Acórdão Nº 08407502120178205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 07-04-2020

Data de Julgamento07 Abril 2020
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08407502120178205001
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0840750-21.2017.8.20.5001
Polo ativo
MARIA DO CARMO FILGUEIRA
Advogado(s): HYGOR SERVULO GURGEL DE ANDRADE
Polo passivo
BANCO BRADESCO CARTOES S.A
Advogado(s): ANTONIO BRAZ DA SILVA

EMENTA: CIVIL, CONSUMIDOR E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUANTO À VALIDADE DO ANATOCISMO, MESMO DIANTE DA NÃO APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO HÁBIL NESTE SENTIDO. INACOLHIMENTO. OBRIGAÇÃO DA CASA BANCÁRIA DE COMPROVAR OS TERMOS DO ACORDO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS NEGÓCIOS BANCÁRIOS (SÚMULA DE Nº 297 DO STJ). ADMISSÃO DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS NESSA ESPÉCIE DE PACTO DESDE QUE LIVRE E EXPRESSAMENTE ACORDADA. PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES (RECURSO ESPECIAL Nº 973.827-STJ E RE Nº 592.377-STF). AUSÊNCIA DE PROVA. POSSIBILIDADE DE REVISÃO DE CLÁUSULAS ABUSIVAS. PROIBIÇÃO DO ANATOCISMO NO CASO CONCRETO QUE SE IMPÕE. MATÉRIA DIRIMIDA PELO STJ NO RESP Nº 1388972/SC, JULGADO EM 08/02/2017 (TEMA 953). DECISÃO IMPUGNADA EM CONFORMIDADE COM OS PRECEITOS LEGAIS E JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA.

- A capitalização dos juros deve vir pactuada de forma expressa e clara no instrumento contratual, não podendo, portanto, ser presumida apenas em virtude da natureza contratual;

- A jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial representativo de controvérsia - REsp 973.827/RS, é no sentido de ser possível a cobrança da capitalização mensal dos juros, desde que atendidos os seguintes requisitos: a) existência de previsão contratual expressa da capitalização com periodicidade inferior a um ano; e b) tenha sido o contrato firmado após 31/03/2000, data da primeira edição da Medida Provisória que regulamentou o assunto.

- No presente caso, não consta cópia do instrumento contratual ou de outro documento hábil que comprove a ciência ou anuência da consumidora com relação a legalidade do anatocismo, razão pela qual não se tem como acolher as teses recursais neste aspecto.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta pelo Banco Bradesco S/A em face de sentença proferida pelo Juízo da 15ª Vara Cível da Comarca de Natal-RN que, na Ação de Revisão de Contrato (Processo de nº 0840750-21.2017.8.20.5001) promovida por Maria do Carmo Filgueira contra o recorrente, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, restando o dispositivo consignado nos seguintes termos:

“Isto posto, a pretensão autoral julgo procedente em parte nos seguintes termos: I) o financiamento deverá ser recalculado observada a taxa de juros remuneratórios de 7,098% ao mês, calculada de forma simples, sem capitalização. Transitada em julgado a presente sentença, o contrato deverá ser recalculado, por parte do réu, conforme a estipulação supra, em cuja ocasião deverá ocorrer o ajuste das contas entre as partes, considerando o valor apurado e os pagamentos efetuados pela parte autora judicial e/ou extrajudicialmente. Na hipótese de não cumprimento, pelo réu, da determinação acima mencionada, no prazo automático de trinta (30) dias, após o trânsito em julgado, haverá a automática perda do direito de executar e/ou cobrar a referida quantia. Diante da vedação expressa à compensação em caso de sucumbência recíproca, condeno cada uma das partes ao pagamento de 50% sobre as custas processuais e honorários sucumbenciais, que fixo em 10% do proveito econômico obtido (art. 85, §§ 2º e 14º, NCPC). Considerando que o postulante é beneficiário da justiça gratuita, suspendo a sua exigibilidade pelo prazo de 5(cinco) anos, nos moldes do Artigo 98, § 3º do atual CPC (Id nº 4774709).

