Acórdão Nº 08448574020198205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 1ª Turma Recursal, 08-09-2021

Data de Julgamento08 Setembro 2021
Classe processualRECURSO INOMINADO CíVEL
Número do processo08448574020198205001
Órgão1ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0844857-40.2019.8.20.5001
Polo ativo
LUIZ CARLOS CALISTRATO
Advogado(s): GERALDO JOSE DE CARVALHO JUNIOR
Polo passivo
ESTADO DO RN
Advogado(s):



PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Gabinete do Juiz Mádson Ottoni de Almeida Rodrigues


RECURSO CÍVEL VIRTUAL nº 0844857-40.2019.8.20.5001
PARTE RECORRENTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
ADVOGADO(A): LUCAS CHRISTOVAM DE OLIVEIRA
PARTE RECORRIDA: LUIZ CARLOS CALISTRATO
ADVOGADO(A): GERALDO JOSE DE CARVALHO JUNIOR
JUIZ RELATOR: MÁDSON OTTONI DE ALMEIDA RODRIGUES



EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. SERVIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. RECEBIMENTO DE GRATIFICAÇÃO DE CARÁTER TRANSITÓRIO, CONCEDIDA COM BASE NO ARTIGO 22 DA RESOLUÇÃO Nº 051/2012. ATO QUE SUSTOU O PAGAMENTO DA GRATIFICAÇÃO SEM PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE DE SE ASSEGURAR AO SERVIDOR O EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA, NA FORMA DO ART. 5º, INCISO LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.

O Superior Tribunal de Justiça perfilha o entendimento de que a Administração Pública, com supedâneo no poder de autotutela, está autorizada a rever os seus atos, quando detectada a ilegalidade ou a inoportunidade/inconveniência destes. Contudo, quando os referidos atos implicam invasão na esfera jurídica dos interesses individuais de quem quer que seja, é obrigatória a instauração de prévio processo administrativo, no qual sejam observados os corolários da ampla defesa e do contraditório (STJ, AgRg no REsp 1.432.069/SE, 2ª T., rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 27.3.2014; e STJ, AgRg no REsp 1.306.697/MG, 1ª T., rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 13.9.2016).

Na espécie, percebe-se que o Estado procedeu à supressão do pagamento da GDAE sem procedimento administrativo preliminar, afrontando princípios constitucionais em relação aos quais a Administração Pública deve sempre prestar subserviência.

Nesse caso, mesmo que se concorde com a afirmação feita na contestação pelo ente demandado de que a gratificação pleiteada tinha natureza transitória, e, consequentemente, poderia ser revogada a qualquer tempo, e mesmo que se concordasse, o que não seria absurdo, que, para a hipótese de uma gratificação transitória, em número limitado, não seria necessária a prévia instauração de procedimento administrativo, em nenhuma hipótese caberia a supressão sem a formalização ao menos de um ato administrativo que mandasse parar de pagar a gratificação. E, veja-se, o ente demandado não informou, em sua contestação, a existência de nenhum ato administrativo, como uma portaria ou uma resolução, quiçá, revogando a gratificação que era percebida pelo autor, o que serve para reforçar o entendimento de que o autor faz jus ao pagamento pleiteado.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do recurso inominado acima identificado, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, mantendo a sentença recorrida por seus próprios fundamentos.

O recorrente é isento do pagamento das custas processuais, mas pagará honorários advocatícios de sucumbência, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, sopesados os critérios previstos no art. 85, § 2º do CPC.

Esta súmula servirá de Acordão nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95.

Natal/RN, data conforme o registro do sistema.


MÁDSON OTTONI DE ALMEIDA RODRIGUES

Juiz Relator

RELATÓRIO

Trata-se de Recurso Inominado interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE em face de LUIZ CARLOS CALISTRATO, ambas as partes qualificadas.

Segue sentença cujo relatório se adota, verbis (ID nº 7275620):

Tratando-se de questão unicamente de direito, não sendo necessária a produção de provas em audiência, passa-se ao julgamento antecipado da lide, na forma do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil.

LUIZ CARLOS CALISTRATO ajuizou ação de cobrança em desfavor do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, alegando que é servidor público efetivo da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, desde 26 de março de 1982, e que, em novembro de 2012, começou a receber a Gratificação pelo Desempenho de Atividade Especial – GDAE, com base no art. 22, § 2º, da Resolução nº 51/2012. No entanto, em janeiro de 2017, a Administração Pública teria suprimido o pagamento da referida gratificação, sem que tenha instaurado procedimento administrativo, a fim de respeitar o devido processo legal, ou seja, o contraditório e a ampla defesa. Pleiteou, então, o pagamento dos valores suprimidos, de janeiro de 2017 até a vigência da Lei Estadual nº 10.289/17, que extinguiu a referida gratificação para todos os servidores, isto é, até 15 de janeiro de 2018.

O réu, citado, apresentou contestação, alegando que a supressão da referida vantagem era possível a qualquer tempo, por se tratar de vantagem de natureza transitória, sujeita, portanto, à discricionariedade da Administração, prescindindo do contraditório e ampla defesa em favor do servidor. Ainda, argumentou pela inconstitucionalidade da Resolução nº 051/2012, de maneira que o ato concessivo da sua gratificação seria nulo, assim como desnecessário seria estabelecer o contraditório, tendo em vista o poder de autotutela administrativa. Por fim, alegou a ausência de prova do direito do autor, pois este não juntou nenhum período do seu histórico funcional.

Seguem motivação e decisão.

O autor pleiteou a restituição de valores relacionados à GDAE quando na verdade o que pretende é o pagamento dos valores da gratificação não percebidos entre janeiro de 2017 e 14 de janeiro de 2018, o que não impede, por óbvio, que o seu pleito seja apreciado.

A Resolução n.º 051/2012 (que tratava do quadro de pessoal, o plano de carreira, os cargos, as classes de cargos e as atribuições dos servidores da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte) permitia o recebimento da GDAE pelo autor, porque estendeu a mencionada vantagem aos servidores lotados na Consultoria Legislativa, ocupantes de cargos dos Grupos de Atividades de Assessoria Institucional, código ASI, de Nível Superior, código ALE ou de Nível Médio, código TEL (art. 22, §2º).

Conforme se verifica nas fichas financeiras anexadas aos autos, o Sr. LUIZ CARLOS CALISTRATO percebeu a GDAE entre os anos de 2012 e 2016 (id. n.º 49304933, p. 2-6).

Não é possível aceitar, desse modo, o alegação de ausência de provas, pois a ficha financeira juntada no id 49304933, dos anos de 2012 a 2017, faz prova da gratificação percebida e, posteriormente, suprimida. Observa-se que a referida gratificação consta na ficha financeira do servidor como “GDAE RES 51 ART 22/2012”.

No entanto, a partir de janeiro de 2017, a citada vantagem funcional deixou de compor a remuneração do demandante (id. n.º 49304933, p. 1). De acordo com o autor, “Desse modo, surpreendendo o servidor, pegando-o desprevenido, uma vez que a supressão não foi precedida de nenhum ato formal, nem lei, nem resolução, enfim, nenhum ato administrativo motivado ou norma jurídica que cientificasse previamente ao requerente” (trecho extraído do item I da exordial).

Consoante já decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegalmente praticados (Súmula n.º 473), porém, se de tais atos já decorreram efeitos concretos, seu desfazimento deve ser precedido de regular processo administrativo 1 . Logo, sempre que a Administração, no exercício do seu poder de autotutela, pretenda anular ou revogar atos que repercutam na esfera de interesses individuais do particular (aqui incluídos os servidores públicos), deve ela assegurar o exercício do contraditório e da ampla defesa, a partir da instauração de procedimento administrativo, na forma do art. 5º, inc. LV, da Constituição da República.

Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça também perfilha o entendimento de que a Administração Pública, com supedâneo no poder de autotutela, está autorizada a rever os seus atos, quando detectada a ilegalidade ou a inoportunidade/inconveniência destes. Contudo, quando os referidos atos implicam invasão na esfera jurídica dos interesses individuais de quem quer que seja, é obrigatória a instauração de prévio processo administrativo, no qual sejam observados os corolários da ampla defesa e do contraditório 2 .

Nesse pórtico, diversos Tribunais de Justiça entenderam, em situações similares ao caso em apreço, que a supressão de gratificação de servidor público sem o devido processo administrativo prévio consiste em expediente ilegal por parte do Estado 3 .

Analisando os autos, percebe-se que o Estado procedeu à supressão do pagamento da GDAE sem procedimento administrativo preliminar, afrontando princípios constitucionais em relação aos quais a Administração Pública deve sempre prestar subserviência.

Neste caso, mesmo que se concorde com a afirmação feita na contestação pelo ente demandado de que a gratificação pleiteada tinha natureza transitória, e, consequentemente, poderia ser revogada a qualquer tempo, e mesmo que se concordasse, o que não seria absurdo, que, para a hipótese de uma gratificação transitória, em número limitado, não seria necessária a prévia instauração de procedimento administrativo, em nenhuma hipótese caberia a supressão sem a formalização ao menos de um ato administrativo que mandasse parar de pagar a gratificação. E, veja-se, o ente demandado não informou, em sua contestação, a existência de nenhum ato administrativo, como uma portaria ou uma resolução, quiçá, revogando a gratificação que era percebida pelo autor, o que serve para reforçar o entendimento de que o autor faz jus ao pagamento pleiteado.

Ante o exposto, julgo procedente a...

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