Acórdão Nº 08549831820208205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 14-04-2023

Data de Julgamento14 Abril 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08549831820208205001
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0854983-18.2020.8.20.5001
Polo ativo
TALENTO INCORPORACOES E SERVICOS LTDA
Advogado(s): MARCIO JOSE BRITO VIANA
Polo passivo
RBM - ENGENHARIA & INVESTIMENTOS EIRELI
Advogado(s): MARIA FABIANA MOURA DA SILVA ANDRADE, RUBIA LOPES DE QUEIROS

EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. ALEGADO NEGÓCIO JURÍDICO SIMULADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO AUTORAL. APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA, SUSCITADA PELA PARTE APELANTE. ACOLHIMENTO. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. BUSCA DO DIREITO REAL. RELEVÂNCIA DA PROVA TESTEMUNHAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REGULAR INSTRUÇÃO PROCESSUAL. APELO CONHECIDO E PROVIDO.

1. É lícito ao juiz, com fulcro no livre convencimento motivado autorizado pelos artigos 409 e 410, do Código de Processo Civil, apreciar livremente os elementos de prova trazidos ao processo e, entendendo serem suficientes ao julgamento da causa, proferir sentença, desde que motive as razões de decidir.

2. Em face da violação dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, deve ser decretada a nulidade da sentença, providenciando-se a baixa dos autos à Vara de origem, para que outra sentença seja proferida, depois de assegurada a produção probatória necessária para elucidar fatos relevantes ao deslinde da causa.

3. Precedente deste TJRN (AC n° 2018.011533-7, Rel. Desembargador Virgílio Macedo Jr. 2ª Câmara Cível, j. 02/04/2019).

4. Apelo conhecido e provido.


ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima nominadas.

Acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível, deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, por unanimidade de votos, conhecer e dar provimento ao apelo, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à Vara de origem, para que seja dado prosseguimento à instrução probatória, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO


1. Trata-se de apelação cível interposta por TALENTO CONSTRUÇÕES E SERVIÇOS LTDA. contra sentença proferida pelo Juízo da 19ª Vara da Comarca de Natal/RN (Id 17706550), que, nos autos de Ação de Adjudicação Compulsória (Proc. nº 0854983-18.2020.8.20.5001) ajuizada por RBM – ENGENHARIA & INVESTIMENTOS LTDA., julgou procedente o pedido contido na exordial para, após o trânsito em julgado da sentença, determinar a transcrição do registro dos lotes 207, 208 e 209, da Quadra G, do Condomínio Residencial, Parco Della Veritá, Natal/RN, localizado na Avenida dos Caiapós, nº 2885, Pitimbu, de matrícula nº 18.269, livro 2, junto à Circunscrição Imobiliária competente, em nome da parte demandante.

2. No mesmo dispositivo, condenou a parte demandada ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa.

3. Em suas razões recursais (Id 17706552), a apelante suscitou, preliminarmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa em face, primeiramente, do não conhecimento das provas juntadas em sede de alegações finais pela ora apelante, bem como pela ausência de análise e/ou consideração da prova oral/testemunhal, as quais, possuem inegável potencial para influir na convicção do julgador quanto a inexistência/invalidade do negócio jurídico simulado que apoia a causa de pedir da parte apelada.

4. Em não sendo esse o entendimento, pediu o provimento do apelo para reformar a sentença, no sentido de julgar improcedente da demanda, declarando a nulidade dos contratos de compra e venda das unidades mobiliárias de nºs 207, 208 e 209, todos da Quadra G, do Condomínio Parco Della Veritta, porquanto “[...] trazem consigo declarações ideologicamente inverídicas, ou seja, tratam-se de negócios jurídicos simulados, criados para possibilitar o manejo de ações de embargos de terceiros perante o Condomínio que contendia por esses e outros lotes, nos autos do processo nº 0247880-28.2007.8.20.0001 (Condominio PARCO DELLA VERITTA x TALENTO), valendo repetir que a estratégia era configurar a aparência de ‘terceiro de boa-fé’ para essa eventualidade.”

5. Contrarrazoando (Id 17706573), a parte apelada refutou os argumentos do recurso interposto e, por fim, pediu seu desprovimento.

6. Com vista dos autos, Dr. Arly de Brito Maia, Décimo Sexto Procurador de Justiça, deixou de opinar no feito por não ser hipótese de intervenção do Ministério Público (Id 18054546).

7. É o relatório.

VOTO


8. Conheço do recurso.

PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA, SUSCITADA PELO APELANTE

9. A apelante suscitou, preliminarmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa em face, primeiramente, do não conhecimento das provas juntadas em sede de alegações finais pela ora apelante, bem como pela ausência de análise e/ou consideração da prova oral/testemunhal, as quais, possuem inegável potencial para influir na convicção do julgador quanto a inexistência/invalidade do negócio jurídico simulado que apoia a causa de pedir da parte apelada.

