Acórdão Nº 08354143120208205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 15-07-2021

Data de Julgamento15 Julho 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08354143120208205001
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0835414-31.2020.8.20.5001
Polo ativo
POLLYANNA LARA BRAGA DE AZEVEDO
Advogado(s): FABIO DE SOUZA MARINHO
Polo passivo
UNIMED NATAL e outros
Advogado(s): JOSE WILLIAM NEPOMUCENO FERNANDES DE ALMEIDA, ANTONIO EDUARDO GONCALVES DE RUEDA

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C TUTELA ANTECIPADA E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA QUANTO À REALIZAÇÃO DE RECONSTRUÇÃO PARCIAL DA MANDÍBULA COM ENXERTO ÓSSEO SOB O ARGUMENTO DE DESNECESSIDADE DO PROCEDIMENTO. RECUSA INDEVIDA. SITUAÇÃO RELATADA PELA SOLICITAÇÃO DO CIRURGIÃO DENTISTA QUE PREVALECE. INEXISTÊNCIA DE PROVA QUE DESCONSTITUA A RECOMENDAÇÃO PROFISSIONAL. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DANO MORAL CONFIGURADO. PREJUÍZO MORAL CARACTERIZADO. MANUTENÇÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS EM ATENÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE DE PROPORCIONALIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, discutidos e relatados os autos em que são partes as acima identificadas. Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso interposto, tudo nos termos do voto da Relatora, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta pela UNIMED RN FEDERAÇÃO DAS SOCIEDADES COOPERATIVAS DE TRABALHO MÉDICO LTDA. contra a sentença proferida pelo Juízo de Direito da 14ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer c/c Tutela Antecipada e Indenização por Danos Morais nº 0835414-31.2020.8.20.5001, ajuizada por POLLYANA LARA BRAGA DE AZEVEDO, julgou procedente a pretensão autoral, para condenar a parte ré à obrigação de autorizar, e realizar integralmente o procedimento cirúrgico da autora, conforme indicação médica, confirmando a liminar. Condenou ainda a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais), bem como no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação em danos morais.

A parte ré interpôs recurso de apelação para sustentar que não negou totalmente a solicitação, tendo sido autorizado imediatamente o procedimento de osteoplastia de mandíbula, contudo, a Auditoria Médica da Operadora não concordou com a indicação médica para o procedimento de reconstrução parcial da mandíbula com enxerto ósseo, sendo este indicado em casos de lesões, cistos e tumores, porém o caso da apelada refere-se a uma remoção de terceiro molar, não sendo assim necessária a utilização dos materiais solicitados.

Defende que a recusa da ré é legítima, não havendo que se falar em dano moral, pois mesmo que fosse injustificada a recusa de prestação de serviço, não se pode identificar qualquer lesão a dignidade da apelada, tampouco piora em seu quadro clínico em virtude dos acontecimentos comentados na lide, de modo que não houve dano, e por conseguinte, não há o que se indenizar.

Por fim, requer o conhecimento e provimento do apelo para reformar a sentença e julgar improcedente os pedidos iniciais, ou, que seja reduzido o quantum fixado a título de indenização por danos morais.

Contrarrazões pelo desprovimento do apelo cível.

A Procuradoria de Justiça não opinou no feito por entender pela sua desnecessidade.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

O mérito do apelo cinge-se em analisar se a conduta da apelante em negar autorização à realização do procedimento de reconstrução parcial da mandíbula com enxerto ósseo, solicitado pela apelada, afigura-se legítima e, caso contrário, se tal comportamento deve gerar ou não direito à indenização por danos morais em favor da autora.

Inicialmente, cumpre consignar que a relação contratual ora em análise trata-se de uma relação de consumo devidamente regulamentada pela Lei nº 8.078/90, vale dizer, o Código de Defesa do Consumidor – CDC.

Destarte, não restam dúvidas que os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, motivo pelo qual as suas cláusulas precisam ser pactuadas em consonância com o estabelecido na Lei Consumerista, devendo, ainda, serem respeitadas as formas de interpretação e elaboração contratual, dando-se pleno conhecimento ao consumidor do conteúdo constante do instrumento, a fim de coibir desequilíbrios entre as partes, principalmente em razão da hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor em relação ao fornecedor.

Na espécie, resta inconteste que a operadora, ora recorrente, negou-se a autorizar o procedimento solicitado pelo médico da parte autora, sob à alegação de que o referido procedimento não se fazia necessária no caso da apelada.

Contudo, entendo que tal negativa se caracteriza pela abusividade, não podendo o plano ao seu alvedrio deixar de autorizar o procedimento recomendado pelo profissional que acompanha o usuário, sem que comprove efetivamente a ineficácia do procedimento, o qual restou descrito como necessário à saúde da apelada.

