Acórdão Nº 08443984320168205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 05-09-2021

Data de Julgamento05 Setembro 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08443984320168205001
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0844398-43.2016.8.20.5001
Polo ativo
ANGELA MARIA LOPES
Advogado(s): LUCIANO NOBRE DE HOLANDA MAFALDO
Polo passivo
MUNICIPIO DE NATAL e outros
Advogado(s): NILO SERGIO AMARO FILHO

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. SECRETARIA MUNICIPAL DE TRABALHO E ASSISTÊNCIA SOCIAL (SEMTAS) DA PREFEITURA DE NATAL/RN. CANDIDATA/AUTORA PORTADORA DE CERATOCONE. INAPTIDÃO EM EXAME MÉDICO. DISPUTA DE VAGA DESTINADA A PESSOA COM DEFICIÊNCIA VISUAL. REVISÃO JUDICIAL DE ATO ADMINISTRATIVO. ÔNUS DA PROVA REGIDO PELO DISPOSTO NO ART. 373, I, CPC. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO ENQUADRAMENTO NAS HIPÓTESES DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL À ÉPOCA DO CERTAME. INTELIGÊNCIA DO ART. 4º, III, DO DECRETO Nº 3.298/1999. PRECEDENTES. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO APELO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos, em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade votos, em consonância com o parecer da 7ª Procuradoria de Justiça, em conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator, que integra o Julgado.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por ÂNGELA MARIA LOPES, por seu advogado, em face de sentença proferida pelo Juízo de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN que, nos autos da Ação Ordinária registrada sob o nº 0844398-43.2016.8.20.5001, julgou improcedente o pedido formulado na inicial, “considerando a ausência de comprovação de existência de deficiência visual no âmbito do Concurso Público para o cargo de Assistente Social do Município de Natal/RN descrito à inicial.” (ID 7336702).

Em suas razões recursais (ID 7536709), a parte apelante defendeu, em síntese, que (a) é ‘portadora de deficiência visual que a coloca em situação de desvantagem social, razão que ensejou a reserva constitucional de vagas a estes cidadãos’; (b) ‘as provas dos autos coadunam integralmente no sentido da narrativa fática da apelante’ e (c) ‘a equipe profissional não demonstrou como ou por que não está caracterizada a deficiência nos termos da lei’.

Ao final, pleiteou o conhecimento e provimento do recurso, para reformar a sentença de primeiro grau, julgando-se procedente o pedido inaugural.

A parte apelada, embora devidamente intimada, deixou de apresentar contrarrazões, conforme consta na certidão de ID 7536712.”

Por meio de parecer, a 7ª Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo.

É o relatório.

VOTO


Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cuida a espécie de Apelação Cível interposta por ÂNGELA MARIA LOPES, em face de sentença proferida pelo Juízo de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN que, nos autos da Ação Ordinária registrada sob o nº 0844398-43.2016.8.20.5001, julgou improcedente o pedido formulado na inicial, considerando a ausência de comprovação de existência de deficiência visual no âmbito do Concurso Público para o cargo de Assistente Social do Município de Natal/RN descrito à inicial.”

Nas razões do recurso interposto, a apelante sustenta, em síntese, que é ‘portadora de deficiência visual que a coloca em situação de desvantagem social, razão que ensejou a reserva constitucional de vagas a estes cidadãos’; (b) ‘as provas dos autos coadunam integralmente no sentido da narrativa fática da apelante’ e (c) ‘a equipe profissional não demonstrou como ou por que não está caracterizada a deficiência nos termos da lei’.

Pugnou, por fim, pelo conhecimento e provimento do recurso, para reformar a sentença de primeiro grau, julgando-se procedente o pedido inaugural.

Dessa maneira, tem-se que o mérito recursal cinge-se à análise do direito de a apelante concorrer na condição de pessoa com deficiência, a fim de concretizar a proteção constitucional e legalao direito à acessibilidade e à igualdade material no âmbito do concurso público.