10. A empresa apelante alegou ser necessária tal medida considerando que (Id 17706552 – Págs. 2/9):

“Em que pese se ter demonstrado, por ocasião da fase instrutória, que a documentação que informa a aquisição das unidades imobiliárias em tela não passou de fâmulos contratuais, ou seja, meros instrumentos de negócios jurídicos simulados, servis que foram para materializar o ajuste engendrado pelas partes componentes do Consorcio Empresarial voltado à construção e comercialização do Condomínio Residencial Parco Della Veritá, a fim de acautelarem-se contra eventuais desfechos desfavoráveis no âmbito do processo nº 0247880-28.2007.8.20.0001 (Condominio PARCO DELLA VERITTA x TALENTO) e possibilitar o manejo de ações de embargos de terceiros, ocasião em que todas as empresas componentes do consórcio, inclusive a ora apelada, postar-se-iam como “terceiro de boa-fé” para essa eventualidade.

Além da prova documental indiciária, foi produzida a competente prova oral nesse sentido, a qual, lamentavelmente, foi simplesmente ignorada pelo Juízo a quo quando da fundamentação sentencial, configurando, além da inescondível falta de fundamentação, tinturas de cerceamento de defesa.

[...]

Pois bem. Uma vez produzida a prova oral no presente feito, por meio da colheita dos depoimentos pessoais das partes e, com maior destaque, da testemunha Sr. Carlos Joilson, que funcionou como Advogado do Consorcio empresarial à época, tendo, inclusive, participado das deliberações e produzido o documento que tratou da divisão dos lotes habitacionais, esclareceu, com detalhes, toda trama que motivou os fâmulos documentais utilizados, com absoluta má-fé, pela parte apelada, para justificar seu intento judicial.

[...]

Ocorre que, infelizmente, o MM. Juízo a quo, em que pese tenha admitido a produção da prova oral requerida, não considerou qualquer conteúdo dali advindo para formação da convicção decisória.

Em termos mais diretos: não se verifica na sentença recorrida UMA LETRA SEQUER acerca da prova oral produzida, tampouco da necessária confrontação desta com o mosaico de demais elementos probatórios produzidos no feito, quando era de rigor assim proceder, em respeito ao teor do art. 371 c/c art. 489, §1º, IV, ambos do CPC, sobretudo quando o próprio art. 446, I, desse diploma, REALÇA A IMPORTANCIA DA PROVA TESTEMUNHAL para lides em que se discute negócios jurídicos simulados, sendo, por essa razão, elemento absolutamente determinante para formação da convicção decisória em lides desse quilate.” (grifo original)

11. Imperativo consignar, desde logo, que é lícito ao juiz, com fulcro no livre convencimento motivado autorizado pelos arts. 409 e 410, do Código de Processo Civil, apreciar livremente os elementos de prova trazidos ao processo e, entendendo serem suficientes ao julgamento da causa, proferir sentença, desde que motive as razões de decidir.

12. Diante dessa premissa, ao magistrado não é vetado o indeferimento da prova, desde que haja elementos suficientes para motivar a formação do seu convencimento.

13. A parte apelante já havia requerido expressamente a produção de provas orais “dada a natureza a controvérsia aqui digladiada, ou seja, o fâmulo de realidade que os negócios jurídicos simulados criam, donde a mera análise documental é missão insuficiente para o descobrimento da verdade real”, na petição de Id 17706490:

“Firme em tais razões, pugna-se pela designação de audiência de instrução e julgamento para colheita de prova oral, com o depoimento pessoal do Sr. Rogério Barreto Machado, sócio representante da empresa autora, bem como testemunhal, cujo rol será devidamente apresentado no tempo que reza o art. 357, §4º, do CPC.”

14. Porém, compulsando os autos, observo que a magistrada sentenciante, em nenhum momento refutou e/ou mesmo fez menção aos testemunhos colhidos na audiência de instrução. Logo, é preciso um esclarecimento mais robusto da situação fática para não haver violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

15. Inexiste hierarquia preestabelecida da valoração dos meios de provas, pelo que, o Magistrado dará a carga probatória que entender cabível, desde que fundamente sua decisão, pois em um contrato com indícios de simulação há uma discrepância entre a vontade e a declaração, sendo perfeitamente possível a prova exclusivamente testemunhal para provar a divergência entre a vontade real e a vontade declarada.

16. Por este ângulo, ensina a doutrina de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:

“A simulação é uma das situações mais difíceis de provar. Tendo em conta essa contingência, nosso legislador permite a utilização de prova testemunhal em qualquer circunstância para prova da simulação. Nada obsta, todavia, que o órgão jurisdicional...

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