Acórdão Nº 08367458720168205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 17-03-2020

Data de Julgamento17 Março 2020
Tipo de documentoAcórdão
Número do processo08367458720168205001
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
ÓrgãoSegunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0836745-87.2016.8.20.5001
Polo ativo
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
Advogado(s):
Polo passivo
ILMA DE SOUZA PEREIRA e outros
Advogado(s): PRISCILA GUIMARAES DAS CHAGAS


APELAÇÃO CÍVEL Nº 0836745-97.2016.8.20.5001

Apelante: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

Procurador:

Apelado: ILMA DE SOUZA PEREIRA e ANA KEILA DE SOUZA PEREIRA

Advogada: Priscila Guimarães das Chagas


EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO REPARATÓRIA POR DANOS MORAIS E MATERIAIS COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. MORTE DE DETENTO DENTRO DE PENITENCIÁRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL PARA CONDENAR O ESTADO EM r$ 50.000,00 (CINQUENTA MIL REAIS) A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, SENDO R$ 25.000,00 (VINTE E CINCO MIL REAIS) PARA CADA AUTORA. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL DO ESTADO DO RN. TESE DE INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE E EXCESSIVIDADE DO VALOR INDENIZATÓRIO FIXADO. DESCABIMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO ILÍCITO. MORTE DE APENADO DENTRO DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL. DEVER DE VIGILÂNCIA NÃO OBSERVADO. ENTE ESTATAL QUE DEVE ASSEGURAR A INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DOS DETENTOS SOB SUA CUSTÓDIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA (ART. 37, §6º, CF). RAZOABILIDADE DO QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, em Turma, à unanimidade de votos, em consonância com o parecer da 7ª Procuradora de Justiça, Iadya Gama Maio, conhecer e negar provimento ao apelo, nos termos do voto da relatora.


RELATÓRIO


O ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE interpôs Apelação Cível (ID nº 4773452) em face de sentença proferida pelo Juiz de Direito da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN (ID 477349) que, nos autos da ação reparatória por danos morais e materiais com pedido de antecipação de tutela ajuizado por Ilama de Souza Pereira e Ana Keila de Souza Pereira julgou parcialmente procedente o pedido inicial para condenar o postulante a “pagar a cada um dos demandantes a importância de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) a título de indenização por danos morais, o que totaliza a quantia de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), valor que será corrigido monetariamente, a partir desta fixação, com base no índice oficial da remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança (Lei nº 11.960/2009), a partir do dia 16/0/2015, data do evento danoso (…)”.

Em suas razões (ID 4773453) o apelante sustentou em síntese que: a) não é responsável pela morte do preso, já que a causa determinante do sinistro não adveio da ação de quaisquer agentes públicos, mas sim de fatos imprevisíveis, inevitáveis e irresistíveis, sendo impossível a tomada de atitude para evitá-lo; b) o valor arbitrado pelo Juízo a quo é excessivo.

Ao final, requereu o conhecimento e provimento do apelo.

A parte apelada, embora intimada, não apresentou contrarrazões conforme certidão acostada no ID 4773456.

Com vista dos autos, a 7ª Procuradora de Justiça, Iadya Gama Maio, opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo para que a sentença seja mantida em sua integralidade.

É o relatório.


VOTO


Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Discute-se, no caso em apreço, se o Estado do Rio Grande do Norte deve ser condenado ao pagamento de indenização por danos morais em razão de morte de Clésio Barbosa de Souza Oliveira quando se encontrava sob a custódia do Poder Público recolhido no Presídio Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta/RN, fato ocorrido em 16/10/2015, óbito provocado por asfixia mecânica em decorrência de enforcamento.

O Magistrado de Primeiro Grau entendeu ser cabível a indenização sob os seguintes fundamentos:


Consoante se dessume da leitura dos autos, o fato lesivo decorreu de ato omissivo do requerido, que negligenciou a proteção da integridade física do detento, ao permitir que o detento fosse morto por enforcamento dentro do estabelecimento prisional. Segundo a doutrina majoritária, a questão suscitaria a investigação acerca da responsabilidade civil subjetiva do Estado. Ocorre, entretanto, que, para a espécie em análise, subsiste a responsabilidade civil objetiva do requerido, tanto pela sua conduta omissiva, como pela sua conduta comissiva (…).

O dever de custódia dos apenados impõe ao Estado a preservação da integridade física daqueles, possibilitando-lhes a segurança e o gozo do direito à vida, para o digno cumprimento da pena à qual foram condenados. É obrigação de feição constitucional, reproduzida no ordenamento infraconstitucional (art. 5º, XLIX, da CF e art. 40, da LEP, respectivamente), que deveria ser eficazmente cumprida pelo demandado, responsável pela vida daqueles que estão em seus estabelecimentos prisionais.