Examinado o caderno processual, observo que a autora ajuizou a demanda ora sub examine com o fito de lhe ser reconhecido o direito de “ocupar o cargo de Assistente Social, nos termos do Edital nº 001/2016 – SEMAD/SEMTAS, de 11 de janeiro de 2016, na condição de pessoa Portadora de Deficiência”.

Fundamentou sua pretensão no fato de ser portadora de patologia classificada no CID10 H18 e na suposta ilegalidade do ato do INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, CULTURAL E ASSISTENCIAL NACIONAL – IDECAN de considera-la como pessoa sem deficiência.

Pois bem. Dispõe o art. 37, inc. VIII, da Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:.

(...)

VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;

Ao seu turno, o Decreto Federal nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, e dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, em seu art. 4º, inciso III, define como:

deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores;

No mesmo sentido, o art. 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), considera pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, cuja condição será avaliada mediante o critério biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar2 e considerará: I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III - a limitação no desempenho de atividades; e IV - a restrição de participação, a teor do que estabelece o § 1º do art. 2º. Por fim, a Lei nº 10.690/2003, considera pessoa com deficiência visual aquela que apresenta acuidade visual igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20°, ou ocorrência simultânea de ambas as situações.

Nesse prumo, é certo que, “(...) para efeitos legais, é considerado como deficiente visual aquele que possui acuidade visual (i) igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; (ii) acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; (iii) quando a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; e/ou (iv) quando ocorrer, de forma simultânea, quaisquer das condições anteriores. (...)”. (Id. 7536701)

Vê-se, então, que a reserva de vagas em concursos públicos para portadores de deficiência constitui garantia de ordem constitucional, dispondo a lei que disciplina a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de deficiência quanto aos critérios para a concorrência nessa condição.

O Laudo apresentado nos autos (ID 7536414), à época, afirma que a parte promovente:

apresenta baixa visual em ambos os olhos devido ceratocone em ambos os olhos. Apresenta acuidade visual corrigida com óculos de:

Olho direito – 20/100

Olho esquerdo – 20/100

Com uso de lentes de contato rígidas apresenta acuidade visual de:

Olho direito – 20/30

Olho esquerdo – 20/30

Sugiro ao realizar provas de concurso que a mesma tenha letras ampliadas para maior facilidade de leitura [...]”

Conforme alinhado no decisum, tem-se que, já na perícia judicial, o expert consignou que o quadro clínico se modificou com o tempo do diagnóstico, evoluindo para um leucoma na ponta do ceratocone e diminuição da acuidade visual, além de intolerância ao uso de lentes de contato”, concluindo que a autora, atualmente, é pessoa com deficiência visual.

Instado a se manifestar sobre o laudo médico, realizado em 15 de janeiro de 2016, apresentado pela candidata, ora autora, à equipe multidisciplinar, o perito afirmou que não é possível concluir que a pericianda, à época, possuía deficiência visual, porquanto o médico assistente, naquela época, colocou a acuidade visual sem a correção de 20/100 e a acuidade visual corrigida, com lentes de contato rígidas de 20/30, mas sugere que será melhor realizar prova com letras ampliadas. Hoje a paciente tem visão corrigida com óculos de 20/100 e não consegue adaptação com lentes de contato” .

Assim, em atenção à conclusão do laudo pericial e ao que foi apresentado à Equipe Multiprofissional no âmbito do Concurso Público para o Cargo de Assistente Social do Município do Natal/RN, em 14 de maio de 2016 – Id. 7536635, constata-se que a parte promovente ainda não era considerada pessoa com deficiência visual, porquanto tinha acuidade visual, com lentes de contato, de 20/30, nos termos do art. 4º, inciso III, do Decreto Federal nº 3.298/1999.

Dessa maneira, induvidoso que não restou atendido, pela autora, o que exige o art. 373, I, CPC, na medida que não se desincumbiu do ônus probatório sobre fato constitutivo do direito alegado, deixando de trazer aos autos elementos probatórios capazes de infirmar o teor do laudo médico pericial produzido em 14.05.2016 – Id. 7536635, ora mencionado.

Com efeito, o magistrado, em seu julgamento,...

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