Acórdão Nº 08391320720188205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 04-08-2023

Data de Julgamento04 Agosto 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08391320720188205001
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0839132-07.2018.8.20.5001
Polo ativo
MPRN - 44ª Promotoria Natal
Advogado(s):
Polo passivo
RENATA BEZERRA DE MIRANDA e outros
Advogado(s): FELIPE AUGUSTO CORTEZ MEIRA DE MEDEIROS, AFONSO ADOLFO DE MEDEIROS FERNANDES

EMENTA: DIREITOS CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SERVIDORA DA CÂMARA MUNICIPAL DE NATAL. ASSESSORA PARLAMENTAR DO GABINETE DE VEREADOR. ALEGAÇÃO DE “SERVIDORA FANTASMA”. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. TESE FIXADA PELO STF NO JULGAMENTO DO ARE 843.989, EM REPERCUSSÃO GERAL (TEMA 1.199). IRRETROATIVIDADE DO REGIME PRESCRICIONAL TRAZIDO PELA LEI Nº 14.230/2021. APLICAÇÃO DOS NOVOS MARCOS TEMPORAIS SOMENTE A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DA LEI. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL DO PARQUET. ASSESSORA PARLAMENTAR MUNICIPAL. CARGO COMISSIONADO. ARTIGOS 1º, §§ 1º, 2º E 3º DA LEI Nº 8.429/92, INCLUÍDOS PELA LEI Nº 14.230/2021. EXIGÊNCIA DE DOLO DO AGENTE E FIM ESPECÍFICO DE OBTENÇÃO DE PROVEITO OU BENEFÍCIO INDEVIDO PARA SI OU OUTREM. COMPROVAÇÃO. ASSESSORA ENQUANTO CURSAVA FACULDADE DE MEDICINA EM CAMPINA GRANDE/PB, EM TURNO INTEGRAL. AUSÊNCIA DE PROVAS SATISFATÓRIAS DA EFETIVA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO NO ANO DE 2014. RECEBIMENTO SEM A DEVIDA CONTRAPRESTAÇÃO. ATO DE IMPROBIDADE TIPIFICADO NO ART. 9º, CAPUT DA LEI Nº 8.429/92. CONDENAÇÃO NO RESSARCIMENTO AO ERÁRIO PÚBLICO DO DANO OCASIONADO E MULTA CIVIL PREVISTA NO ART. 12, INCISO I DA LIA. VEREADOR MUNICIPAL. AGENTE POLÍTICO. NOMEAÇÃO E INCLUSÃO DA SERVIDORA NA FOLHA DE PAGAMENTO, MESMO CIENTE DE QUE NÃO PODERIA PRESTAR QUALQUER SERVIÇO DE ASSESSORAMENTO PARLAMENTAR COMO CONTRAPRESTAÇÃO DA REMUNERAÇÃO QUE AUFERIRIA. COMPROVAÇÃO DA PRÁTICA DE CONDUTA ÍMPROBA PREVISTA NO ART. 10, CAPUT DA LEI Nº 8.429/92. IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DA CAPITULAÇÃO LEGAL APRESENTADA PELO AUTOR. ARTIGO 17, §§ 10-C E 10-F DA LEI Nº 8.429/92, INTRODUZIDOS PELA LEI Nº 14.230/2021. SUBSIDIARIAMENTE, PEDIDO DE CONDENAÇÃO NO ART. 11, CAPUT DA LEI DE Nº 8.429/92. NÃO CABIMENTO. ROL TAXATIVO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA PRETENSÃO MINISTERIAL. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma e à unanimidade, em prover parcialmente o recurso, nos termos do voto do relator.

Apelação Cível interposta pelo Ministério Público Estadual, nos autos da Ação de Improbidade Administrativa, em face da sentença que julgou improcedente a pretensão de condenar os demandados, Renata Bezerra de Miranda e Jacob Helder Guedes de Oliveira Jácome, por violação às normas do art. 9º, caput ou, subsidiariamente, no art. 11, caput, ambos da Lei 8.429/92 (LIA), com aplicação das respectivas sanções previstas no art. 12, I e III deste diploma normativo.

