Acórdão Nº 08536757820198205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 07-06-2022

Data de Julgamento07 Junho 2022
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08536757820198205001
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0853675-78.2019.8.20.5001
Polo ativo
MARIA JOSE SILVA PEREIRA e outros
Advogado(s):
Polo passivo
ESTADO DO RN e outros
Advogado(s):

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS

PRIMEIRA TURMA RECURSAL PROVISÓRIA

RECURSO CÍVEL INOMINADO VIRTUAL N° 0853675-78.2019.8.20.5001

JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL

RECORRENTE: MARIA JOSE SILVA PEREIRA

ADVOGADO: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

RECORRIDA: GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

ADVOGADO: PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NOTE

JUIZ RELATOR: JOSÉ MARIA NASCIMENTO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. AUTORA DIAGNOSTICADA COM NEOPLASIA MALIGNA DE MAMA. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE RESSONÂNCIA MAGNÉTICA DE ABDOME SUPERIOR E PELVE COM URGÊNCIA. SENTENÇA IMPROCEDENTE. AUTORA RECORRENTE QUE JÁ ESTÁ EM LISTA ONCOLÓGICA. INEXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA ESPECIAL QUE POSSIBILITE QUE ELA ULTRAPASSE PESSOAS EM SITUAÇÃO SEMELHANTE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, COM OS ACRÉSCIMOS DO VOTO DO RELATOR.

ACÓRDÃO

VISTOS, relatados e discutidos estes autos do Recurso Inominado acima identificado, decidem os Juízes que integram a Primeira Turma Recursal Provisória dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida pelos seus próprios fundamentos, com os acréscimos do voto do relator. Condenação em custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspensa a sua exigibilidade em razão do deferimento do benefício de gratuidade judiciária.

Natal/RN, 31 de maio de 2022.

JOSÉ MARIA NASCIMENTO

Juiz Relator

RELATÓRIO

SENTENÇA:

Demanda que se amolda a hipótese de aplicação de tese firmada em julgamento de casos repetitivos, enquadrando-se, portanto, na exceção à ordem cronológica de conclusão para julgamento, conforme previsto expressamente no art. 12, § 2º, II, do NCPC/2015.

A parte autora promoveu ação de obrigação de fazer c/c pedido de tutela provisória de urgência em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, objetivando provimento jurisdicional a fim de que o ente requerido seja compelido a realizar ou custear ao postulante o exame de ressonância magnética de abdome superior e pelve, alegando que a autora é pessoa idosa, atualmente diagnosticada com neoplasia maligna de mama, fazendo tratamento contra o câncer já em fase de metástase.

Afirmou que se encontra na posição 189 da lista de regulação desde o dia 13 de agosto de 2019, apesar de ter sido classificada com risco vermelho para emergência, conforme documentação anexa.

A tutela de urgência foi indeferida em Id. 50804083 dos autos.

É o relatório. Fundamento e decido.

A questão de mérito constitui matéria de direito e de fato, contudo não exige produção de provas em audiência, o que autoriza o julgamento antecipado da lide, nos moldes do artigo 355 do CPC.

A Constituição Federal, nos arts. 6º e 196, preconiza a saúde como um direito de todos e dever do Estado, decorrente do intocável direito à vida (caput do art. 5º, da CF). É de se transcrever o dispositivo:

Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Não obstante as disposições infraconstitucionais da Lei nº 8.080/90, que, tratando do funcionamento dos serviços de saúde, adota a descentralização político-administrativa como princípio básico do sistema de saúde, dando ênfase à atuação do Estado, certo é que todas as esferas de governo são responsáveis pela saúde da população.

Tanto é verdade que o art. 23 da Carta Magna dispõe a competência de todos os níveis da Administração na garantia do exercício do direito público subjetivo à saúde. Vejamos:

É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I – (...)

II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência.

Portanto, o requerido é responsável pela saúde da parte autora, devendo suportar o ônus decorrente da realização de exames, procedimentos cirúrgicos, materiais ou fornecimento de medicamentos, vez que se trata de despesa impossível de ser custeada diretamente pelo autor sem comprometer outros gastos com sua subsistência, inclusive, em atenção ao princípio da solidariedade social.

Destarte, havendo dever comum dos entes federativos de prestar assistência a saúde, impõe-se reconhecer que a parte autora poderá ajuizar a ação contra qualquer um dos entes, sem que haja litisconsórcio necessário.

À luz da legislação vigente, é dever do Estado prestar assistência necessária àqueles que necessitam de medicamentos e demais procedimentos imprescindíveis ao tratamento de sua saúde e não dispõem de condições financeiras de arcar com os custos. Tal entendimento tem assento na jurisprudência do STF, conforme Acórdão que julgou o RE-AgR 393175 / RS - RIO GRANDE DO SUL;Relator Min. CELSO DE MELLO, Julgamento: 12/12/2006, no qual o Relator asseverou:

"... A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental.

..."

Acrescente-se o destaque feito pelo mesmo Ministro Relator Celso de Mello, por ocasião do julgamento de Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 271286/RS, em que afastou a possibilidade de sobreposição do princípio da legalidade orçamentária ao direito à vida e à saúde, constitucionalmente garantido à todos:

"Tal como pude enfatizar, em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana, notadamente daqueles que têm acesso, por força de legislação local, ao programa de distribuição gratuita de medicamentos, instituído em favor de pessoas carentes."

Convém ressaltar o disposto no Enunciado nº 02 das Jornadas de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça:

ENUNCIADO Nº 02: Concedidas medidas judiciais de prestação continuativa, em tutela provisória ou definitiva, é necessária a renovação periódica do relatório e prescrição médicos a serem apresentados preferencialmente ao executor da medida, no prazo legal ou naquele fixado pelo julgador como razoável, considerada a natureza da enfermidade, de acordo com a legislação sanitária, sob pena de perda de eficácia da medida. (Redação dada pela III Jornada de Direito da Saúde – 18.03.2019)

Há de se pontuar, no entanto, que a dicção do art. 196 da Constituição da República Federativa do Brasil não autoriza a imediata desconsideração dos sistemas de regulação existentes, tendo em vista a imensa demanda e a deficitária capacidade do Estado de concretizar de modo amplo e geral os procedimentos médicos requeridos pela população. Assim, somente de forma excepcional é que cabe ao Poder Judiciário, como última instância a dar a palavra em conflitos sociais, determinar a providência em caráter forçoso e com possibilidades de custeios alternativos em relação ao tratamento na esfera pública.

Da análise dos autos, vejo que o laudo médico aponta o diagnóstico do autor, momento em que foi cadastrado em lista de espera para a realização do procedimento/exame, estando na posição 189, com data de cadastro em 13/08/2019.

A referida lista prioriza critérios de prioridade clínica e outras prioridades legais. Na esteira dos entendimentos propostos pelos Enunciados da III Jornada do Direito da Saúde (Conselho Nacional de Justiça (CNJ)) tem-se:

ENUNCIADO Nº 51 Nos processos judiciais, a caracterização da urgência/emergência requer relatório médico circunstanciado, com expressa menção do quadro clínico de risco imediato.

ENUNCIADO Nº 69 Nos casos em que o pedido em ação judicial seja a realização de consultas, exames, cirurgias ou procedimentos especializados, recomenda-se consulta prévia ao ente público demandado sobre a existência de lista de espera organizada e regulada pelo Poder Público para acessar o respectivo serviço, de forma a verificar a inserção do paciente nos sistemas de regulação, de acordo com o regramento de referência de cada Município, Região ou Estado, observados os critérios clínicos e de priorização.

Os fatos por si só, não...

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