Acórdão Nº 08503139720218205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 17-10-2022

Data de Julgamento17 Outubro 2022
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08503139720218205001
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0850313-97.2021.8.20.5001
Polo ativo
LUZIA CRISTINA MEDEIROS DE SOUTO
Advogado(s): FRANCISCO ALYSSON AQUINO DE ANDRADE, ANA CATARINA VIEIRA DE MENEZES, RICARDO ANDRE FONSECA DE MELO
Polo passivo
BANCO SANTANDER
Advogado(s): HERICK PAVIN

EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. LEGITIMIDADE DO BANCO PARA COMPOR O POLO PASSIVO DA LIDE. DEMANDA QUE DISCUTE RELAÇÃO CONTRATUAL VÁLIDA EXISTENTE ENTRE AS PARTES. PARTE AUTORA VÍTIMA DE FRAUDE. BOLETO BANCÁRIO EMITIDO POR TERCEIRO FALSÁRIO. BOLETO BANCÁRIO ENVIADO POR TERCEIRO ATRAVÉS DE APLICATIVO DE TROCA DE MENSAGENS. PARTE AUTORA QUE NÃO UTILIZOU OS MEIOS DE CONTATOS OFICIAIS DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE FORTUITO INTERNO. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE AS CONDUTAS DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E OS DANOS RELATADOS PELA PARTE AUTORA. FRAUDE REALIZADA SEM A PARTICIPAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. REFORMA DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a Segunda Turma da Primeira Câmara Cível, à unanimidade de votos, em conhecer e julgar provido o recurso, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO


Trata-se de apelação cível interposta pelo Banco Santander S/A e outro em face da sentença proferida pelo juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN, em ID 14827337, que julga parcialmente procedente a pretensão inicial para:

a) DECLARAR quitado o contrato de nº 2002992425;

b) CONDENAR o banco ao pagamento de indenização por dano material, no valor de R$ 13.666,67 (treze mil, seiscentos e sessenta e seis reais e sessenta e sete centavos), com correção monetária pelo INPC a partir do evento danoso (data do pagamento do boleto fraudado) e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, na forma simples, a contar da citação da parte ré (art. 405 do CC);

c) CONDENAR o banco ao pagamento de indenização por dano moral, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser atualizado pelo INPC, desde a publicação desta sentença (súmula 362 do STJ), e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, na forma simples, desde a citação da ré (art. 405 do CC/02).

No mesmo dispositivo, condena a parte requerida nas despesas processuais e honorários advocatícios, fixando estes em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

Em suas razões recursais de ID 14827340, as recorrentes alegam, preliminarmente, a retificação do polo passivo da demanda, uma vez que o contrato de financiamento sob análise é de responsabilidade exclusiva da Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S/A.

Defendem a ilegitimidade passiva do Banco Santander Financiamento, “visto que os prejuízos suportados pela parte Apelada se deram por culpa exclusiva de terceiros, no caso, possíveis criminosos cibernéticos devidamente identificados pela Instituição Financeira.”

Afirmam que “a Instituição Financeira ser ilegítima para figurar no polo passivo, não sendo, também, a responsável pelos prejuízos provocados, vez que os valores pagos mediante o boleto montado foram destinados a conta externa a Instituição Financeira, tendo como beneficiário PAGSEGURO INTERNET S.A, conforme bem exposto em sede de contestação.”

No mérito, defendem que inexiste responsabilidade da instituição bancária, sendo culpa exclusiva do consumidor os danos narrados na exordial.

Discorrem “que, no caso em exame, a mesma não se atentou ao beneficiário indicado no processamento do pagamento, antes de confirmar a realização do mesmo, afinal, trata-se de terceiro, alheio a Instituição Financeira.”

Pontuam que “o, suposto, dano apenas foi gerado pela desídia da própria parte Apelada, a qual deixou de tomar os cuidados que dela eram esperados antes de confirmar a realização de um pagamento, qual seja, a conferência dos dados”.

Argumentam “que a parte Apelada não tomou os cuidados que dela eram esperados, afinal, percebe-se que a mesma não acessou os canais oficiais do réu para recepção, emissão do boleto ou negociações de seus débitos.”

Explicam que “o STJ já tratou o tema abarcado na presente ação (fraude em pagamento de boleto), especificamente quanto ausência de responsabilidade do réu por fraude no boleto bancário que não tenha dado causa, ante afastamento da Súmula 479 do STJ e, em paralelo a inexistência de nexo causal, assumindo a parte Autora, ora Apelada – cliente o ônus de não ter zelo com o pacto, ao efetuar pagamento errado / objeto de fraude (e sem as precauções necessárias). Essa decisão ora elencada (via analogia) está presente no acórdão de Agravo em Resp. 1.369.173 – SP”.