Alega que: a recorrida recebeu R$ 4.000,00, tendo hipoteticamente trabalhado quantitativo discrepante da jornada imposta aos demais servidores do Estado do Rio Grande do Norte, cujos cargos são de 30 ou 40 horas; “Se RENATA BEZERRA de fato estivesse dispensada do controle de frequência, não haveria razão para fabricar folha de ponto, com horários variados de entrada e saída ao serviço, de segunda a sexta-feira”; as supostas funções exercidas pela requerida não se encaixam nas atribuições de um Assessor Parlamentar, conforme se extrai da norma do artigo 78 da Lei nº 6.882/19; as discrepâncias entre os depoimentos apontam que “RENATA BEZERRA não prestava serviço no âmbito de tais ações de saúde, pois não se trata de inconsistências em meros detalhes, mas quanto ao local físico em que realizada a prestação de tais serviço”; “a boa-fé de RENATA BEZERRA é totalmente repelida quando se procede a análise da sua folha de frequência na Câmara Municipal de Natal”, cuja finalidade era atestar frequência inexistente; “a boa-fé de JOAB JÁCOME é afastada quando se constata que ele, movido por relação de amizade que mantinha com RENATA BEZERRA, a manteve na folha de pagamento do Legislativo Municipal, sabendo e encobrindo a condição de “servidora fantasma” da Recorrida”; as provas carreadas relevaram que Renata Bezerra, sob a ciência de Jacob Jácome, não comparecia ao local de trabalho e nem desempenhava as atribuições do cargo que ocupava, “sendo beneficiária de uma sinecura instituída à revelia da Constituição Federal e dos princípios administrativos, eis que, durante todo o ano de 2014, cursou Medicina na cidade de Campina Grande, na Paraíba, com preenchimento integral dos horários semanais”; “a Recorrida RENATA BEZERRA MIRANDA foi contemplada ilicitamente, através do então Vereador JACÓ JÁCOME, com um cargo na Câmara Municipal de Natal para locupletar-se pessoalmente, uma vez que não comparecia ao local de trabalho e, portanto, não desempenhava o mister para o qual foi nomeada e percebia a remuneração, causando, indiscutivelmente, seu enriquecimento ilícito e dano ao ente público municipal”. Ao final, pediu o provimento do recurso para julgar procedente a pretensão ministerial, nos moldes da inicial.

Contrarrazões pela manutenção da sentença.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do apelo.

Sobre a prescrição intercorrente, suscitada pelos demandados na petição de ID 18021801, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento com repercussão geral do ARE nº 843.989/PR (Tema 1.199), em 18/08/2022, fixou a seguinte tese:

1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO;

2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;

3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;

4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei".

Conforme o Tema 1.199 do STF, as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, em relação à prescrição, têm como termo inicial a data da publicação da norma (26/10/2021). Assim, não há que falar em prescrição intercorrente no presente caso.

Há decisão desta Corte:

EMENTA: ADMINISTRATIVO, CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DECISÃO QUE REJEITOU A APLICAÇÃO RETROATIVA DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ADEQUAÇÃO. IRRETROATIVIDADE DO NOVO REGIME PRESCRICIONAL PREVISTO NA LEI 14.230/2021. INCIDÊNCIA DAS TESES FIRMADAS PELO STF POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DO ARE Nº 843.989/PR (TEMA Nº 1.199). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJRN, Agravo de instrumento nº 0802680-24.2022.8.20.0000, 1ª Câmara Cível, Relatora: Juíza Convocada Martha Danyelle, julgado em 19/11/2022).

Segundo o Parquet, a demandada Renata Bezerra de Miranda foi contemplada com o cargo público de Assessora Parlamentar, lotada no gabinete do então Vereador, também demandado, Jacob Helder Guedes de Oliveira Jácome, no seio da Câmara Municipal de Natal, no período de 01/01/2013 a 02/01/2015, auferindo remuneração sem que tenha contribuído com a efetiva contraprestação de função pública, uma vez que não comparecia ao local de trabalho, pois residia na cidade de Campina Grande/PB, onde cursava medicina, ambos implicando em atos de improbidade administrativa previstos na Lei nº 8.429/92 (artigos e 11).

Importa destacar, a princípio, que a Lei nº 14.230/2021 passou a exigir comprovação de dolo específico para a condenação de agentes públicos por atos de improbidade, conforme a nova redação do art. 1º da Lei de Improbidade:

Art. 1º (...)

§ 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais.

§ 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.

§ 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa.

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