Acórdão Nº 08553297120178205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 18-09-2020

Data de Julgamento18 Setembro 2020
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08553297120178205001
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0855329-71.2017.8.20.5001
Polo ativo
ANTONIO CABRAL PEREIRA FAGUNDES FILHO
Advogado(s): CARLOS RODRIGO CABRAL
Polo passivo
PAIVA GOMES & COMPANHIA S/A e outros
Advogado(s): THIAGO JOSE DE ARAUJO PROCOPIO, GLEYDSON KLEBER LOPES DE OLIVEIRA, MARCILIO MESQUITA DE GOES

Apelação Cível n° 0855329-71.2017.8.20.5001

Origem: 15ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN

Apelante: Banco Bradesco S/A

Advogados: Amandio Ferreira Tereso Júnior (OAB/RN 80070-A) e outro

Apelante: Paiva Gomes & Companhia S/A

Advogados: Thiago José de Araújo Procópio (OAB/RN 11126) e outro

Apelado: Antônio Cabral Ferreira Fagundes Filho

Advogado: Carlos Rodrigo Cabral (OAB/RN 13830)

Relatora: Desembargadora Judite Nunes

EMENTA: CIVIL, CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÕES CÍVEIS EM AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CONSTRUTORA APELANTE: TRANSFERÊNCIA PARA O MÉRITO. CONTROVÉRSIA ACERCA DA CONFIGURAÇÃO OU NÃO DE RESPONSABILIDADE DA PARTE. MÉRITO: CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. LIDE DE NATUREZA CONSUMERISTA. CONDENAÇÃO DA VENDEDORA E DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEMANDADAS AO LEVANTAMENTO DO GRAVAME HIPOTECÁRIO INCIDENTE SOBRE O IMÓVEL ADQUIRIDO PELO AUTOR. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 308 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DIREITO DE PROPRIEDADE. HIPOTECA FIRMADA ENTRE O AGENTE FINANCEIRO E A INCORPORADORA. INEFICÁCIA PERANTE O ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. RESPONSABILIDADE PELO CANCELAMENTO QUE RECAI SOBRE AMBAS AS PARTES. DEVER DE A VENDEDORA COMUNICAR A QUITAÇÃO DO IMÓVEL PELO COMPRADOR E DE O BANCO SOLICITAR O LEVANTAMENTO AO CARTÓRIO COMPETENTE. ALEGADA INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL. DEMORA EXCESSIVA NA LIBERAÇÃO DE GRAVAME HIPOTECÁRIO. DÍVIDA QUITADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. OCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DO ART. 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. QUANTUM FIXADO EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DE AMBOS OS RECURSOS.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, transferir para o mérito a preliminar de ilegitimidade passiva da apelante Paiva Gomes S/A, e, no mérito, conhecer e negar provimento a ambos os apelos, mantendo a sentença na íntegra, tudo conforme o voto da Relatora, parte integrante deste.

R E L A T Ó R I O

Tratam os autos de Apelações Cíveis interpostas pelo Banco Bradesco S/A e pela Paiva Gomes e Cia. Ltda. em face de sentença proferida pelo Juízo da Décima Quinta Vara Cível da Comarca de Natal. que nos autos da Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Dano Moral registrada sob o nº 0855329-71.2017.8.20.5001, ajuizada por Antônio Cabral Pereira Fagundes Filho em desfavor dos réus, ora apelantes, julgou o pedido inicial nos seguintes termos (parte dispositiva):

“Diante do exposto, com fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo procedente o pedido formulado à inicial para condenar os demandados Paiva Gomes & Cia Ltda e Banco Bradesco S/A, ao levantamento do gravame hipotecário incidente sobre o imóvel descrito na exordial, confirmando-se a tutela anteriormente concedida.

Condeno os demandados, solidariamente, ao pagamento do valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), como reparação pelos danos morais, acarretados à parte autora, acrescido de correção monetária pelo INPC a partir da prolação desta e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, desde a citação.

Condeno os demandados ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados estes em 10% sobre o valor da condenação, sopesados os critérios legais.”

Em suas razões recursais (Id. 4308401), o Banco Bradesco S/A alegou que o valor indenizatório fixado na sentença é excessivo, ressaltando, ainda, a ausência do dever de indenizar, por não ter havido conduta ilícita imputável ao recorrente. Pugnou, ao final, pelo provimento do recurso com a reforma da sentença, julgando-se improcedente o pedido ou minorando-se o valor do dano moral.

Por sua vez, a Paiva Gomes e Cia S/A, em suas razões de apelação (Id. 4308406), levantou a preliminar de ausência de legitimidade para proceder à baixa do gravame junto ao cartório imobiliário, que, segundo afirmou, seria de responsabilidade exclusiva do Banco Bradesco S/A, na qualidade de credor hipotecário.

Argumentou, em seguida, que a demora na baixa do gravame hipotecário constitui mero inadimplemento contratual e não enseja reparação por danos morais, destacando, outrossim, a ausência de ato ilícito praticado pela apelante.