Descrevem que inexistem danos materiais uma vez que não houve pagamento ou cobrança de quaisquer valores em favor da instituição financeira.

Ponderam que “os valores pagos foram direcionados a terceiro, ou seja, aquele que recebeu o montante pago é que possui meios de proceder com a sua restituição.”

Entendem pela inexistência de danos morais indenizáveis, ou pela redução do montante arbitrado na sentença.

Ao final, requer o conhecimento e provimento do recurso, para reconhecer a ilegitimidade passiva da instituição financeira, no mérito, pela total improcedência do pedido inicial, e subsidiariamente pela redução do montante fixado a título de danos morais.

Devidamente intimada, apresenta a recorrida suas contrarrazões de ID 14827347, defendendo a manutenção da sentença.

Assevera que a recorrente não apresenta fundamentos apto a modificar a sentença, apenas ratificando os termos da sua peça contestatória.

Por fim, requer o desprovimento do recurso.

Instado a se manifestar, o Ministério Público, através da 14ª Procuradoria de Justiça, em ID 14887954, declina de sua intervenção no feito por ausência de interesse público.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, voto pelo conhecimento do recurso.

Inicialmente, cumpre averiguar a alegação de ilegitimidade passiva suscitada pela instituição financeira recorrente para figurar no polo passivo da presente lide.

Validamente, pretende a autora o reconhecimento da quitação do seu contrato de financiamento firmado junto a instituição financeira recorrente, bem como a indenização pelos danos decorrentes das cobranças efetuadas após o suposto adimplemento contratual.

Oportunamente, tem-se que a recorrente é parte legítima para figurar no polo passivo da presente lide, uma vez que a pretensão inicial tem como objeto principal contrato de financiamento firmado entre as partes.

Desta feita, descabe falar em ilegitimidade da instituição financeira recorrente para figurar no pólo passivo da presente lide, sobretudo em razão de ambas as partes reconhecem a existência do contrato de financiamento firmado.

Narram os autos que a autora possuía contrato de financiamento de veículo junto a instituição financeira, tendo solicitado a quitação antecipada do mencionado pacto através do site da instituição financeira recorrente, sendo-lhe enviado um boleto bancário com todos os seus dados para pagamento.

Registre-se que muito embora a autora discorra em sua inicial que teria acessado o site da empresa apelante, constata-se através do boletim de ocorrência de ID 14827316, que a demandante, ora recorrida em verdade acessou um “link” supostamente indicado pelo Banco Santander.

Destaque-se que muito embora a autora alegue possível ataque de hacker no endereço eletrônico da empresa demandada, verifica-se que tal fato não resta comprovado, o que seria facilmente difundido através de noticiários conforme já observado em outros endereços eletrônicos de origem nacional e internacional.

Percebe-se que a autora não utilizou dos canais oficiais de atendimento ao cliente disponibilizados pelo banco réu para proceder com a quitação do seu contrato, o que facilitou para que fosse vítima de fraude.

Portanto, constata-se que a autora em verdade foi vítima de fraude, perpetrada por terceiros sem qualquer relação com a instituição financeira, e que esta, por sua vez, não contribuiu tampouco poderia ter evitado tal incidente.

Atente-se que a cada dia os falsários criam novos golpes para atingir a sociedade, sendo reiteradas as ocorrências de fraudes do mais variados tipos, sendo o consumidor diariamente alertado acerca da existência dos mesmos.

Observa-se que inexiste liame de causalidade entre os fatos relatados pela autora e as atitudes da empresa demandada, uma vez que não demonstrado, sequer minimamente, qualquer conduta desta que pudesse ter colaborado com a fraude da qual a demandante foi vítima.

Analisando detidamente as informações do aplicativo de troca de mensagens é possível observar que a conversa de ID 14827314 – pág. 02 foi iniciada pela demandante, não pela suposta instituição financeira, não sendo possível, sequer deduzir a existência de vazamento de informações sigilosas por parte do banco requerido.

Merece destacar que na situação dos autos inexiste o denominado fortuito interno, a legitimar a aplicação da Súmula nº 479 do Superior Tribunal de Justiça, pois tal súmula visa resguardar os casos em que o falsário consegue burlar os itens se segurança do próprio banco gerando débitos aos consumidores, como por exemplo, nos casos de abertura de conta, realização de empréstimos, desvio de talonários de cheques.

Em situação análoga a dos autos o Superior Tribunal de Justiça, entendeu inexistir liame de causalidade com a instituição financeira em caso de fraude praticada por terceiros, na qual o banco não participou da relação, in verbis:

RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS. FRAUDE. COMPRA ON-LINE. PRODUTO NUNCA ENTREGUE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SERVIÇOS BANCÁRIOS. INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA ENTRE PARTICULARES. COMPRA E VENDA ON-LINE. PARTICIPAÇÃO. AUSÊNCIA. RESPONSABILIDADE...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT