p/ Acórdão Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 09/12/2008). [grifos acrescidos]

Em outras palavras, o chamado decreto executivo, embora permitido constitucionalmente (CE, art. 64, V, e CF, art. 84 , IV) não pode inovar na ordem jurídica.

Embora reconheça o anterior posicionamento desta Corte acerca do Decreto nº 23.627/2013, entendo que este limitou o exercício de direitos previamente garantidos na Lei Complementar nº 270/2004 (Estatuto da Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Norte), em evidente afronta à hierarquia das normas.

Sobre o tema, Norberto Bobbio, com base nos ensinamentos de Kelsen, pondera que "há normas superiores e normas inferiores. As inferiores dependem das superiores. Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais acima, chega-se a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra norma superior, e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. Essa norma suprema é a norma fundamental."[3]

Neste cenário, salta aos olhos a total incongruência criada no ordenamento jurídico estadual, com Decreto nº 23.627/2013, porquanto este (considerada norma inferior) exclui direitos dos servidores contidos na Lei Complementar nº 270/2004 - Estatuto da...

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