Inconformada com o julgado acima, a instituição financeira interpõe Recurso de Apelação (Id nº 4774711) argumentando em síntese que a sentença impugnada se encontra em “desconformidade com o correto”, de modo que a mesma deve ser reformada na íntegra.

Por fim, pugnou pelo prequestionamento dos arts. 186 e 927 do Código Civil, além do art.5º, V e X , da Constituição Federal de 1988.

Devidamente intimada, a recorrida não apresentou contrarrazões, consoante se infere do Id nº 4774716.

Instada a se manifestar, a 7ª Procuradora de Justiça, em substituição legal ao 10º Procurador, declinou o interesse no feito por entender que a matéria discutida na lide prescinde de sua intervenção, consoante Id nº 5251429.

É o relatório.

VOTO


Preenchidos os requisitos legais, conheço da Apelação Cível.

De início, registre-se que ao ser publicada a Súmula nº 297, o STJ pacificou o entendimento acerca da aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações de consumo que envolvam entidades financeiras, in verbis:

"O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Nessa diretriz e diferentemente do alegado pelo Apelante, constata-se ser possível a correção das cláusulas dos contratos bancários, com a consequente declaração de nulidade, se abusivas ou que venham a colocar o consumidor em situação amplamente desfavorável, de acordo com o art. 51, IV, da Lei de nº 8.078/90, ficando, portanto, refutadas as teses recursais de impossibilidade de revisão contratual, sob o argumento de que ambos os litigantes estavam cientes de todos os encargos impingidos no pacto objeto de discussão.

Além do mais, é de convir que a mencionada revisão não implica violação do princípio pacta sunt servanda ou interfere nos regulamento internos implementados pelo Banco Central do Brasil, uma vez que estas cedem à incidência da norma prevista no art. 6º, inciso V, do citado diploma, segundo o qual é plenamente viável "a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.

No que concerne à capitalização de juros, cumpre esclarecer que a matéria já se encontra pacificada tanto no âmbito do Pretório Excelso e do Superior Tribunal de Justiça no sentido de reconhecer a capitalização de juros nas operações de crédito realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, desde que conste, expressamente nos contratos firmados a partir da entrada em vigor da Medida Provisória n.º 2.170-36/2001.

Nesse desiderato, seguem os precedentes do Pretório Excelso e do Superior Tribunal de Justiça:

CONSTITUCIONAL. ART. 5º DA MP 2.170/01. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO. REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA EDIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA. SINDICABILIDADE PELO PODER JUDICIÁRIO. ESCRUTÍNIO ESTRITO. AUSÊNCIA, NO CASO, DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA NEGÁ-LOS. RECURSO PROVIDO. 1. A jurisprudência da Suprema Corte está consolidada no sentido de que, conquanto os pressupostos para a edição de medidas provisórias se exponham ao controle judicial, o escrutínio a ser feito neste particular tem domínio estrito, justificando-se a invalidação da iniciativa presidencial apenas quando atestada a inexistência cabal de relevância e de urgência. 2. Não se pode negar que o tema tratado pelo art. 5º da MP 2.170/01 é relevante, porquanto o tratamento normativo dos juros é matéria extremamente sensível para a estruturação do sistema bancário, e, consequentemente, para assegurar estabilidade à dinâmica da vida econômica do país. 3. Por outro lado, a urgência para a edição do ato também não pode ser rechaçada, ainda mais em se considerando que, para tal, seria indispensável fazer juízo sobre a realidade econômica existente à época, ou seja, há quinze anos passados. 4. Recurso extraordinário provido. (RE 592377, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 04/02/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-055 DIVULG 19-03-2015 PUBLIC 20-03-2015).

CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. CARACTERIZAÇÃO. 1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela Medida Provisória 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem por pressuposto a circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Os juros não pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos juros. 2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de "taxa de juros simples" e "taxa de juros compostos", métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao início do cumprimento do contrato. A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto, o que não é proibido pelo Decreto 22.626/1933. 3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC: - "É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada." - "A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada". 4. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção, a comissão de permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios. 5. É lícita a cobrança dos encargos da mora quando caracterizado o estado de inadimplência, que decorre da falta de demonstração da abusividade das cláusulas contratuais questionadas. 6. Recurso especial...

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