Acórdão Nº 08358849620198205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 26-02-2021
Data de Julgamento | 26 Fevereiro 2021 |
Classe processual | APELAÇÃO CÍVEL |
Número do processo | 08358849620198205001 |
Órgão | Segunda Câmara Cível |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
Processo: | APELAÇÃO CÍVEL - 0835884-96.2019.8.20.5001 |
Polo ativo |
SEVERINO MARTINS DE LIMA JUNIOR |
Advogado(s): | ALYSSON HAYALLA MARTINS GRILO FERNANDES HOLANDA |
Polo passivo |
AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. |
Advogado(s): | ELISIA HELENA DE MELO MARTINI, HENRIQUE JOSÉ PARADA SIMÃO |
EMENTA: DIREITOS CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO.APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.107-36/2001 (RE 529.377; TEMA 33 DA REPERCUSSÃO GERAL). MUDANÇA DE POSICIONAMENTO DO PLENO DO TJRN A FIM DE SE ALINHAR AO ENTENDIMENTO DA CORTE SUPREMA. CONSONÂNCIA COM O STJ (RESP 973.827/RS). ABUSIVIDADE DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS RECONHECIDA DIANTE DA AUSÊNCIA DE PREVISÃO EXPRESSA NO CONTRATO NOS AUTOS. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. MA-FÉ NÃO CARACTERIZADA. RESTITUIÇÃO SIMPLES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma e à unanimidade, em prover parcialmente o recurso, nos termos do voto do relator.
Apelação Cível interposta pelo Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S/A, em face da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para: desautorizar a capitalização de juros, mantendo-se a taxa de juros contratada; condenar o demandado a repetição do indébito, em dobro, dos valores cobrados indevidamente, a título de capitalização de juros com periodicidade inferior a anual, corrigido monetariamente pelo INPC e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, desde cada desembolso, desde que não haja mora, hipótese em que, fica autorizada a devida compensação. Em razão da sucumbência recíproca, condenou ambas as partes ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, a ser repartido na proporção de 80% a ser pago pelo réu e o restante pelo autor, ficando suspensa a execução da verba para este último em razão da gratuidade judiciária outrora deferida.
Alegou, em síntese, que: deve ser observada a cláusula pacta sunt servanda; a capitalização de juros é permitida pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e pelo ordenamento jurídico brasileiro, com previsão expressa na Medida Provisória n. 2.170-36/2001; não há que se falar em repetição do indébito. Requereu o provimento do apelo para julgar os pedidos da inicial improcedentes.
Contrarrazões pugnando pelo desprovimento do apelo.
Esclareço que o Código de Defesa do Consumidor se aplica às relações de consumo envolvendo instituições financeiras, conforme entendimento consolidado pelos Tribunais Superiores: no Superior Tribunal de Justiça, por meio do Enunciado n° 297[1] de sua Súmula; no Supremo Tribunal Federal, pelo julgamento da ADI n° 2591/DF[2] (“ADI dos Bancos”).
Sendo assim, há plena possibilidade de revisão judicial das cláusulas contratuais consideradas abusivas previstas em contratos bancários, incompatíveis com a boa-fé ou equidade, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou estabeleçam prestações desproporcionais (art. 6º, V e art. 51, IV do CDC[3]).
Em processos discutindo a matéria ora analisada, este relator vinha declarando a nulidade das cláusulas que previam a capitalização de juros, com fundamento na decisão proferida pelo Plenário deste Tribunal na Arguição de Inconstitucionalidade em Apelação Cível n° 2008.004025-9/0002.00, que declarou a inconstitucionalidade formal do art. 5º da Medida Provisória n° 1.963/2000 (atual MP n° 2.107-36/2001), que admite a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. Como o referido julgamento foi à unanimidade de votos, passou a vincular os demais órgãos do Tribunal por força do art.243, caput do Regimento Interno[4].
Em 04/02/2015, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, por maioria de votos, a constitucionalidade formal da Medida Provisória nº 2.170-36/2001, nos termos do acórdão adiante transcrito:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ART. 5º DA MP 2.170/01. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO. REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA EDIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA. SINDICABILIDADE PELO PODER JUDICIÁRIO. ESCRUTÍNIO ESTRITO. AUSÊNCIA, NO CASO, DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA NEGÁ-LOS. RECURSO PROVIDO.
1. A jurisprudência da Suprema Corte está consolidada no sentido de que, conquanto os pressupostos para a edição de medidas provisórias se exponham ao controle judicial, o escrutínio a ser feito neste particular tem domínio estrito, justificando-se a invalidação da iniciativa presidencial apenas quando atestada a inexistência cabal de relevância e de urgência.
