Acórdão Nº 08296249520228205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 16-11-2023

Data de Julgamento16 Novembro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08296249520228205001
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0829624-95.2022.8.20.5001
Polo ativo
DANYELA MAYARA MARQUES DE ARAUJO
Advogado(s): FLAVIA DA CAMARA SABINO PINHO MARINHO
Polo passivo
UNIMED NATAL SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO
Advogado(s): RODRIGO MENEZES DA COSTA CAMARA

EMENTA: CONSTITUCIONAL E CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (FORNECIMENTO DE ENOXAPARINA SÓDICA – CLEXANE 40 MG) C/C DANOS MATERIAIS E MORAIS E PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL PROPOSTA PELA AUTORA. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO, ARGUIDA DE OFÍCIO. PERDA GESTACIONAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE SUPERVENIENTE QUANTO AO PLEITO DE CUSTEIO DA MEDICAÇÃO. ACOLHIMENTO. RECURSO NÃO ADMITIDO QUANTO À ESSE TÓPICO, MAS SIM EM RELAÇÃO A FUNDAMENTO REMANESCENTE (PLEITO DE INDENIZAÇÃO EXTRAPATRIMONIAL). RECUSA ADMINISTRATIVA DO FÁRMACO SOB A JUSTIFICATIVA DE NÃO COMPOR O ROL DA ANS E DE SER DE USO DOMICILIAR. TESE FRÁGIL. USO INJETÁVEL COM NECESSIDADE DE APLICAÇÃO POR PROFISSIONAL DA SAÚDE. INCORPORAÇÃO DO REMÉDIO PARA O TRATAMENTO DE GESTANTES COM TROMBOFILIA RECOMENDADO PELA CONITEC. AUTORA COM ESSE DIAGNÓSTICO E HISTÓRICO DE ABORTO ANTERIOR. AFLIÇÃO, DOR, EXPECTATIVA E MEDO INCONTESTÁVEIS, SENTIMENTOS AFLORADOS COM A NOVA PERDA GESTACIONAL. DANO IMATERIAL EVIDENTE. QUANTUM FIXADO EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APELAÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDA E PROVIDA, COM A INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS.


ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, em Turma e à unanimidade, em consonância com o parecer da Dra. Darci Pinheiro, 11ª Procuradora de Justiça, em acolher a preliminar de não conhecimento parcial do recurso quanto ao pedido de condenação da ré na obrigação de fazer. Pela mesma votação e ainda em harmonia com a manifestação ministerial, decidem dar provimento à apelação quanto ao fundamento remanescente (pleito de indenização moral), nos termos do voto da relatora.

RELATÓRIO

Danyela Mayara Marques de Araújo ajuizou ação ordinária c/c danos materiais e morais e pedido de tutela antecipada nº 0829624-95.2022.8.20.5001 em face da UNIMED Natal Sociedade Cooperativa de Trabalho Médico.

Ao decidir a causa, a MM. Juíza da 8ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN julgou-a improcedente e condenou a autora em custas e honorários à razão de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, ficando suspensa a exigibilidade dos encargos, nos termos do art. 98, § 3º, do NCPC (Id 18762152, págs. 01/05).

Descontente, a autora interpôs apelação cível com os seguintes argumentos (Id 18762155, págs. 01/54):

a) foi diagnosticada com trombofilia (CID 10. D68), já enfrentou uma perda gestacional e pelo fato de estar grávida novamente, corre risco de abortamento se não fizer uso do medicamento que pleiteia, além de comprometer sua própria saúde, com iminente possibilidade de sofrer trombose venosa ou arterial;

b) diferente do entendimento proferido na sentença, o tratamento consiste na aplicação do medicamento pleiteado de forma subcutânea, uma vez que, se ministrado por via oral, pode ocasionar má formação fetal;

c) o julgado também desconsiderou o disposto no art. 35-C, incs. I e II, da Lei 9.656/98, que estabelece, claramente, que o plano de saúde
deve prestar, em casos de urgência e emergência, o tratamento necessário para a manutenção da gravidez;

d) o medicamento possui registro na ANVISA, parecer favorável do CONITEC, já foi incorporado ao SUS desde 2018 e passou, automaticamente, a constar no rol da ANS, conforme previsto no art. 10, § 10 da Lei nº 14.307/22, por contar com parecer favorável do CONITEC há mais de 60 dias, e o fato de ter sido incorporado ao SUS não desobriga o plano de saúde de cumprir com ônus que lhe incumbe;

e) o fármaco solicitado também se enquadra nos critérios definidos pela Lei nº 14.454/22, cuja norma reconheceu a obrigatoriedade do fornecimento de medicamento com registro na ANVISA, eficácia comprovada, necessário ao tratamento e sem outra alternativa prevista no rol da ANS ou mesmo no SUS;

f) cabível a obrigação de indenizar moralmente a autora que, após ter experimentado anterior aborto, está diante da negativa ao tratamento prescrito pelo médico que a acompanha, o que pode prejudicar sua saúde e comprometer, também, a vida do seu filho;

g) vem suportando medo, desespero, angústia, hipossuficiência, dentre tantos outros abalos morais, eis que a conduta de interrupção da medicação afeta diretamente a dignidade da pessoa humana.

Pediu, então, a reforma da sentença e a consequente procedência da ação, condenando-se a ré a fornecer 287 (duzentos e oitenta e sete) unidades do medicamento denominado enoxaparina sódica em dosagem inicial de 60 mg, até o final do tratamento médico, além de indenizar moralmente a autora na quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Sem recolhimento de preparo por ser beneficiária da justiça gratuita.

Em contrarrazões, a operadora de saúde disse que a autora solicitou em 2022, para uso durante e após o parto, o fornecimento de medicamento de uso domiciliar e, portanto, não previsto no rol de Procedimento e Eventos nº 465/2001 vigente à época, logo, não abrangido no contrato firmado entre os litigantes.

Acrescentou também que a consumidora está com 10 (dez) semanas de gestação, logo, o uso do medicamento deve ser realizado de acordo com a necessidade, mês a mês, para que não haja desperdício.

Por fim, disse que eventual deferimento da obrigação acarretará desequilíbrio econômico-financeiro e atuarial e que agiu nos exatos termos do ajuste e, portanto, de boa-fé, daí não ser cabível falar em dano moral (Id 18762158, págs. 01/19).

Requereu, pois, o desprovimento da apelação, confirmando-se a sentença na íntegra.

As partes foram intimadas sobre a possibilidade de não conhecimento parcial do recurso voluntário por ausência de interesse superveniente quanto ao pedido de fornecimento da medicação, tendo a autora concordado, mas vindicado o prosseguimento do feito em relação à pretensão indenizatória (Id 20445459), enquanto a operadora de saúde pugnou pelo não conhecimento integral do inconformismo da parte adversa (Id 20595808).

A Dra. Darci Pinheiro, 11ª Procuradora de Justiça, opinou pelo conhecimento parcial do recurso e, no mérito, por seu provimento (Id 19156411, págs. 01/06).

É o relatório.

VOTO

- PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO, POR AUSÊNCIA DE INTERESSE SUPERVENIENTE, ARGUIDA PELA RELATORA.

O inconformismo não ultrapassa o exame de admissibilidade em relação ao pedido de fornecimento da medicação Clexane uma vez que depois de ajuizada a ação, a autora informou que sofreu perda gestacional e, nesse caso, necessário reconhecer a ausência de interesse superveniente em relação ao referido ponto, logo, deixo de conhecer do apelo quanto a esse aspecto.

Preenchidos, todavia, os requisitos de admissibilidade em relação à pretensão indenizatória, admito o recurso e passo a analisar a questão de fundo.

MÉRITO

No caso concreto, Danyela Mayara Marques de Araújo, hipossuficiente (Id 18762075) e beneficiária do plano de saúde demandado (Id 18762073) ajuizou ação judicial e comprovou estar gestante, possuir histórico de aborto e requereu o fornecimento, pela operadora, de medicação de alto custo.

Para isso, trouxe atestado médico subscrito pela Ginecologista-Obstetra, Dra. Pricylla Carolynne O. Macedo (CRM/RN 5648), cujo documento noticia que a paciente encontra-se gestante e necessidade de forma urgente e imediata fazer uso de Enoxaparina sódica 60mg, durante todo o período de gestação e 30 dias após o parto, devido ter apresentado diagnóstico de trombofilia, e perda gestacionais a fim de prevenir intercorrências materno-fetais, com risco de novo aborto” (Id 18762076), informações ratificadas pelo laudo médico de Id 18762077, firmado pela também médica, Lilian Andrade Assunção (CRM 5116).

Ocorre que o fornecimento do fármaco foi negado administrativamente pelo plano sob a justificativa de que ele não está previsto no rol da ANS (Id 18762082) e que ele é de uso domiciliar.

Não obstante, a medicação é ministrada mediante injeção subcutânea ou intravenosa, devendo ser inserida no organismo em ambulatório ou, pelo menos, por profissional habilitado na área de saúde.

E mais: ao contrário do que mencionado pela empresa, registro que o art. 1º da Lei nº 14.307/22, de 03 de março de 2022, deu nova redação ao art. 10, § 10, da Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, que passou a estabelecer, in verbis:

Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:
(...)
§ 10.
As tecnologias avaliadas e recomendadas positivamente pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), instituída pela Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011, cuja decisão de incorporação ao SUS já tenha sido publicada, serão incluídas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar no prazo de até 60 (sessenta) dias.

Oportuno mencionar que a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde – CONITEC recomendou a incorporação da enoxaparina sódica 60 mg/dia (Clexane) para o tratamento de gestantes com trombofilia (in http://antigo-conitec.saude.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2021/20210422_Relatorio_Enoxaparina60mg_Trombofilia_CP_26.pdf).

Diante desse contexto fático-legal, a recusa da operadora, sem dúvida...

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