Acórdão Nº 08369740820208205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 27-04-2023

Data de Julgamento27 Abril 2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08369740820208205001
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
3ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0836974-08.2020.8.20.5001
Polo ativo
MUNICIPIO DE NATAL e outros
Advogado(s):
Polo passivo
JAMES BOLIVAR DA SILVA BRILHANTE FILHO
Advogado(s): RILKE BARTH AMARAL DE ANDRADE

RECURSO CÍVEL INOMINADO Nº 0836974-08.2020.8.20.5001

5º JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL

RECORRENTE(S): MUNICÍPIO DO NATAL

ADVOGADO: PROCURADOR DO MUNICÍPIO DO NATAL

RECORRIDO: JAMES BOLIVAR DA SILVA BRILHANTE FILHO

ADVOGADO: RILKE BARTH AMARAL DE ANDRADE

JUiZ RELATOR: cleanto alves pantaleão filho

EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. RESPONSABILIDADE CIVIL DIRETA DO MUNICÍPIO. VEÍCULO QUE PERTENCE A PROGRAMA SOCIAL INSTITUÍDO PELA MUNICIPALIDADE. AFASTAMENTO DE TESE DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA QUE DEVE SER MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

ACÓRDÃO

VISTOS, relatados e discutidos estes autos do Recurso Inominado acima identificado, decidem os Juízes que integram a Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, conhecer do recurso, afastar preliminar, e por unanimidade, negar-lhe provimento, mantendo-se os termos da sentença pelos seus próprios fundamentos, com os acréscimos do voto da Relatora. Com honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento), sobre o valor da condenação.

Natal/RN, 24 de abril de 2023.

cleanto alves pantaleão filho

Juiz Relator

RELATÓRIO

SENTENÇA

Vistos...

Não sendo necessária a produção de provas em audiência, impõe-se o julgamento antecipado do mérito, na forma do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil.

James Bolivar da Silva Brilhante Filho, devidamente qualificado nos autos, representado por procurador, ajuizou a presente ação de indenização por danos morais e materiais em face do Município do Natal e do Sindicato das Empresas de Transportes Urbano de Passageiros do Município de Natal – SETURN requerendo a condenação dos réus ao pagamento de indenização pelas perdas e danos que sofreu em razão de colidir com ônibus que presta serviço público de transporte de pessoas.

Citado, o ente demandado apresentou contestação defendendo, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva na lide. No mérito, aduziu a improcedência do pleito autoral (Id. 61470517).

As alegações finais foram apresentadas tempestivamente, oportunidade em que o autor impugnou os argumentos levantados pelo Município e ratificou o pleito inicial (Id. 61996136).

É o que importa relatar. Passa-se a fundamentar e decidir.

Previamente à análise da preliminar suscitada pelo Município do Natal e da análise do mérito propriamente dito, existe uma questão de ordem a ser sanada em relação à ré SETURN, que foi incluída na lide por ser a titular do ônibus envolvido na colisão com o veículo da parte autora, tendo em vista que sua citação não foi realizada, não havendo a perfectibilização da relação jurídica entre a mesma e o autor na presente ação.

Todavia, entendo ser desnecessária a citação da ré nos presentes autos, uma vez que o Sindicado não deve ser parte integrante da lide.

Há muito vem se consolidando na doutrina e jurisprudência pátrias que a pessoa que sofre o dano não pode ajuizar ação de indenização simultaneamente contra a pessoa jurídica direito público e o agente privado que lhe causou o dano, em litisconsórcio, uma vez que este último só responde, se for o caso, mediante ação regressiva, com o aferimento de sua culpa, em sentido latu.

Assim, deixo de determinar a citação do Sindicato das Empresas de Transportes Urbano de Passageiros do Município de Natal – SETURN uma vez que não cabe, na presente demanda, litisconsórcio passivo facultativo entre a referida pessoa de direito privado e a Municipalidade ré.

No que se refere à preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelo ente demandado, que defendeu tratar-se de colisão entre dois automóveis particulares, quais sejam: o carro do autor e o ônibus de titularidade da SETURN, tal alegação não deve prosperar.

Ocorre que, apesar do veículo não ser de titularidade do Município de Natal nem ser de linha regular, presta serviço público de relevante valor social, tendo em vista que desenvolve programa social instituído pela Municipalidade ré, consistente no transporte de pessoas com dificuldades de mobilidade e locomoção no trajeto casa/centro de tratamento/casa conforme documentos de Id. 61996137 e 91996138.

Assim, reconheço a regularidade do Município de Natal no polo passivo da demanda e, por conseguinte, rejeito a preliminar suscitada pelo ente demandado.

Ingressando-se na discussão de mérito propriamente dita, observa-se que o cerne da demanda consiste em decidir se é possível condenar o ente demandado na obrigação de pagar ao demandante as perdas e danos que sofreu em razão da colisão operada entre o seu veículo de passeio e ônibus prestador de serviço público remunerado pela municipalidade.

Pois bem. Para melhor decidir, é preciso pontuar breves considerações acerca do instituto da responsabilidade civil do Estado.

A responsabilidade civil, também denominada responsabilidade extracontratual, tem sua origem no Direito Civil. Consubstancia-se na obrigação de indenizar um dano patrimonial e/ou moral decorrente de um fato humano. É modalidade de obrigação extracontratual e, no direito privado, a regra geral é a necessidade de estarem presentes os seguintes elementos:

1. uma atuação lesiva culposa ou dolosa do agente; a regra geral no direito privado é a exigência de caracterização de culpa em sentido amplo na conduta; a culpa em sentido amplo abrange o dolo (intenção) e a culpa em sentido estrito (negligência, imprudência ou imperícia);

2. a ocorrência de um dano patrimonial ou moral; e

3. o nexo de causalidade entre o dano havido e a conduta do agente, o que significa ser necessário que o dano efetivamente haja decorrido da ação do agente (ou de sua omissão ilícita, se fosse o caso de o agente ter o dever de agir).

No direito brasileiro a responsabilidade civil, como regra geral, é orientada pela assim chamada teoria da causalidade direta e imediata, segundo a qual ninguém pode ser responsabilizado por aquilo que não tiver dado causa, e somente se considera causa o evento danoso. Portanto, só origina responsabilidade civil, em princípio, o nexo causal direto e imediato, isto é, deve haver uma ligação lógica entre a conduta (comissiva ou omissiva) e o dano efetivo.

No âmbito do Direito Público, temos que a responsabilidade civil da Administração Pública evidencia-se na obrigação que tem o Estado de indenizar os danos patrimoniais ou morais que seus agentes, atuando em seu nome, ou seja, na qualidade de agentes públicos, causem à esfera juridicamente tutelada dos particulares. Traduz-se, pois, na obrigação de reparar economicamente danos patrimoniais, e com tal reparação se exaure.

Nesse sentido, a fundamentação da responsabilidade estatal reside na busca de uma repartição isonômica, equânime, do ônus proveniente de atos ou dos efeitos oriundos das atividades da Administração. Evita-se, com a repartição, entre todos os cidadãos, do ônus financeiro da indenização, que somente alguns suportem os prejuízos ocorridos por causa de uma atividade desempenhada pelo Estado no interesse de todos.

Assim sendo, se todos são beneficiados pelos fins visados pela Administração, todos devem igualmente suportar os riscos decorrentes dessa atividade, ainda esta tenha sido praticada de forma irregular, porém em nome da Administração.

Ainda sob essa mesma perspectiva, observa-se que a responsabilidade objetiva reconhece a desigualdade jurídica existente entre o particular e o Estado, decorrente das prerrogativas de direito público a este inerentes, prerrogativas estas que, por visarem à tutela do interesse comum, sempre assegurarão a prevalência jurídica destes interesses ante os do particular.

Nessa toada, seria injusto que aqueles que sofrem danos patrimoniais ou morais decorrentes da atividade da Administração ou de seus agentes tivessem dificuldade de serem indenizados.

Foi nesse sentido que o art. 37, § 6º consagrou a responsabilidade objetiva, na modalidade risco administrativo, pelos danos causados por atuação de seus agentes, abaixo transcrito:

Art. 37, § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.



Destaque-se que, quanto à sua abrangência, a doutrina e jurisprudência nacionais são uníssonas no sentido de que aplica-se o referido dispositivo a todas as pessoas jurídicas de direito público e às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, nas quais incluem-se as delegatárias de serviços públicos (permissionárias, concessionárias e autorizadas), sendo o dispositivo a ser aplicado no caso dos autos para a resolução do caso concreto.

Frise-se que a responsabilidade objetiva das autorizadas, concessionárias e permissionárias de serviços públicos abrange os danos causados aos usuários do serviço público e também a terceiros não usuários (RE 591.874/MS, tel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.08.2009).

Assim, vislumbro no caso concreto a existência dos requisitos autorizadores ao reconhecimento da responsabilidade objetiva do Município de Natal, quais sejam: 1) conduta perpetrada por agente delegatário de serviço público, consistente nas infrações aos artigos 28 e 34, do Código de Trânsito Brasileiro, conforme parecer 28833/2020 (Id. 589983438); 2) a existência de dano ao autor da ação que teve que arcar com todos os custos relativos ao conserto do seu veículo após a colisão (Id. 58983436); 3) o nexo de causalidade entre o ato ilícito e dano sofrido pelo...

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