Acórdão Nº 08526321420168205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 11-03-2020

Data de Julgamento11 Março 2020
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08526321420168205001
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0852632-14.2016.8.20.5001
Polo ativo
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
Advogado(s):
Polo passivo
RITA DE CASSIA BEZERRA DE SOUZA TRINDADE
Advogado(s): VLADIMIR GUEDES DE MORAIS

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0852632-14.2016.8.20.5001

APTE/APDO: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

REPRESENTANTE: PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO DO RN

APTE/APDO: RITA DE CASSIA BEZERRA DE SOUZA TRINDADE

ADVOGADO: VLADIMIR GUEDES DE MORAIS

RELATORA: DESEMBARGADORA JUDITE NUNES

EMENTA: CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÕES CÍVEIS EM AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE DETENTO DENTRO DE UNIDADE PRISIONAL. OMISSÃO ESTATAL. DEVER DE SEGURANÇA DOS PRESOS. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA À GENITORA DO FALECIDO. DANOS MORAIS CORRETAMENTE VALORADOS. DESNECESSIDADE DE MAJORAÇÃO OU REDUÇÃO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTES DA CORTE. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DOS RECURSOS.


A C Ó R D Ã O


Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima nominadas, ACORDAM os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em Turma, em conhecer dos recursos e negar-lhes provimento, nos termos do voto da Relatora, que integra o acórdão.

R E L A T Ó R I O


Trata o feito de Apelações Cíveis interpostas pelo Estado do Rio Grande do Norte e por Rita de Cássia Bezerra de Souza Trindade, em face de sentença proferida pelo Juízo da Terceira Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal, que nos autos da Ação Indenizatória registrada sob o nº 0852632-14.2016.8.20.5001, julgou nos seguintes termos:

“(...) Isto posto, julgo procedente o pedido inicial para condenar o Estado do Rio Grande do Norte ao pagamento da importância de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para a parte autora, a título de indenização por danos morais, a ser acrescida de correção monetária, contada a partir da fixação do quantum até a data do efetivo pagamento (súmula 362 do STJ), bem como de juros de mora, incidentes desde a data em que se processou o evento danoso, 16 de maio de 2016, (súmula 54 do STJ).

Por fim, e com arrimo na Súmula nº 326, do STJ, e no art. 85, §2º, §3º, I, do CPC, condeno o Estado demandado em honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento), sobre o valor da condenação.

Sentença não sujeita ao reexame necessário, por força do disposto no art. 496, §3º, I, do Código de Processo Civil.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com a respectiva baixa na distribuição, observadas as formalidades legais.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.”

Em suas razões recursais (ID n° 4680156), o ente público apelante aduziu que sua responsabilidade não pode estar fundamentada na teoria do risco administrativo, devendo se investigar a responsabilidade no campo da culpa subjetiva, sendo a culpa do agente condição sine qua non para que se lhe imponha, ou ao seu empregador (lato sensu), o chamado dever de indenizar.

Sustentou que pelo demonstrado nos autos e fundamentado em sentença, o filho da autora, ora apelada, contribuiu para o sinistro/morte quando se envolveu em desavença com outro detento. Dessa forma, verifica-se a presença de causas excludentes da responsabilidade estatal, haja vista a culpa de terceiros e da própria vítima.

Eventualmente, reclamou do quantum indenizatório arbitrado, reputando-o excessivo. Requereu, ao final, o provimento do recurso.

Por sua vez, a autora, em suas razões (ID n° 4680162), pugna pela reformada da sentença apenas no que toca ao montante da indenização, o qual entende que deve ser majorado seguindo a orientação dos julgados colacionados.

Contrarrazões da autora (ID n° 4680161).

Com vista dos autos, a 7ª Procuradora de Justiça, em substituição legal na 10ª Procuradoria de Justiça deixou de opinar no feito (ID n° 5310993).

É o relatório.

V O T O

Presentes seus requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos de apelação.

Pretende o ente público, em suma, afastar a responsabilidade civil do Estado em decorrência da morte de Jhonny Kefferson Trindade, ocorrido nas dependências da Penitenciária Estadual Rogério Coutinho Madruga. Por sua vez, busca a autora a majoração da condenação em danos morais, arbitrados no montante de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais).

A responsabilidade civil do Estado pela atuação de seus agentes está prevista no artigo 37, § 6º da Constituição Federal, que consagra a responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco administrativo, pela qual basta à parte autora a comprovação do dano e do nexo de causalidade entre este e a ação ou omissão específica do agente público (fato administrativo) para que se configure a obrigação de indenizar. Demonstrados esses elementos, é desnecessária a exposição de culpa do agente envolvido para caracterização da responsabilidade civil do Estado.

Sobre o risco administrativo, leciona Sérgio Cavalieri Filho (In Programa de Responsabilidade Civil, 10ª edição. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 257):

"Em apertada síntese, a teoria do risco administrativo importa atribuir ao Estado a responsabilidade pelo risco criado pela sua atividade administrativa. Esta teoria, como se vê, surge como expressão concreta do princípio da igualdade dos indivíduos diante dos encargos públicos. É a forma democrática de repartir o ônus e encargos sociais por todos aqueles que são beneficiados pela atividade da Administração Pública. Toda lesão sofrida pelo particular deve ser ressarcida, independentemente do agente público que a causou. O que se tem que verificar é, apenas, a relação de causalidade entre a ação administrativa e o dano sofrido pelo administrado."

É da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. 2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. 3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal). 4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. 5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional. 6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis. 7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso. 8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento. 9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal. 10. Recurso extraordinário DESPROVIDO. (STJ, RE 841526, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 30/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-2016).

Assim, não merece prosperar a tese apresentada pelo Estado do Rio Grande do Norte, sobre a aplicação da responsabilidade civil subjetiva a impor a necessidade de exposição da culpa dos agentes públicos envolvidos, como requisito necessário a ensejar o reconhecimento do dever reparatório. São imprescindíveis para a análise do caso: a identificação da conduta (omissiva ou comissiva) do Estado, o nexo de causalidade e o dano experimentado pela parte postulante.

Nesse passo, cumpre examinar os fatos narrados na inicial em cotejo com as provas dos autos, a fim de verificar se houve fato administrativo passível de indenização, pois segundo as alegações da parte autora, o Estado teria incorrido em omissão ao deixar de adotar as providências necessárias para evitar o falecimento do filho da autora, enquanto custodiado em penitenciária estadual, e se haveria nexo de causalidade entre esses eventos, a ensejar a obrigação de indenizar.

Corroborando a análise minuciosa realizada pelo Juiz de primeiro grau, esposada na sentença sob vergasta (verbis):

“Assentada esta premissa, é de se ver que a Carta Magna estabelece em seu art. 37, § 6º, a responsabilidade civil objetiva do Estado, pelos danos causados a terceiros por seus agentes, quando revestidos desta qualidade, em face de suas condutas comissivas. Tal responsabilidade somente poderá ser reconhecida mediante a...

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