Acórdão Nº 08458499820198205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 16-11-2023

Data de Julgamento16 Novembro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08458499820198205001
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0845849-98.2019.8.20.5001
Polo ativo
MARCELO PESSOA DA CUNHA LIMA JUNIOR
Advogado(s): HAGAEMERSON MAGNO SILVA COSTA
Polo passivo
MUNICIPIO DE NATAL
Advogado(s):

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0845849-98.2019.8.20.5001

APELANTE: MARCELO PESSOA DA CUNHA LIMA JUNIOR

ADVOGADO: HAGAEMERSON MAGNO SILVA COSTA (OAB/RN 13.283)

APELADO: MUNICÍPIO DE NATAL

Relatora: Desembargadora Maria de Lourdes Azevêdo

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CONSTRIÇÃO DE BEM MÓVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO. PRETENSÃO DE LEVANTAMENTO DA RESTRIÇÃO. POSSIBILIDADE. AQUISIÇÃO POR TERCEIRO ANTES DO REGISTRO DA PENHORA. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.267 DO CC. PROPRIEDADE QUE SE OPERA POR TRADIÇÃO. AUSÊNCIA DE REGISTRO NO DETRAN. IRRELEVÂNCIA. MERA FORMALIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ DA ADQUIRENTE. PENHORA INEFICAZ. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora.

RELATÓRIO

Apelação Cível interposta por MARCELO PESSOA DA CUNHA LIMA JUNIOR em face de sentença proferida pelo Juiz da 6ª Vara de Execução Fiscal e Tributária de Natal/RN que, nos autos dos Embargos de Terceiros, autuado sob o n° 0845849-98.2019.8.20.5001, julgou improcedentes os pedidos constantes na inicial.

Em suas razões recursais, sustenta: a) necessidade de reconhecimento da sua boa-fé e a regularidade na aquisição do veículo 220220-I/GM TRACKER 2.0 de placa MOM6247, que teve a penhora determinada na execução fiscal nº 0806651-63.2012.8.20.0001; e, b) a aquisição do veículo junto ao Sr. Cristiano Maia de Macedo – executado na execução fiscal nº 0806651-63.2012.8.20.0001 -, ocorreu em 18/06/2015, ao passo que o registro da penhora do veículo pelo sistema RENAJUD ocorreu apenas em 23/03/2018. Ou seja, no momento da compra do automóvel pelo apelante inexistia qualquer restrição nos cadastros competentes.

Requer, ao final, o provimento do recurso para: a) reconhecer o direito do apelante para determinar o levantamento da penhora realizada sobre o bem de propriedade deste recorrente, qual seja, veículo 220220-I/GM TRACKER 2.0 de placa MOM6247, oficiando-se o órgão competente; e, b) condenar a parte apelada no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, à base de 20% (vinte por cento) do valor atualizado da condenação.

O Apelado apresentou contrarrazões defendendo o acerto da sentença recorrida (Id 18725583).

O Ministério Público, através da Procuradoria de Justiça, declina da sua intervenção no feito.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço o apelo.

Cinge-se o mérito recursal em analisar o acerto da sentença proferida pelo Juiz a quo que rejeitou os embargos de terceiros que objetivava a retirada do gravame e da penhora impostos ao veículo 220220-I/GM TRACKER 2.0 de placa MOM6247.

Inicialmente, convém esclarecer que o artigo 1.226[1] do Código Civil estabelece que os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição.

Por sua vez, o artigo 1.267, parágrafo único, do Código Civil dispõe que “subentende-se a tradição quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório; quando cede ao adquirente o direito à restituição da coisa, que se encontra em poder de terceiro; ou quando o adquirente já está na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico”.(grifei)

No caso em análise, o embargante, ora apelante, apresentou provas quanto à aquisição (tradição) do veículo através da compra e venda com cláusula de alienação fiduciária em 18.06.2015 (ID 18725509), data em que não constava qualquer impedimento legal no cadastro do automóvel junto ao DETRAN, já que a penhora, conforme, inclusive, afirmado na sentença recorrida, ocorreu em 23/03/2018.

Ora, considerando que não existe qualquer referência a possível má-fé do recorrente, assim como que a transferência da propriedade de bem móvel se dá através da tradição, o veículo em comento deixou de pertencer a Cristiano Maia de Macedo Costa (executado), de modo que a penhora não pode recair sobre o bem pertencente a terceiro como ocorreu no caso dos autos.

Outrossim, ao contrário do que alega o recorrido, a transferência do veículo junto ao órgão de trânsito - DETRAN/RN – constitui medida administrativa para regularidade cadastral do bem móvel, que não afasta a regra civil da tradição como forma de sua transferência de propriedade.

Nesse sentido:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO. PRETENSÃO DE RETIRADA DE IMPEDIMENTO JUDICIAL DE VEÍCULO. COMPRA DO BEM MÓVEL QUE SE CONVALIDA COM A SUA TRADIÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.267, DO CC. AQUISIÇÃO DO AUTOMÓVEL ANTES DA ANOTAÇÃO DO IMPEDIMENTO. REGISTRO DE PROPRIEDADE NO DETRAN QUE CONSTITUI MERA FORMALIDADE ADMINISTRATIVA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJRN, APELAÇÃO CÍVEL, 0851814-57.2019.8.20.5001, Des. Dilermando Mota, Primeira Câmara Cível, JULGADO em 28/04/2023, PUBLICADO em 02/05/2023)

EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. LIBERAÇÃO DO BEM LEVADO À PENHORA. APELAÇÃO CÍVEL. ALEGADA FRAUDE À EXECUÇÃO. INOCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE PROVA DA ANTERIORIDADE DA AQUISIÇÃO DO BEM. PERFECTIBILIZAÇÃO DO ATO JURÍDICO ANTES DA PENHORA. EXECUÇÃO FISCAL JÁ EXTINTA EM VIRTUDE DO ÓBITO DA PARTE EXECUTADA. AUSÊNCIA DE MOTIVO PARA A CONSTRIÇÃO DO BEM. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA.1. Consta dos autos, o documento de transferência do veículo ocorrida em 20/07/2017 e o mandado de penhora expedido em 30/10/2017, dando conta da anterioridade da aquisição por terceiro de boa-fé, o que, por si só, é suficiente para demonstrar o direito vindicado pela embargante/apelada.2. Desse modo, considerando a inexistência de controvérsia acerca da aquisição do bem pela parte recorrida antes da penhora realizada no bojo da execução fiscal e, por sua vez, a não configuração de fraude à execução, não se faz necessário operar qualquer reforma na sentença.3. Ademais, é salutar destacar que a própria execução fiscal já foi extinta em virtude do óbito da parte executada, não persistindo motivo para a constrição do bem em discussão.4. Apelação conhecida e desprovida. (APELAÇÃO CÍVEL, 0826450-20.2018.8.20.5001, Des. Virgílio Macêdo, Segunda Câmara Cível, JULGADO em 14/05/2021, PUBLICADO em 17/05/2021)

EMBARGOS DE TERCEIRO. VEÍCULO. ALIENAÇÃO ANTERIOR À PENHORA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. REGISTRO NO DETRAN. DESNECESSIDADE. 1. Se a alienação do veículo ocorreu antes da penhora realizada na execução fiscal, deve ser desconstituída a constrição. 2. Não há necessidade de registro junto ao DETRAN para a aquisição de propriedade do veículo. (TRF-4 - AC: 50048630320224047110, Relator: ROGERIO FAVRETO, Data de Julgamento: 04/10/2022, TERCEIRA TURMA)

Assim, tem-se que a medida restritiva deve considerar o efetivo proprietário e possuidor do veículo que não, necessariamente, é aquele que consta no certificado de registro e licenciamento expedido pelo Departamento de Trânsito, tendo em mira que se consubstancia em mera formalidade administrativa.

Assim sendo, merece reforma a decisão atacada.

Por fim, como a parte apelante embargada insistiu na manutenção da constrição, deve arcar com os encargos de sucumbência, inclusive a verba honorária, por aplicação do princípio da causalidade conforme tese firmada por ocasião do Tema 872 - REsp 1452840/SP (sistemática dos recursos repetitivos), o que afasta a incidência da Súmula 303 /STJ ao caso dos autos.

Ante o exposto, dou provimento ao presente recurso para reformar a sentença e julgar o pedido exordial procedente de modo a declarar ineficaz a penhora lançada sobre o veículo especificado na exordial, determinando sua baixa imediata.

Por consequência, inverto o ônus sucumbencial e condeno a parte embargada, ora apelada, a solver as custas, despesas processuais e honorários sucumbenciais, já incluídos os recursais, no importe de 12% (doze por cento) sobre o valor da causa.

É como voto.

Natal, 19 de outubro de 2023.

Desembargadora Maria de Lourdes Azevêdo

Relatora



[1] Art. 1.226. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição

Natal/RN, 13 de Novembro de 2023.

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