Acórdão Nº 08292210520178205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 14-08-2021

Data de Julgamento14 Agosto 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08292210520178205001
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0829221-05.2017.8.20.5001
Polo ativo
JOSEFA NASCIMENTO DA ROCHA
Advogado(s): MAGNA MARTINS DE SOUZA
Polo passivo
RIO GRANDE DO NORTE PROCURADORIA GERAL DO ESTADO e outros
Advogado(s):

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MORTE DE DETENTO DENTRO DO PRESÍDIO ESTADUAL DE ALCAÇUZ. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL. DEVER DE SEGURANÇA DOS PRESOS. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. PRETENDIDA REDUÇÃO DO VALOR DOS DANOS MORAIS FIXADOS EM PRIMEIRO GRAU. POSSIBILIDADE. PATAMAR EM HARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. ADOÇÃO DO QUANTUM EM CASOS ANÁLOGOS PELA JURISPRUDÊNCIA DO TJRN. CONHECIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.

1. A responsabilidade civil do Estado pela atuação de seus agentes tem previsão no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, o qual consagra a responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco administrativo, no qual basta à parte autora a comprovação do dano e do nexo de causalidade entre este e a ação ou omissão específica do agente público para que se configure a obrigação de indenizar, sendo desnecessária a exposição de culpa do agente público para caracterização da responsabilidade civil do Estado.

2. Na espécie, entendo ser medida de justiça reduzir o valor da condenação para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), pois este é o patamar indenizatório considerado razoável pelo Superior Tribunal de Justiça e por este Tribunal de Justiça nas mesmas hipóteses, amparando-se nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

3. Precedentes do STJ (RE 841526, Rel. Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. em 30/03/2016) e do TJRN (Apelação Cível nº 2018.009102-0, Rel. Desembargador Virgílio Macedo Jr., 2ª Câmara Cível, j. 18/02/2018; e Apelação Cível nº 2014.023479-0, Rel. Desembargador Ibanez Monteiro, 2ª Câmara Cível, j. 11/07/2017).

4. Apelação conhecida e parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima nominadas.

Acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, por unanimidade de votos, conhecer e dar parcial provimento ao recurso, tão somente para reduzir a indenização a título de danos morais para o patamar de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

1. Trata-se de apelação cível interposta pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE em face de sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN (Id 9264052), que, nos autos da Ação Ordinária (Proc. nº 0829221-05.2017.8.20.5001), ajuizada por JOSEFA NASCIMENTO DA ROCHA, julgou parcialmente procedente o pedido inicial para condenar o ente público recorrente ao pagamento da quantia de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), a título de danos morais, acrescido de juros de mora desde o evento danoso (Súmula 54 do STJ) e de correção monetária a partir da publicação da sentença (Súmula 362 do STJ).

2. Em face da sucumbência recíproca, condenou as partes em honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, distribuído em 60% (sessenta por cento) para o representante do réu e 40% (quarenta por cento) para o causídico da parte autora, ficando suspensa sua exigibilidade em razão do benefício da justiça gratuita.

3. Em suas razões recursais (Id 9264055), o ESTADO apelante requereu o conhecimento e provimento do apelo, alegando a ausência de ato ilícito imputável ao Estado, bem como a inexistência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão estatal.

4. Argumentou, ainda, que o Estado não pode suportar o encargo decorrente de atos praticados por terceiros e em caso de culpa exclusiva da vítima.

5. Assim, pediu a exclusão da condenação ao pagamento da indenização por danos morais e, em não sendo esse o entendimento, a sua redução em atenção aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

6. Contrarrazoando (Id 9264058), a apelada refutou a argumentação do apelo interposto e, ao final, pediu seu desprovimento.

7. Com vista dos autos, Dr. Arly de Brito Maia, Décimo Sexto Procurador de Justiça, deixou de opinar no feito por não ser hipótese de intervenção do Ministério Público (Id 9466161).

8. É o relatório.

VOTO

9. Conheço do recurso.

10. Pretende o ente público apelante afastar a condenação que lhe foi imposta, no importe de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), a título de danos morais, em decorrência da morte de detento em estabelecimento prisional, ou, em caso de manutenção desta, pugna pela redução do quantum arbitrado.

11. A responsabilidade civil do Estado pela atuação de seus agentes tem previsão no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, o qual consagra a responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco administrativo, no qual basta à parte autora a comprovação do dano e do nexo de causalidade entre este e a ação ou omissão específica do agente público para que se configure a obrigação de indenizar, sendo desnecessária a exposição de culpa do agente público para caracterização da responsabilidade civil do Estado. Vejamos:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

omissis

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

12. Nesse sentido, é o ensinamento do doutrinador Rui Stoco (In Tratado de Responsabilidade Civil, 8ª ed., Revista dos Tribunais, pp. 1319/1321):

"O preso, a partir de sua prisão ou detenção, é submetido à guarda, vigilância e responsabilidade da autoridade policial, ou da administração penitenciária, que assume o dever de guarda e vigilância e se obriga a tomar medidas tendentes à preservação da integridade física daquele, protegendo-o de violências contra ele praticadas, seja por parte de seus próprios agentes, seja por parte de companheiros de cela ou outros reclusos com os quais mantém contato, ainda que esporádico.

[...]

Assim, se um detento fere, mutila ou mata outro detento, o Estado responde objetivamente, pois cada detento está sempre sujeito e exposto a situações agudas de risco, inerente e próprio do ambiente das prisões onde convivem pessoas de alta periculosidade e, porque no ócio e confinados, estão sempre exacerbados e inquietos.

[...]

Desse modo, qualquer lesão que esses presos sofram por ação dos agentes públicos, por ação de outros reclusos ou de terceiros, leva à presunção absoluta (jure et de jure) da responsabilidade do Estado, não admitindo a alegação de ausência de culpa.

Mostra-se, então, despiciendo indagar se a Administração falhou, se houve (ou não) omissão, falta ou falha do serviço, nem se há indagar da culpa do serviço ou culpa anônima do serviço. A responsabilidade nasce tão só da existência de um dano e da existência do nexo causal entre o fato e o resultado. Isto porque o preso fica sob o poder, proteção e vigilância do Estado. Quando preso, não tem escolha quanto ao local em que deve ficar, nem opção quanto aos próprios meios de sua proteção. Mas impõe-se que lhe assegure, ao menos, a cláusula de incolumidade."

13. Sobre o assunto, é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a seguir:

"EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. 2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. 3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal). 4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. 5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional. 6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis. 7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso. 8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento. 9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT