Acórdão Nº 08280374320198205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 15-04-2021

Data de Julgamento15 Abril 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08280374320198205001
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0828037-43.2019.8.20.5001
Polo ativo
MARINALVA FRANCISCA DOS SANTOS
Advogado(s): ALVANETE COSTA PEREIRA
Polo passivo
D & K LABORATORIO DE ANALISE CLINICA LTDA - ME
Advogado(s): SARAH JAMYLLE SPENCER SOBREIRA BATISTA SOUTO

EMENTA: CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. RELAÇÃO DE CONSUMO EXISTENTE ENTRE AS PARTES. ART. 14 DO CDC. SUPOSTA FALHA NO SERVIÇO DO LABORATÓRIO APELADO NA COMUNICAÇÃO DO PRIMEIRO RESULTADO E NO PROCEDIMENTO DO DIAGNÓSTICO DE HIV. PROVAS EM CONTRÁRIO. CIÊNCIA DA POSSIBILIDADE DE FALSO-POSITIVO. DEVER DE INFORMAÇÃO RESPEITADA. PORTARIA Nº 29/2013 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. RESPONSABILIDADE DO APELADO AFASTADA. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. PRECEDENTES.


ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas.

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante deste.

RELATÓRIO


Trata-se de Apelação Cível interposta por Marivalda Francisca dos Santos em face da Sentença proferida pelo juízo da 7ª Vara Cível da Comarca de Natal que, nos autos da Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais, movida em desfavor da Laboratório Potengi Análises Clínicas, julgou improcedente o pleito autoral, diante da ausência de falha na prestação do serviço do Laboratório réu a ensejar reparação por danos morais, tampouco danos materiais. Condenou, ainda, a demandante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, estes que arbitrou em R$ 600,00 (seiscentos reais), o que fez com fundamento no §8º do art. 85 do CPC, ficando suspensa a exigibilidade por ser a mesma beneficiário da gratuidade da justiça (Art. 98,§3º, do CPC).

Em suas razões, aduz a apelante, em síntese que há relação de consumo existente entre as partes que se estabeleceu mediante a realização do exame de maneira particular no Laboratório apelado. Portanto, afirma que ao julgar o caso, é importante analisar a vulnerabilidade da consumidora.

Sustenta que é semianalfabeta, totalmente leiga, sem nenhuma instrução, incapaz de entender o conteúdo do exame, inclusive quem abriu o resultado do exame foi o médico do Posto de saúde, o qual apenas encaminhou a apelante para a Maternidade Januário Cicco para que recebesse um tratamento especial no sentido de não contaminar o bebê da mesma.

Assevera que como leiga, jamais iria desconfiar de um laboratório em fornecer um falso resultado de exame e as orientações e informações prestadas pelo médico.

Destaca que o Laboratório sabendo da repercussão que causou na Cidade quanto ao resultado do exame Positivo de HIV, fechou o Laboratório filial naquela Cidade, deixando a apelante sem nenhuma chance de sequer questionar o resultado do exame.

Informa que os resultados positivos de exames de HIV devem ser divulgados com ressalvas, informando a necessidade de realização de um novo exame.

Alterca sobre a existência de danos morais e materiais indenizáveis, diante de toda angustia que a apelada sofreu.

Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso, a fim de que a r.sentença seja reformada, julgando totalmente procedente o pleito autoral.

Foram apresentadas Contrarrazões (ID 8402131).

A 9ª Procuradoria de Justiça declinou sua intervenção no feito (ID 8448025).

É o relatório.

VOTO


Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cinge-se a análise do presente recurso acerca da responsabilidade cível do laboratório apelado em indenizar a apelante em razão de exame falso positivo de HIV realizado na parte demandante.

Importante destacar que a relação das partes é de consumo e se enquadra nos conceitos de consumidor/fornecedor de serviços, nos termos do artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor.

Ademais, para configuração da responsabilidade civil na espécie, mister que estejam preenchidos três requisitos fundamentais, a saber: i) defeito na prestação do serviço; ii) danos materiais, morais e/ou estéticos sofridos pela demandante; iii) nexo de causalidade entre a conduta perpetrada e os danos experimentados.

Nesse cenário, o fornecedor de serviços não será responsabilizado por indenizar prejuízos decorrentes de sua atividade quando demonstrar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste, ou que o dano decorreu de fato exclusivo do consumidor.

In casu, a apelante afirma que após suspeitar que estava grávida, no mês de novembro de 2018, procurou a unidade médica da Cidade de Lagoa Salgada, tendo sido requisitado pelo médico atendente, vários exames, dentre eles, o de HIV.

Nesse diapasão, ao realizar os exames no laboratório apelado, foi constatado nos exames e repassado pelo médico à demandante o diagnóstico de HIV.

Afirma que no momento em que fora constatado o HIV, passou mal no consultório do médico, tendo sido socorrida por este, necessitando de acompanhamento para retornar à sua casa, pois, ficou totalmente desnorteada.

Relata, ainda, que ao saber do resultado, quase rompeu seu relacionamento com o marido e que houve deslocamento de Placenta, além de diabetes na gravidez.

Declara que procurou outro local para confirmar o exame de HIV e que quando saiu o resultado do exame pelo laboratório central, bem como dos exames solicitado pelo Giselda Trigueiro, ambos deram negativos, motivo pelo qual o infectologista lhe encaminhou para o HUOL, para obter novo resultado, o qual também fora negativo para HIV.

Pois bem, resta nítido que o primeiro resultado gerou angústia e os transtornos à apelante, que esperava um filho à época. Tal fato é incontroverso e vem corroborado pelos depoimentos produzidos nos autos.

Porém, há de se aferir a responsabilidade do apelado na realização e divulgação do resultado falso-positivo do exame, sobretudo com fulcro nos princípios consumeristas.

Neste palmilhar, verifica-se que da amostra coletada, foi realizado exame que resultou reagente, ou seja, positivo para HIV. Contudo, a possibilidade de resultado falso-positivo para exames de detecção do vírus HIV é um fato amplamente reconhecido, não ensejando, a sua configuração, por si só, a ocorrência de ato ilícito.

Neste sentido, a Portaria nº 29/2013 do Ministério da Saúde, que aprova o Manual Técnico para o Diagnóstico da Infecção pelo HIV em Adultos e Crianças, dispõe:

“Considerando que não existem testes laboratoriais que apresentem 100% (cem por cento) de sensibilidade e de especificidade, e que resultados falso-negativos, falso-positivos, indeterminados ou discrepantes podem ocorrer na prática diária entre os distintos testes;

(...)

Considerando que para o diagnóstico da infecção pelo HIV faz-se necessária a avaliação conjunta da história clínica e do risco de exposição do indivíduo à infecção concomitantemente ao resultado
laboratorial, que irá orientar as decisões e a conclusão diagnóstica.
E ainda, que a ocorrência de resultados indeterminados ou falso-positivos é maior particularmente em gestantes e/ou portadores de algumas enfermidades autoimunes”

Nesse sentido, o Apelado, ao emitir o resultado de falso positivo do exame do vírus do HIV, destacou, expressamente, à Apelante da necessidade de realização de outros dois exames para confirmação do diagnóstico (ID 8402131).

Portanto, quanto à obrigação de prestar informação clara e inequívoca, entendo que o laboratório apelado se desincumbiu de tal ao destacar no resultado do exame a necessidade de coleta de nova amostra, nos termos da Portaria do Ministério da Saúde.

Este entendimento tem contado com a jurisprudência Nacional:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SUPOSTA FALHA NO SERVIÇO DO HEMOCENTRO DE MOSSORÓ NA COMUNICAÇÃO DO PRIMEIRO RESULTADO E NO PROCEDIMENTO DO DIAGNÓSTICO DE HIV. PROVAS EM CONTRÁRIO. CIÊNCIA DA POSSIBILIDADE DE FALSO-POSITIVO. CONTATO ACERCA DA NECESSIDADE DE TESTE CONFIRMATÓRIO. REALIZAÇÃO DE NOVA COLETA E DE TODAS AS ETAPAS EM CONFORMIDADE COM A PORTARIA Nº 488/98 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. RESPONSABILIDADE DO ESTADO AFASTADA. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ CONFIRMADA. RECURSO DESPROVIDO.” (AC nº 2018.006375-3, TJRN, Relator Desembargador Ibanez Monteiro, Segunda Câmara Cível - j. em 30.04.2019)

“EMENTA: apelação cível. responsabilidade civil. ação de indenização por danos morais. resultado FALSO POSITIVO de exame de laboratório. AMOSTRA REAGENTE PARA HIV. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DEVIDA INFORMAÇÃO no laudo A RESPEITO DA NECESSIDADE DE CONFIRMAÇÃO DO DIAGNÓSTICO MEDIANTE novo exame. AUSÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. dano moral não configurado. Regime de responsabilidade do laboratório. A relação mantida entre as partes é de consumo, sendo a responsabilidade do fornecedor por fato do serviço objetiva, nos moldes do que dispõe o art. 14 do CDC. O fornecedor apenas se exime da responsabilidade se comprovar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro ou que inexiste defeito no serviço. Caso dos autos. Restou demonstrado que constava no laudo que, sendo o resultado “reagente para HIV”, necessária era a realização de um exame confirmatório para a comprovação do diagnóstico laboratorial, não sendo o resultado do exame preliminar conclusivo. Não há falar, portanto, em falha no serviço prestado pelo laboratório dada a natureza do exame aplicado e o devido atendimento do dever de informação ao consumidor. Ausente ato ilícito, não há responsabilização civil. APELAÇÃO DESPROVIDA. (AC nº 70081762569, TJRS, Relator: Carlos Eduardo Richinitti, j. em 17.07.2019)

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. RESULTADO FALSO-POSITIVO PARA HIV. DEVER DE INFORMAÇÃO RESPEITADO. DANOS MORAIS....

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