Do que se denota dos autos, principalmente do documento de Id. 9395346, emitido pelo cirurgião dentista da apelada, Dr. Bruno de Macedo Almeida, o procedimento solicitado, Reconstrução Parcial de Mandíbula com Enxerto Ósseo (CBHPM3.02.08.10-6), foi indicado ao caso da mesma por ser a paciente portadora de elemento incluso em posição desfavorável (CID K 01.0), pela condição da inclusão do elemento dentário, da proximidade destes com estruturas nobres, da contiguidade com Canal Mandibular por onde passa o Nervo Alveolar Inferior e a Artéria Alveolar Inferior, risco de fratura da mandíbula e transtornos operatórios relatados por ela em outros atendimentos, contraindica sua realização em ambiente em ambiente odontológico com anestesia local, sendo necessário realizar o procedimento em ambiente hospitalar sob anestesia geral, a fim de não comprometer ainda mais seu quadro geral de saúde.

Deste modo, é dever da apelante cumprir com a sua obrigação de disponibilizar todos os meios possíveis à garantia da saúde da demandante, sob pena de comprometimento da saúde da usuária, consoante a orientação que o profissional assistente do paciente indicar, que por certo será o melhor procedimento/medicamento para o caso da paciente em comento.

Nesse contexto, não é demais registrar que o direito à vida e à saúde, amplamente presente no caso em apreço, é uma consequência imediata do fundamento da dignidade da pessoa humana, sobretudo porque os procedimentos buscados pelo paciente, ora recorrente, eram destinados ao restabelecimento de sua saúde.

Além disso, deve-se considerar que, quando o particular presta serviços na área da saúde, nos termos da autorização constitucional inserta no artigo 199 da Constituição Federal, deve garantir ampla cobertura, a fim de salvaguardar a vida do consumidor, inadmitindo-se qualquer tipo de cláusula limitativa ou negativa de cobertura quando se está diante da vida humana, sob pena de afronta ao citado artigo 199 da Carta Magna.

Com efeito, o bem jurídico que se pretende tutelar é da maior importância, concernente à própria saúde do usuário, cuja proteção decorre de imperativo constitucional, que consagra no art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana, e deve sobrepor-se ao direito eminentemente pecuniário.

Impõe-se, ainda, registrar que, mesmo existindo pacto contratual livremente celebrado entre as partes, é assegurado ao Poder Judiciário intervir na relação negocial para devolver à relação jurídica o equilíbrio determinado pela lei, pois, estando evidenciada a relação consumerista nos contratos celebrados após o advento do Código de Defesa do Consumidor, é possível a revisão ou decretação de nulidade das cláusulas manifestamente ilegais e abusivas.

Observadas tais premissas, destaco que não procede a alegação da empresa recorrente de que não poderia autorizar o procedimento médico descrito na exordial em razão de o mesmo ser desnecessário, ou não se encontrar no rol de procedimentos previstos pela Agência Nacional de Saúde – ANS.

É que cabe ao profissional que acompanha o paciente optar pelo tratamento que mais se adeque à situação daquele, sendo indevido sua classificação como desnecessário sem que seja comprovada tal alegação.

Ainda, o rol de procedimento não pode ser utilizado como fundamento para negar a realização do procedimento médico ao qual necessitava submeter-se a autora, uma vez que aquela lista diz respeito apenas a uma parcela mínima de procedimentos que os planos de saúde devem cobrir, nos termos da jurisprudência desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça, verbis:

CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. CONTRATAÇÃO ANTERIOR À LEI Nº 9.656/98. IMPLANTE DE MARCA-PASSO. EXCLUSÃO DA COBERTURA. CLÁUSULA ABUSIVA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 51, IV C/C § 1º, II DO CDC. NATUREZA EMERGENCIAL DO PROCEDIMENTO. NEGATIVA INJUSTIFICADA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DA APELAÇÃO CÍVEL.

(TJRN. 3ª Câmara cível nº 2013.010869-8. Relator: Desembargador Amaury Moura Sobrinho. Julgado em 08.10.2013)

PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇAO CÍVEL. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA INJUSTIFICADA QUANTO TRATAMENTO COM MEDICAMENTO SOLICITADO PELO MÉDICO ASSISTENTE DO AUTOR. ALEGAÇÃO DE MEDICAMENTO EXCLUÍDO DO ROL DA ANS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. EXIGÊNCIA DE COBERTURA PELA RESOLUÇÃO NORMATIVA N.º 211/2010 DA ANS. INCIDÊNCIA DOS ARTIGOS 47 E 51 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DIREITO À VIDA E À SAUDE. ARTIGO 199 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO.

(TJRN. 3ª Câmara Cível. Apelação Cível nº 2012.017875-7. Relatora: Juíza Virgínia Marques...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT