Acórdão Nº 08332595520208205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 08-11-2023

Data de Julgamento08 Novembro 2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08332595520208205001
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
3ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0833259-55.2020.8.20.5001
Polo ativo
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Advogado(s):
Polo passivo
MARIA DE FATIMA DOS SANTOS SOARES
Advogado(s): TATIANA MARIA DE SOUZA

RECURSO CÍVEL INOMINADO Nº 0833259-55.2020.8.20.5001

oRIGEM: JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL

RECORRENTE(S): ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

ADVOGADOS: PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

RECORRIDO(S): MARIA DE FATIMA DOS SANTOS SOARES

ADVOGADO: TATIANA MARIA DE SOUZA (OAB/RN 6134-A)

JUIZ RELATOR: CLEANTO ALVES PANTALEÃO FILHO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. FÉRIAS PROPORCIONAIS E TERÇO CONSTITUCIONAL. SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL APOSENTADA. ANO DA APOSENTAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA QUITAÇÃO OU GOZO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DO ENTE PÚBLICO. CONTABILIZAÇÃO DAS FÉRIAS PROPORCIONAIS A PARTIR DA DATA DA POSSE. TEMPO DE EXERCÍCIO QUE NÃO SE CONFUNDE COM ANO-CALENDÁRIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Juízes da Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, reformando a sentença apenas para considerar a proporção das férias relativas ao ano de 2017 como sendo 01/12, levando em consideração o tempo de efetivo exercício da servidora.

Sem condenação do recorrente em custas ou honorários advocatícios, ante o provimento do recurso.

Natal/RN, 31 de outubro de 2023.

CLEANTO ALVES PANTALEÃO FILHO

Juiz Relator

RELATÓRIO

SENTENÇA

Dispensado o relatório na forma do art. 38 da Lei nº 9.099/95, aplicado por força do art. 27 da Lei nº 12.153/2009.

MARIA DE FÁTIMA DOS SANTOS SOARES ajuizou a presente ação, neste Juizado Fazendário, em desfavor do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, alegando que é servidora estadual admitida em 01/08/1990 e aposentada em 01/09/2017, não tendo usufruído 5 (cinco) períodos de férias concernentes aos períodos aquisitivos de 2009, 2011, 2012, 2016 e o proporcional de 2017, razão pela qual veio postular o pagamento sob a forma de indenização pecuniária, de modo a evitar o enriquecimento ilícito do demandado.

Registro, por oportuno, que, com fulcro no posicionamento constituído no Pedido de Providências nº. 146/2015, apurado pela Corregedoria-Geral do Ministério Público, deixou-se de intimar o Membro do Parquet, em razão de inúmeros pareceres em ações de matéria idêntica à discutida nesta lide, nos quais fora declinada a possibilidade de intervir no feito, sob a justificativa de ausência de interesse público.

Decido.

Tratando-se de matéria unicamente de direito, sendo desnecessária a produção de prova em audiência, razão pela qual passo ao julgamento antecipado da lide, na forma do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil.

O cerne desta ação consiste em saber se a parte autora faz jus ao percebimento de indenização relativa ao pagamento das férias vencidas no período aquisitivo correspondente a 2009, 2011, 2012, 2016 e o proporcional de 2017.

Com seu ingresso em 01/08/1990 e aposentadoria em 01/09/2017, deixou a autora de usufruir férias durante os períodos aquisitivos relativos a 2009, 2011, 2012, 2016 e o proporcional de 2017, conforme declaração exarada pela Secretaria de Estado e Saúde Pública no ID. 58602495.

Apesar de não haver dispositivo legal que autorize ou proíba o pagamento de indenização de férias não gozadas, entendo como procedente o pleito autoral, em decorrência do princípio que veda o enriquecimento sem causa, disciplinado nos artigos 884 a 886 do Código Civil, proibindo o enriquecimento ilícito, ou seja, aquele obtido sem justa causa. Verificando a situação caracterizadora do princípio em referência, cabe ao magistrado tomar as providências para que aquele que se locupletou indevidamente restitua o valor auferido.

Impende registrar que, embora regulado pelo Código Civil, o princípio que proíbe o enriquecimento sem causa tem aplicação no âmbito do Direito Administrativo. Com efeito, a ninguém é dado o direito de obter vantagem indevida. Quando aquele que se locupleta ilicitamente é o Poder Público, a situação ganha contornos ainda mais gravosos, pois incumbe a este zelar pelos interesses e bem-estar dos administrados, aí incluindo os próprios servidores públicos.

