Acórdão Nº 08507362320228205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 28-06-2023

Data de Julgamento28 Junho 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08507362320228205001
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0850736-23.2022.8.20.5001
Polo ativo
RAYANNA KELLY SALES DE LIMA
Advogado(s): GUSTAVO ADOLFO MAIA DANTAS CALDAS
Polo passivo
Banco do Brasil S/A
Advogado(s): MARCOS DELLI RIBEIRO RODRIGUES

EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELAÇÕES CÍVEIS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA, EM FAVOR DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE PROVA QUANTO À LEGITIMIDADE DAS OPERAÇÕES REALIZADAS ATRAVÉS DA CONTA BANCÁRIA DA AUTORA. NULIDADE DE CONTRATO OU DE PROVA DA VALIDADE E HIGIDEZ DO CRÉDITO. FORTUITO INTERNO DA ATIVIDADE BANCÁRIA. DEVER DE INDENIZAR QUE SE IMPÕE. DANO MORAL CONFIGURADO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. REFORMA DA SENTENÇA PARA FINS DE MAJORAÇÃO DO QUANTUM. RECURSO DO BANCO CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DA AUTORA CONHECIDO E PROVIDO.

1. A despeito da inversão do ônus da prova aplicável quando se trata de ações de relação de consumo, pode-se afirmar que, em que pese as alegações da instituição financeira quanto à regularidade das transações impugnadas, carecem os autos de comprovação acerca da legitimidade das operações realizadas através da conta bancária da autora.

2. Não tendo a instituição bancária apelante munido-se da cautela, eis que detectou previamente acessos remotos por aparelhos desconhecidos pela demandante, assumiu o risco de firmar negócio eivado de nulidade, maculando, assim, a sua conduta.

3. Patente, pois, que restou configurado o dano moral em razão da existência do nexo de causalidade entre a conduta do banco e o prejuízo sofrido pela parte autora, em face da fraude evidenciada, que ocasionou descontos indevidos em sua conta corrente.

4. O valor arbitrado, a título de indenização, deve compensar a dor sofrida pela vítima, punir o ofensor e desestimular a ocorrência de outros episódios dessa natureza, e não pode gerar enriquecimento ilícito, mas também não pode ser ínfimo, ao ponto de não atender ao seu caráter preventivo. Tudo isso considerando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

5. Precedentes do TJRN (AC nº 0839622-34.2015.8.20.5001, Des. Virgílio Macêdo, Segunda Câmara Cível, assinado em 27/01/2023 e AC nº 0801336-59.2021.8.20.5103, Des. Virgílio Macêdo, Segunda Câmara Cível, assinado em 09/12/2022).

6. Recursos conhecidos, sendo desprovido o apelo do banco e provido o da parte autora.

ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima nominadas.

Acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, por unanimidade de votos, conhecer dos recursos, sendo desprovido o apelo do banco e provido o da parte autora, no sentido de majorar o valor da condenação em danos morais para o quantum de R$ 6.000,00 (seis mil reais), mantidos os demais fundamentos da sentença, nos termos do voto do relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

1. Trata-se de apelações cíveis interpostas por ambas as partes em face da sentença proferida pelo Juízo da 17ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN (Id. 18545974), que, nos autos da Ação Indenizatória (Proc. 0850736-23.2022.8.20.5001), proposta por RAYANNA KELLY SALES DE LIMA em desfavor do BANCO DO BRASIL S/A, julgou procedente a demanda, nos seguintes termos:

“FRENTE AO EXPOSTO, com fundamento no art. 487, III, do Código de Processo Civil, ACOLHO os pedidos formulados por RAYANNA KELLY SALES DE LIMA e julgo PROCEDENTE a pretensão deduzida na vestibular, de sorte que confirmo a tutela e urgência parcialmente deferida em fls. 65/69 (Id. 86057415 – págs. 01/05) e declaro a nulidade dos empréstimos:

- OP. 111959620, no valor de R$ 10.872,68 (dez mil, oitocentos e setenta e dois reais e sessenta e oito centavos) (Id. 85439991 – págs. 01/03);

- OP. 111959612, no valor de R$ 34.898,38 (trinta e quatro mil, oitocentos e noventa e oito reais e trinta e oito centavos) (Id. 8543933 – págs. 01/04).

Do mesmo modo, declaro a nulidade das transferências realizadas a partir da conta da autora para a pessoa de MATIAS FERREIRA DE ARAÚJO (CPF nº 063.782.823-23), devendo ser recomposto ao saldo da conta corrente da demandante, pelo BANCO DO BRASIL S/A, os valores de R$ 29.999,99 (vinte e nove mil, novecentos e noventa e nove reais e noventa e nove centavos), R$ 4.999,99 (quatro mil, novecentos e noventa e nove reais, e noventa e nove centavos) e de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), sem prejuízo do direito do banco demandado em proceder a restituição de referidas quantias contra o referido destinatário.

