Acórdão Nº 08440005720208205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 16-12-2021

Data de Julgamento16 Dezembro 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08440005720208205001
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0844000-57.2020.8.20.5001
Polo ativo
ODIMAR COSME CORREIA
Advogado(s): THIAGO MARQUES CALAZANS DUARTE
Polo passivo
POLICARD SYSTEMS E SERVICOS S/A
Advogado(s): MARIA EMILIA GONCALVES DE RUEDA

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA EXPRESSA E REVISÃO CONTRATUAL C/C PEDIDO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL PROPOSTA PELO AUTOR. ALEGADA NECESSIDADE DE REFORMA DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÕES SOBRE AS TAXAS ENTABULADAS, NOTADAMENTE QUANTO AOS JUROS MENSAL/ANUAL AJUSTADOS E À PRÁTICA DE ANATOCISMO. TESE VEROSSÍMIL. CONSIGNADO E REFINANCIAMENTOS AJUSTADOS POR TELEFONE. ENCARGOS NÃO MENCIONADOS AO CONTRATANTE. VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO (ART. 6º, INC. III, DO CDC). ABUSIVIDADE CONFIGURADA QUE IMPÕE A RENEGOCIAÇÃO DA DÍVIDA, COM A INCIDÊNCIA DE JUROS SIMPLES BASEADOS NA TAXA MÉDIA DE MERCADO, EM OBSERVÂNCIA AO ENUNCIADO DA SÚMULA 530 DO STJ, SALVO SE O ENCARGO PACTUADO FOR INFERIOR AO REFERIDO PARÂMETRO. POSSIBILIDADE, TAMBÉM, DE RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO A MAIOR, NA FORMA DOBRADA, DIANTE DA NÃO COMPROVAÇÃO DE ENGANO JUSTIFICÁVEL. PRECEDENTES. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, COM A INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, em votação com o quorum ampliado, conforme o art. 942 do CPC, por maioria de votos, conheceu e proveu parcialmente a apelação, nos termos do voto da Relatora, vencidos o Des. Ibanez Monteiro e o Juiz Eduardo Pinheiro (convocado).

RELATÓRIO

O MM. Juiz da 14ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN, ao decidir a Ação Declaratória de Inexistência de Cláusula Expressa e Revisão Contratual c/c pedido de Exibição de Documentos nº 0844000-57.2020.8.20.5001, julgou improcedente a pretensão formulada por Odimar Cosme Correia contra a Policard Systems e Serviços S/A.

Por conseguinte, condenou o autor em custas e honorários advocatícios, estes últimos arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, ficando a exigência suspensa, entretanto, por ser beneficiário da justiça gratuita (Id 10791721, págs. 01/06).

Inconformado, o vencido protocolou apelação cível com base nos seguintes argumentos (Id 10791723, págs. 01/13):

a) não há nenhum documento que comprove ter sido informado sobre a taxa de juros praticada pelo cedente do crédito das operações discutidas, o que também não restou informado nos áudios acostados;

b) não tendo a demandada autorização para exercer atividade de instituições bancárias ou financeiras, os juros devem ser limitados ao patamar de 12% ao ano, a teor da regra dos artigos 1º da Lei da Usura e 1.062 do Código Civil de 1916 e caso não seja esse o entendimento, que eles sejam fixados com base na taxa média de mercado;

c) a apelada deve ser obrigada a restituir os valores pagos a maior de forma dobrada, ante a evidente má-fé.

Ao final, requereu o conhecimento e provimento do recurso, reformando-se a sentença para declarar a nulidade da capitalização mensal de juros, com o recálculo à razão de 1% (um por cento) ao mês e 12% (doze por cento) ao ano em todos os contratos de empréstimo existentes entre as partes, impondo ainda à parte adversa a obrigação de restituir em dobro a quantia excedente que foi adimplida, devidamente atualizada, bem assim de arcar com as custas e honorários.

Subsidiariamente, pugnou pela aplicação de juros remuneratórios com base na taxa média de mercado.

Sem recolhimento do preparo por ser beneficiário da justiça gratuita.

Em contrarrazões, a Policard Systems e Serviços S/A alegou (Id 10791727, págs. 01/11):

(i) é administradora de cartão de crédito, logo, ao contrário do que o recorrente alega, não está sujeita à limitação de juros no patamar de 12% ao ano, imposta pela Lei de Usura;

(ii) a taxa de juros aplicada é inferior ao máximo permitido pela Secretaria para operações desta natureza, conforme prevê o art. 1º da Resolução CIOP;

(iii) a repetição de indébito só pode ser reconhecida se comprovada a má fé da prestadora/fornecedora de serviços, situação não observada no caso concreto;

(iv) ambas as partes decaíram em seus pedidos, sendo necessária, portanto, que o ônus sucumbencial seja igualmente distribuído.

Ao final, pediu o conhecimento e desprovimento do recurso.

A Dra. Carla Campos Amico, 6ª Procuradora de Justiça, declinou da intervenção ministerial (Id 10996899, págs. 01/02).

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Odimar Cosme Correia ajuizou Ação Declaratória de Inexistência de Cláusula Expressa e Revisão Contratual c/c Pedido de Exibição de Documentos em face da Policard Systems e Serviços S/A, alegando ter celebrado contrato de empréstimo consignado em novembro de 2009.

Sustentou que, na ocasião, foi informado sobre o crédito disponível, a quantidade e o valor das parcelas a serem pagas, restando omissas informações indispensáveis como, por exemplo, as taxas de juros mensal e anual e a prática de anatocismo.

Afirmou ainda que a apelada o contatou novamente em outras oportunidades, sempre por telefone, e ofertou novas quantias mediante a renegociação do saldo devedor do contrato anterior, alterando o valor e a quantidade das prestações, mais uma vez, sem lhe informar os encargos, então, de boa-fé, autorizou o desconto das prestações em folha de pagamento, que chegaram a 126 (cento e vinte e seis) parcelas, no total de R$ 24.620,22 (vinte e quatro mil, seiscentos e vinte reais e vinte e dois centavos).

A ré, por sua vez, mencionou ser impossível a revisão contratual, haja vista que a taxa de juros aplicada é inferior ao máximo permitido pela Secretaria para operações desta natureza, conforme prevê o art. 1º da Resolução CIOP.

Pois bem. Primeiro, bom destacar que a Legislação Consumerista aplica-se às relações de consumo envolvendo instituições financeiras, conforme enunciado da Súmula 297 do STJ, bem assim em entendimento firmado pela Suprema Corte, no julgamento da ADI nº 2.591/DF, sendo, pois, plenamente possível a revisão judicial de cláusulas contratuais consideradas abusivas, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade e que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou estabeleçam prestações desproporcionais (art. 6º, V e art. 51, IV, do CDC).

Além disso, a Súmula 283 do STJ estabelece que as operadoras de cartão de crédito (realidade da apelada) são, sim, autorizadas a explorar operações dessa natureza e, inclusive, podem praticar juros capitalizados com periodicidade inferior à anual, com fundamento legal na MP nº 2.170-36/2001, logo, não sofrem as limitações da Lei de Usura.

Feitos esses registros, vejo que a discussão de mérito se resume à possibilidade de reexame do contrato entabulado entre os litigantes por suposta abusividade na avença decorrente do fato de a ré não ter prestado informações necessárias e indispensáveis à sua formalização, especialmente em relação aos encargos (juros mensal e anual) cobrados e à prática de anatocismo.

Ora, na realidade dos autos, a Policard Systems e Serviços S/A assevera não haver mácula no financiamento/refinanciamento firmado entre os envolvidos, até porque seguiu o art. 16, § 1º, do Decreto Estadual nº 21.860/2010 e aplicou taxa de juros inferior ao máximo permitido na referida norma, assim redigida:

Art. 16. omissis.

§ 1º As consignações em folha de pagamento, decorrentes de empréstimo ou financiamento perante instituição financeira, cooperativa de crédito, entidade aberta de previdência complementar e seguradora do ramo vida, somente é autorizada quando a taxa de juros praticada for igual ou inferior:

I - ao teto autorizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS nas operações de empréstimos ou financiamentos consignados nos benefícios previdenciários dos aposentados e pensionistas;

II - a 4,15% (quatro inteiros e quinze centésimos por cento) ao mês, acrescida da taxa do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC ao mês, para cartão de crédito consignado.

Ocorre, todavia, que ainda que praticados encargos nos termos acima, é fato que o art. 6º, inc. III, do Código de Defesa do Consumidor estabelece que deve ser prestada ao contratante informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificações correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.

Logo, a carência de quaisquer desses dados compromete, sim, a legalidade da relação jurídica, eis acarretar uma vantagem indevida por parte da instituição financeira, sobre a fragilidade/ignorância do consumidor que, muitas vezes, não possui conhecimentos específicos quanto aos encargos incidentes sobre a operação ajustada, o que configura prática abusiva, nos termos do art. 39, inciso IV[1], do CDC.

Nesse contexto, ao examinar as provas produzidas e, especificamente, os elementos essenciais (valor e forma de aplicação dos juros) dos contratos questionados na inicial, evidencio não restar provado o dever de informação pela ré sobre as taxas remuneratórias (mensal e anual) assumidas por Odimar Cosme Correia e, por óbvio, sobre a prática de capitalização de juros.

Isso porque os documentos apresentados pela demandada foram:

a) planilha com os valores financiado e refinanciado dos consignados e suas respectivas parcelas (Id 10791702, págs. 01/02);

b) sucessivos créditos em conta corrente de titularidade do apelante referente ao financiamento inicial e refinanciamentos, nos seguintes valores:

- R$ 515,00 (quinhentos e quinze reais), em 17.06.13 (Id 10791700, pág. 01);

- R$ 670,00 (seiscentos e setenta reais), em 24.14.14 (Id 10791700, pág. 02);

- R$ 400,00 (quatrocentos reais), em 11.09.15 (10791700, pág. 03);

- R$ 415,00 (quatrocentos e quinze reais),...

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