Sobre a possibilidade de haver enriquecimento sem causa pela Administração Pública, no caso desta não proceder à indenização pelas férias não gozadas a servidor aposentado, assim já se manifestaram o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, conforme se vê, respectivamente, a seguir:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. LICENÇA-PRÊMIO. CONVERSÃO EM PECÚNIA. EXPRESSA. PERÍODO NÃO GOZADO EM FACE DA NECESSIDADE DE SERVIÇO. PREVISÃO LEGAL. REQUERIMENTO. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO QUE VEDA O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Este Superior Tribunal, em diversos julgados, consolidou a orientação de que é cabível a conversão em pecúnia da licença-prêmio e/ou férias não gozadas, em razão do serviço público, sob pena de configuração do enriquecimento ilícito da Administração.

2. Agravo regimental não provido. (STJ. AgRg no RECURSO ESPECIAL n.º 1.360.642/RS. Órgão Julgador: 2ª Turma; Rel.: Min. Mauro Campbell Marques. data do julgamento: 16.05.2013) -grifos nossos.

“EMENTA: RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Servidor público. Aposentadoria. Férias e licença-prêmio não gozadas na atividade. Indenização. Direito reconhecido. Vedação do enriquecimento sem causa e responsabilidade civil do Estado. Fundamentos autônomos infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição. Agravo regimental não provido. Precedentes. A questão de indenização, na aposentadoria de servidor público, por férias e licença-prêmio não gozadas na atividade, fundada na proibição do enriquecimento sem causa da Administração e na responsabilidade civil do Estado, é matéria infraconstitucional, insuscetível de conhecimento em recurso extraordinário.” (STF; RE-AgR nº 239552/RJ, Órgão Julgador: 1ª Turma; Rel.: Min. Cezar Peluso; data do julgamento: 31.08.2004). grifos nossos.

Com efeito, havendo férias vencidas, não gozadas e não computadas para fins de aposentadoria nos termos do permissivo contido no art. 116, I, da Lei Complementar Estadual nº 122/94, cabe a parte autora ser indenizada em pecúnia, devidamente atualizada, acrescida do adicional de 1/3 para cada período não gozado, em razão do disposto no art. 7º, XVII c/c o art. 39, § 3º, da Constituição Federal e no art. 85 da Lei Complementar Estadual nº 122/94.

Por fim, acrescento que a procedência do pleito autoral, na forma em que foi requerido, não afronta a Lei de Responsabilidade Fiscal. Isso porque a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n.º 101/2000), estabeleceu em seu art. 19, § 1º, inciso IV, que as despesas decorrentes de decisões judiciais não são computadas para verificação dos limites previstos no caput do art. 19 da referida Lei.

Nesse sentido, inclusive, vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça, consoante arestos a seguir colacionados:

"EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO APOSENTADO. GRATIFICAÇÃO DE ATIVIDADE TÉCNICA. EQUIPARAÇÃO COM SERVIDORES EM ATIVIDADE. CABIMENTO. OFENSA À LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. NÃO OCORRÊNCIA. LEI 'CAMATA'. INAPLICABILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

1. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que não incidem as restrições sobre as despesas de pessoal, previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal, quando decorrerem de decisões judiciais, nos termos do art. 19, § 1º, IV, da LC 101/00.

2. Segundo o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, a Lei 'Camata', que regulamentou o art. 169 da Constituição Federal de 1988, ao fixar os limites de despesas com pessoal dos entes públicos, não pode servir de fundamento para elidir o direito dos servidores públicos à fruição de vantagem já assegurada em lei.

3. Recurso especial conhecido e improvido.. (REsp 935.418/AM, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 16/03/2009).

Com efeito, não se pode admitir que a execução da lei seja uma discricionariedade do gestor público, sob o argumento de exceder o limite de despesa de pessoal do Estado, previsto no art. 169 da Carta da República, ou observância à Lei de Responsabilidade Fiscal, impedindo, desse modo, a aplicação de lei vigente, válida e eficaz, cerceando, portanto, o direito do servidor.

Sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça assim se pronunciou:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. VANTAGENS PESSOAIS. LEI COMPLEMENTAR Nº 68/92 DO ESTADO DE RONDÔNIA. PAGAMENTO. RECUSA. LIMITES ORÇAMENTÁRIOS. LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. INAPLICABILIDADE. ART. 19, § 1º, INCISO IV, DA LRF. (...)

II - A Lei de Responsabilidade Fiscal, que regulamentou o art. 169 da Constituição Federal de 1988, fixando limites de despesas com pessoal dos entes públicos, não pode servir de fundamento para elidir o direito dos servidores públicos de perceber vantagem legitimamente assegurada por lei. Precedentes deste e. Superior Tribunal de Justiça e do c. Supremo Tribunal Federal. Recurso ordinário provido. (STJ – 5ª Turma; RMS 30428/RO; Rel. Ministro FELIX FISCHER; julgado em 23/02/2010).

Tendo ficado demonstrado que a parte autora, ao se aposentar, não havia gozado as férias a que fazia jus, consubstancia-se a vantagem indevida obtida pela Administração Pública na medida em que se beneficiou do trabalho do servidor quando o mesmo deveria usufruir o direito que lhe é assegurado pela legislação.

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