2. Não se pode negar que o tema tratado pelo art. 5º da MP 2.170/01 é relevante, porquanto o tratamento normativo dos juros é matéria extremamente sensível para a estruturação do sistema bancário, e, consequentemente, para assegurar estabilidade à dinâmica da vida econômica do país.
3. Por outro lado, a urgência para a edição do ato também não pode ser rechaçada, ainda mais em se considerando que, para tal, seria indispensável fazer juízo sobre a realidade econômica existente à época, ou seja, há quinze anos passados.
4. Recurso extraordinário provido.
(RE n° 592.377/RS. Tribunal Pleno. Relator: Min. Marco Aurélio. Relator p/ Acórdão: Min. Teori Zavascki. DJe de 20/03/2015).
Transcrevo, por oportuno, a proclamação do julgamento:
O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, rejeitou a preliminar de prejudicialidade apontada pelo Ministério Público. No mérito, o Tribunal, decidindo o tema 33 da repercussão geral, por maioria, deu provimento ao recurso, vencido o Ministro Marco Aurélio (Relator), que lhe negava provimento e declarava inconstitucional o art. 5º, cabeça, da Medida Provisória nº 2.170-36, de 23 de agosto de 2001. (...)
Na mesma direção, o Superior Tribunal de Justiça já havia pacificado seu posicionamento no julgamento do REsp nº 973.827/RS, o qual foi analisado sob a sistemática dos recursos repetitivos e fixou as seguintes teses para os efeitos do art. 543-C do CPC:
É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada. A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.
Como se trata de matéria constitucional, este Tribunal não estava vinculado aos efeitos do REsp nº973.827-RS, mas, por outro lado, deve seguir o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, em respeito ao art. 243, II e § 1º, do RITJRN, senão veja-se:
Art. 243. A decisão declaratória ou denegatória da inconstitucionalidade, quando unânime, terá aplicação obrigatória para o futuro aos casos análogos, ressalvadas as seguintes hipóteses:
I - se houver alteração do texto constitucional em que se fundamentou a decisão;
II - se o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidir contrariamente sobre a mesma lei ou ato idêntico inquinado de inconstitucional, mesmo que não conste ainda de súmula;
III - se houver possibilidade de modificação do pronunciamento do Tribunal Pleno, pela mudança de sua composição ou apresentação de novos fundamentos jurídicos, a critério da Câmara julgadora.
§ 1º Ocorrendo a circunstância prevista no inciso II, aplica-se a jurisprudência do Excelso Pretório.
§ 2º Poderá a Câmara deixar de remeter os autos ao Tribunal Pleno,quando este, embora por maioria de votos, houver firmado jurisprudência uniforme sobre a mesma matéria constitucional. (grifos acrescidos)
Nesse cenário, o Plenário deste Tribunal de Justiça rediscutiu a matéria em Embargos Infringentes e alinhou-se à recente decisão da Corte Suprema, conforme se verifica nas decisões adiante transcritas:
EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. POSSIBILIDADE ANTE O DECIDIDO NO RECURSO ESPECIAL Nº 973.827 (ART. 543-C) E A CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 5º DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.170-36/2001 AFIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N.º 592.377 EM REGIME DE REPERCUSSÃO GERAL (ART. 543-B DO CPC). NECESSIDADE DE ADOÇÃO DO ENTENDIMENTO DO STF POR ESTA CORTE. ART. 243, II, § 1º, DO RITJRN. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 973.827, com base no art. 543-C do CPC (sistemática de recurso repetitivo), decidiu ser permitida acapitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.
- O Supremo Tribunal Federal por meio do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 592.377 em regime de repercussão geral (art. 543-B do CPC), considerou constitucional o art. 5º da MP 2.170-36/2001, inviabilizando a manutenção do entendimento desta Corte de Justiça exarado na Arguição de Inconstitucionalidade em Apelação Cível nº 2008.004025-9/0002.00, ante o disposto no art. 243, II, § 1º, do RITJRN.
(Embargos Infringentes n° 2014.026005-6. Relator: Des. Amílcar Maia. Julgamento: 25/02/2015).
EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NORMA JURÍDICA QUE PERMANECE VIGENTE ATÉ JULGAMENTO DA ADI 2.316. EVOLUÇÃO DO ENTENDIMENTO DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUANTO À CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. ADMISSÃO DA COBRANÇA DE JUROS CAPITALIZADOS EM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO QUANDO EXISTENTE A PACTUAÇÃO CONTRATUAL, NOS TERMOS DO RESP...
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