Por fim, sustentou a necessidade de minoração do valor arbitrado a título de dano moral, requerendo o provimento do recurso com a reforma da sentença, para ser julgado improcedente o pedido em relação à recorrente ou, subsidiariamente, para ser reduzido o montante indenizatório.

A parte apelada deixou de apresentar contrarrazões (Id. 4308432).

Com vista dos autos, o representante do Ministério Público declinou de sua intervenção ao argumento de ausência de interesse público (Id. 5034877).

É o relatório.

V O T O

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço de ambas as apelações.

Passo a apreciar conjuntamente os recursos, transferindo, desde logo, a preliminar de ilegitimidade passiva da Paiva Gomes e Cia S/A para o mérito, pois o que se discute é se a construtora tem ou não responsabilidade pela demora na liberação da hipoteca que grava o imóvel adquirido pela parte autora.

Registro, outrossim, que a situação trazida nos autos trata de relação de consumo, sendo válida e necessária a incidência do Código de Defesa do Consumidor, e igualmente aplicável a exegese do artigo 423 do Código Civil.

Fixadas essas premissas, o mérito recursal propriamente dito cinge-se ao exame dos seguintes pontos controvertidos: i) possibilidade ou não de levantamento, pela recorrente Paiva Gomes e Cia S/A, do gravame hipotecário incidente sobre o imóvel adquirido pelo demandante; e ii) configuração do dano moral no presente caso ou necessidade de minoração do montante indenizatório arbitrado.

Quanto ao primeiro ponto, a promitente vendedora impugna sua condenação no levantamento do gravame hipotecário incidente sobre o imóvel pertencente ao autor, provimento esse requerido na ação diante da quitação integral do débito proveniente de contrato de promessa de compra e venda.

Verifico, à vista dos autos, que as razões deduzidas no apelo não comportam provimento.

Como é cediço, tem-se que a hipoteca constituída como garantia de financiamento contratado para incorporação de imóvel tem efeitos apenas em relação à parte contratante e enquanto o bem estiver em sua propriedade, de modo que não pode atingir o terceiro adquirente da unidade autônoma, que, após a quitação do preço avençado, faz jus à obtenção da escritura pública definitiva e liberação do ônus hipotecário.

Esta orientação restou pacificada, inclusive, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, conforme o teor da Súmula 308: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.

Considerando-se, pois, o enunciado acima referido, em matéria de contrato de compromisso de compra e venda, uma vez quitado integralmente o preço pactuado, exsurge o dever do promitente vendedor de proceder com a baixa da hipoteca da respectiva unidade, com a consequente outorga da escritura ao promissário comprador, estendendo-se tal dever de cancelamento, por decorrência lógica, ao agente financeiro beneficiário da garantia real.

Isso porque, em suma, a responsabilidade do adquirente deve ficar restrita ao pagamento do seu débito, admitida a penhora da unidade adquirida apenas na hipótese de execução por inadimplemento das próprias obrigações.

Assim sendo, torna-se evidente que a relação contratual entre a instituição financeira e a construtora não pode restringir o direito do comprador, o qual quitou o preço pactuado e não obteve o imóvel livre de gravame hipotecário. Dito de outro modo, a existência de contrato acessório firmado entre a construtora e o agente financeiro não tem o condão de prejudicar o direito de propriedade do apelado.

É importante registrar, ainda, que o ônus hipotecário impede o adquirente de dar efetividade plena ao seu direito de propriedade, especialmente porque fica sem poder de disposição, enquanto persistir a garantia real referente a uma dívida que não lhe pertence, existente em benefício do credor hipotecário.

Sobre a matéria, cito os seguintes julgados desta Corte de Justiça (grifos acrescidos):

“EMENTA: CIVIL, CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. LIDE DE NATUREZA CONSUMERISTA. CONDENAÇÃO DA VENDEDORA E DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEMANDADAS AO LEVANTAMENTO DO GRAVAME HIPOTECÁRIO INCIDENTE SOBRE O IMÓVEL ADQUIRIDO PELOS AUTORES. PRETENDIDO AFASTAMENTO DA SÚMULA Nº 308 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE DISTINÇÃO QUE JUSTIFIQUE A NÃO OBSERVÂNCIA DO ENUNCIADO. ADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES PELO CONSUMIDOR. DIREITO DE PROPRIEDADE. HIPOTECA FIRMADA ENTRE O AGENTE FINANCEIRO E A INCORPORADORA. INEFICÁCIA PERANTE ADQUIRENTES DE BOA-FÉ. ALEGADA PRÉVIA CIÊNCIA DOS ADQUIRENTES QUANTO À POSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DO GRAVAME. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES. RESPONSABILIDADE PELO CANCELAMENTO QUE RECAI SOBRE O BANCO CREDOR. COMPROVAÇÃO, PELA VENDEDORA, DA...

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