Acórdão Nº 08316674920158205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 14-02-2020

Data de Julgamento14 Fevereiro 2020
Tipo de documentoAcórdão
Número do processo08316674920158205001
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 0831667-49.2015.8.20.5001
Polo ativo
SUZANA SUELY LOPES DA SILVA
Advogado(s): JOANA DARC LOPES DA SILVA
Polo passivo
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
Advogado(s):

EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE RITO ORDINÁRIO COM PEDIDO DE INVALIDAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS PELA NÃO PERMISSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO DE VÍNCULOS PÚBLICOS E PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DECORRENTE DE MORA NA IMPLANTAÇÃO DOS VENCIMENTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO. ENFERMEIRA DOS QUADROS DA SESAP QUE POSSUI VÍNCULO ANTERIOR DE AUXILIAR DE ENFERMAGEM COM A UFRN. MANIFESTAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PELA ILICITUDE DA ACUMULAÇÃO NOS TERMOS DE EXTRAPOLAÇÃO DA JORNADA SEMANAL DE 60H, CONFORME LEGISLAÇÃO ESTADUAL. ATO INVÁLIDO. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO STF A RESPEITO DA IMPOSSIBILIDADE DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL ESTABELECER OUTROS REQUISITOS PARA ALÉM O TEXTO DA CARTA MAGNA. DIREITO À ACUMULAÇÃO NA FORMA DO ART. 37, XVI, C, E XVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DOCUMENTOS QUE REVELAM A COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. DANO MORAL VERIFICADO PELA MORA DE MAIS DE UM ANO PARA IMPLANTAÇÃO REGULAR DOS ESTIPÊNDIOS MENSAIS EM FOLHA DE PAGAMENTO. PRECEDENTES. SENTENÇA REFORMADA. APELO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, em consonância com o parecer da 16ª Procuradoria de Justiça, conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator que integra este acórdão.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por Suzana Suely Lopes da Silva contra sentença proferida pelo Juízo da Primeira Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal que, nos autos da Ação de Rito Ordinário n.º 0831667-49.2015.8.20.5001, julgou parcialmente procedente a pretensão exordial a fim de condenar o Ente Público a pagar os valores correspondentes à remuneração do período laborado, não reconhecendo, entretanto, a licitude da acumulação de cargos públicos na área de saúde (Num. 22362311).

A Apelante, em suas razões (Num. 2236313), sustenta a “licitude da acumulação de cargos intentada”, porquanto ficou “evidenciada que a compatibilidade de horário é a pedra de toque”.

Pugna pelo conhecimento e provimento do recurso para, além do reconhecimento da licitude da acumulação pretendida, condenar o Ente Público em danos morais devido ao atraso no pagamento de seus vencimentos, mediante a reforma da sentença a quo.

O Apelado apresentou suas contrarrazões de Num. 2236319 pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

O Ministério Público manifestou-se, através da 16ª Procuradoria de Justiça, pelo conhecimento e provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Na situação em exame, pretende a Apelante a declaração da licitude da acumulação dos cargos públicos por ela ocupados, ambos na área de saúde, mediante a invalidação do ato administrativo que rejeitou idêntica pretensão no âmbito da Comissão Permanente de Acumulação de Cargos (Copac) – Num. 2236217 – Pág. 12.

Ao contrário da conclusão adotada pelo Juízo a quo, a jurisprudência dos Tribunais Superiores já se sedimentou para garantir o direito à acumulação de cargos, empregos ou funções públicas nos termos do art. 37, XVI, a a c, e XVII, da Constituição Federal (CF), desde que observada a condição expressa de compatibilidade de horários.

Cumpre, nesses termos, apresentar paradigma firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que entende serem inoponíveis normas infraconstitucionais tendentes a estabelecer outras condições para além do disposto na Carta Magna às hipóteses de acumulação lícita. In verbis:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INTERPOSIÇÃO EM 10.10.2018. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. ÁREA DE SAÚDE. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. ART. 37, XVI, c, DA CF. PARECER GQ-145/98 DA AGU. REEXAME DE FATOS E PROVAS, SÚMULA 279 DO STF. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DE TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. ARTS. 1.021, § 1º, DO CPC E ART. 317, § 1º, DO RISTF. 1. É ônus do recorrente, nos termos do art. 1.021, § 1º, do CPC e 317, § 1º, do RISTF impugnar de modo específico todos os fundamentos da decisão agravada. 2. A jurisprudência desta Corte tem se posicionado no sentido de que a existência de norma infraconstitucional que estipula limitação de jornada semanal não constitui óbice ao reconhecimento do direito à acumulação prevista no art. 37, XVI, c, da Constituição, desde que haja compatibilidade de horários para o exercício dos cargos a serem acumulados. 3. Eventual divergência em relação ao entendimento adotado pelo juízo a quo demandaria o reexame de fatos e provas constantes dos autos. Incidência do óbice da Súmula 279 do STF. 4. Agravo regimental a que se nega provimento, com previsão de aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC. Mantida a decisão agravada quanto aos honorários advocatícios, eis que já majorados nos limites do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC. (RE 1142691 AgR, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 25/10/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-244 DIVULG 07-11-2019 PUBLIC 08-11-2019)

A Apelante é servidora pública da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), titular do cargo público de auxiliar de enfermagem no Hospital Universitário Onofre Lopes, bem como titular do cargo público de provimento efetivo de enfermeira da Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap), de modo que a situação fática apresentada amolda-se à hipótese do art. 37, XVI, c, e XVII, da Constituição:

Art. 37. (...)

(...)

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

(...)

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;

XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;

As jornadas semanais de trabalho na UFRN e na Sesap são ambas de 30h (trinta horas) semanais (vide Declaração de Num. 2236212 – Pág. 8-9 e Termo de Posse de Num. 2236213 – Pág. 13). O Ente Público Apelado, não obstante à informação dos autos do processo administrativo, considerou de 40h (quarenta horas) a jornada laborada na Autarquia Federal e entendeu administrativamente pela extrapolação do limite de 60h (sessenta horas), consignado no art. 131, § 2º, da Lei Complementar Estadual n.º 122, de 30 de junho de 1994, deixando, inclusive, de enfrentar a (in)compatibilidade de horários.

Nesses termos, o direito da recorrente se revela a partir da teoria dos motivos determinantes, segundo a qual é possível identificar vício no ato administrativo da Copac. Isso porque invoca dispositivo infraconstitucional já sabidamente em contradição com o texto constitucional, consistindo em motivação inidônea.

O vício de motivação, per se, é o bastante para subsidiar a pretensão recursal da Apelante, que busca a invalidação da proibição da acumulação de cargos, evitando o desenrolar de processo administrativo enraizado em ato inválido quanto aos motivos determinantes: “a soma das cargas horárias semanais totaliza setenta horas, ultrapassando, o limite de sessenta horas fixado no § 2º, do art. 131, da Lei Complementar Estadual/RN n.º 122, de 30.06.1994 e, por isso, a impossibilidade da acumulação”.

O acervo documental dos autos traz elementos importantes para reforçar o equívoco administrativo, a exemplo da cópia da Portaria n.º 583/12-R, de 26 de abril de 2012, que autoriza a jornada de 30h (semanais) para os servidores dos Hospitais Universitários, bem como disciplina o regime de 11 (onze) plantões mensais de 12 (doze) horas, ao qual se submete a Apelante, conforme Declaração e Escalas de Num. 2236223 e 2236222.

No âmbito do Estado, diligenciou para juntar as Declarações de Num. 2236219 e 2236218 (Sesap), que, ao lado das Escalas da Autarquia Federal, consubstanciam o preenchimento da condição constitucional de compatibilidade de horários entre os vínculos, ambos laborados em plantões de 12h (doze horas), cuja frequência semanal oscila de 2 (dois) a 3 (três) plantões para cada vínculo.

A despeito dessas informações cruciais para o deslinde da controvérsia, a Magistrada sentenciante promove uma exegese ampliativa da condição de compatibilidade de horário com o fim de subsidiar seu julgamento pela impossibilidade de acumulação dos cargos públicos.

Trata-se de norma que restringe o direito de acumulação e, consequentemente, de acesso a cargo público de provimento efetivo, cuja interpretação aberta não condiz com os postulados do Estado de Direito e do constitucionalismo liberal. A afirmação de que tal acumulação de vínculos compromete “a saúde do trabalhador” e, “de forma decisiva, a qualidade do serviço prestado” não encontra amparo em qualquer elemento factual presente ou não nos autos, consubstanciando-se em um achismo do Juízo.

São negligenciadas diversas variáveis, a exemplo da capacidade única de cada indivíduo em assumir um maior ou menor número de compromissos profissionais, não significando um cartesiano reflexo na qualidade do serviço prestado. As pessoas são diferentes e não pode a Magistrada impor-lhes, exclusivamente de sentimento, uma régua de comportamento, aptidões e desempenho.

A propósito, cabe dizer que não se está diante de uma situação extremada, afinal, conforme reconhecido na sentença, a jornada mensal é de 252h (duzentas e cinquenta e duas horas), ultrapassando em apenas 12h (doze horas), no mês, o limite legal de 240h (duzentas e quarenta horas), cuja eficácia foi afastada pelo STF – vide precedente já transcrito.

A Administração poderá...

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