Não há que se falar, portanto, em exclusiva culpa da vítima ou de terceiros. O detento fora vitimado, por estar custodiado no estabelecimento prisional público, sujeito à vigilância contínua do Estado, de modo que, por todos os ângulos, caberia ao réu impedir o sinistro.

(…)

In casu, resta cristalina a inobservância do Estado em prestar o seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, uma vez que, o óbito do detento ocorreu dentro do recinto do estabelecimento prisional, portanto, notória a responsabilidade do Estado pela morte do detento.

Comprovada a omissão danosa do réu, tem-se igualmente configurado o nexo causal existente entre a dita conduta danosa e os prejuízos experimentados pelos requerentes, na condição de companheira e filhos do falecido.

Da simples ocorrência do sinistro suso analisado, decorrem os danos morais alegados, dada a clara aptidão que o óbito referido tem de prejudicar a órbita psíquica dos autores, nas circunstâncias retratadas nos autos. Materializa-se, destarte, a responsabilidade civil do demandado acerca do evento danoso em análise, pelo que o mesmo deverá arcar com a indenização dos requerentes, conforme os ditames dos arts. 927 e 944, do Código Civil.”


Examinando o acervo probatório, constam os seguintes documentos:

1) Declaração de óbito (ID 4773434) constando que o mesmo ocorreu em Nísia Floresta e decorreu de “ASFIXIA MECÂNICA – ENFORCAMENTO”;

2) Pesquisa realizada na Vara de Execuções Penais (Id 4773435 – págs. 44) e Decisão Interlocutória (Id 4773435 – pág. 45) demonstrando que Clésio Barbosa de Souza Oliveira fora condenado a 10 (dez) anos e 8 (oito) meses de reclusão, sendo, pois, detento.


Defende, o requerente, a tese de que inexistiu ato comissivo dos agentes estatais a possibilitar uma indenização, eis que o preso foi morto por apenados no Pavilhão 4 da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, inexistindo provas de que o Poder Público foi displicente em sua conduta.

Pois bem. Destaco, inicialmente, dispositivos constitucionais que reputo essenciais para o deslinde do caso em análise:


Art. 5º. Omissis

(…)

XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;


Art. 37 Omissis

(…)

6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa”.



Vigora que, segundo a regra constitucional relativa à responsabilidade civil do Estado (art. 37, § 6º, CF), transcrita supra, quando a atuação estatal que cause dano ao particular resulta, para a Administração Pública, no dever de indenizar, independentemente da existência de falta do serviço ou culpa administrativa.

Essa é a consagração do princípio do risco administrativo, segundo o qual o Estado, como sujeito jurídico, político e economicamente mais poderoso nas relações jurídicas, deve arcar com o risco natural decorrente das numerosas atividades que exerce.

Compartilho, pois, com o entendimento do Juiz a quo de que existiu a inobservância do Estado do RN em assegurar a integridade física do apenado, posto como dito supra, o óbito ocorreu dentro do recinto prisional, configurando, pois, omissão danosa do recorrente, estando patentemente demonstrado o nexo causal.

Portanto, entendo que a verba indenizatória é devida na linha dos precedentes desta Egrégia Corte de Justiça em casos análogos:


EMENTA: CONSTITUCIONAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DE ERRO MÉDICO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO CÍVIL. PACIENTE QUE FOI VÍTIMA DE ACIDENTE QUE TRAUMATIZOU O DEDO DA MÃO ESQUERDA. INDICAÇÃO CIRÚRGICA PARA ALÍVIO DA DOR. ATENDIMENTO EM HOSPITAL PRESTADOR DE SERVIÇO PÚBLICO. INTELIGÊNCIA DO ART.37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRESCRIÇÃO DE MEDICAÇÃO. PERSISTÊNCIA DAS DORES. INTERNAÇÃO E REALIZAÇÃO DE CIRURGIA. DEMORA INJUSTIFICADA DE MAIS DE UM MÊS. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA QUE CONCLUIU QUE O PROCEDIMENTO CIRÚRGICO NÃO SE PRESTAVA A RESTITUIR O MOVIMENTO DO DEDO. ERRO MÉDICO NÃO CONFIGURADO. DANOS MATERIAIS AFASTADOS. DEMORA INJUSTIFICADA NA REALIZAÇÃO DA CIRURGIA QUE CAUSOU SOFRIMENTO FÍSICO E PSÍQUICO AO AUTOR. DANOS MORAIS QUE SE IMPÕE. QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. CONHECIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL DO APELO”.( Apelação Cível n° 2014.018161-9: Relator: Desembargador Dilermando Mota.Julgamento: 10/05/2018) (Destaquei)


EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE A PRETENSÃO AUTORAL. MENOR IMPÚBERE. LESÕES CORPORAIS SOFRIDAS QUANDO ESTAVA NAS DEPENDÊNCIAS DA UNIDADE DE EDUCAÇÃO INFANTIL ROSA MARIA PINTO DA NÓBREGA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO DE...

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