Ainda, declaro a nulidade das compras nos montante de R$ 23.776,80 (vinte e três mil, setecentos e setenta e seis reais e oitenta centavos), R$ 19.452,31 (dezenove mil, quatrocentos e cinquenta e dois reais e trinta e um centavos) e R$ 12,00 (doze reais), realizadas, respectivamente, junto à FAST SHOP S/A, SIMPSONS DISTRIBUIDORA e MOOCA PLAZA SHOPPING, devendo o BANCO DO BRASIL S/A proceder o cancelamento da cobrança de referidas transações, uma vez que operadas por meio de cartão de crédito.

Ademais, diante da gravidade da lesão, da complexidade da causa, da condição econômico-financeira das partes, além do caráter punitivo-pedagógico da medida, lastreado nos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, condeno o BANCO DO BRASIL ao pagamento de indenização por danos morais, a qual arbitro no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Por fim, condeno o BANCO DO BRASIL S/A a proceder, no prazo improrrogável de 05 (cinco) dias, contados da publicação da presente sentença, o restabelecimento do acesso de RAYANNA KELLY SALES DE LIMA à conta de sua titularidade, sob pena de multa única de R$ 3.000,00 (três mil reais), em caso de recalcitrância.

Condeno o banco réu ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como ao pagamento dos honorários de advogado, os quais arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor do benefício econômico auferido com a demanda, o qual condiz com o total do montante indenizatório, bem como dos valores das transações nulificadas (R$ 133.012,15), n forma do art. 85, § 2º, III, do CPC.”

2. Em suas razões recursais (Id. 18545979), o banco apelante pugnou pelo provimento do recurso com a reforma da sentença, a fim de que seja julgado improcedente o pleito autoral, ao argumento de que não se encontram preenchidos os requisitos para reconhecimento da responsabilidade civil.

3. A autora/apelante, por sua vez, pugnou pela reforma da sentença para que seja majorado o importe fixado a título de danos morais (Id 18545984).

4. Contrarrazões da parte autora pelo desprovimento do recurso da parte contrária (Id 18545983).

5. Ausentes as contrarrazões do banco, conforme certificado no Id 18545995.

6. Instada a se manifestar, a Dra. Sayonara Café de Melo, 14ª Procuradora de Justiça, deixou de opinar no feito por considerar a inexistência de interesse público ou social relevante (Id. 18680938).

7. É o relatório.

VOTO

8. Conheço dos recursos.

9. Pretende o banco apelante a reforma da sentença, a fim de que seja julgado improcedente o pleito autoral, ao argumento de que não se encontram preenchidos os requisitos para reconhecimento da responsabilidade civil, enquanto a autora/apelante, por sua vez, busca a majoração do importe fixado a título de danos morais.

10. Sobre o mérito recursal, imperativo consignar, desde logo, que à hipótese aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, com subsunção à previsão contida em seu art. 3º, § 2º, porquanto trate de relação de consumo, no sentido de que, embora a parte autora admita não ter realizado as transações impugnadas nestes autos, expôs-se a práticas negociais a elas inerentes, e que fora oferecido pela figura do fornecedor de que trata o art. 3º da Lei nº 8.078/1980, razão pela qual merece a proteção da legislação consumerista.

11. Como é sabido, no regramento do Código de Processo Civil, cabe à parte autora a prova do fato constitutivo do seu direito e ao demandado a prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do desse direito, conforme se vê na leitura do art. 373, in verbis:

“Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.”

12. A partir dessa constatação, a despeito da inversão do ônus da prova aplicável quando se trata de ações de relação de consumo, pode-se afirmar que, em que pese as alegações da instituição financeira quanto à regularidade das transações impugnadas, carecem os autos de comprovação acerca da legitimidade das operações realizadas através da conta bancária da autora.

13. Ademais, em se tratando de instituição financeira, o Superior Tribunal de Justiça assentou que não há como se reconhecer a ausência de responsabilidade por danos causados por conta de fraude e atos de terceiros que comprometem a segurança esperada pelo serviço. É o que reza a Súmula 479:

Súmula 479/STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias."

14. No caso dos autos, verifica-se que, conforme as provas colacionadas, a autora, em 13/06/2022 e em 14/06/2022, foi notificada pelo banco requerido acerca do acesso à sua conta por dispositivos Motorola e Android, respectivamente. Ao ser informada, por ligação telefônica, pelos prepostos do banco demandado acerca do risco ao qual estaria submetida sua conta, diante das tentativas de invasão, a autora teria se dirigido à agência do Banco do Brasil, localizada no Midway Mall, em Natal/RN, realizando todos os procedimentos indicados, contudo, teve diversas operações realizadas por meio de sua contra corrente, sem que tivesse solicitado qualquer uma delas.

15. Constata-se, ainda, que foram alterados os dados do cadastro pessoal da autora, inclusive passando a constar endereço de São...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT