Acórdão Nº 08615867320218205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 19-10-2023

Data de Julgamento19 Outubro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08615867320218205001
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0861586-73.2021.8.20.5001
Polo ativo
THAUANY BERNARDINO AFONSO DA SILVA
Advogado(s): GEONARA ARAUJO DE LIMA, SUELY FERNANDES RIBEIRO DE SOUSA
Polo passivo
GUANABARA EMPRESA DE TRANSPORTE COLETIVO LTDA
Advogado(s): CLARA BILRO PEREIRA DE ARAUJO


PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Gab. Des. Vivaldo Pinheiro na Câmara Cível


Apelação Cível nº 0861586-73.2021.8.20.5001

Origem: 6ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN

Apelante: Thauany Bernardino Afonso da Silva

Advogadas: Geonara Araújo de Lima (OAB/RN 16.005) e Outra

Apelada: Guanabara Empresa de Transporte Coletivo S/A

Advogada: Clara Bilro Pereira de Araújo (OAB/RN 16.115)

Relator: Desembargador VIVALDO PINHEIRO

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, SUSCITADA NAS CONTRARRAZÕES: ALEGADA INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL. APELO QUE REBATE OS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. REJEIÇÃO. MÉRITO: SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA FUNDADA NA FALTA DE INTERESSE DE AGIR EM RAZÃO DE TRANSAÇÃO CELEBRADA ENTRE AS PARTES. ACORDO FIRMADO POR PREMENTE NECESSIDADE E INEXPERIÊNCIA. VÍCIO CONSTATADO (LESÃO). ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. EXEGESE DO ART. 157 E 171, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO DO FEITO E SUBMISSÃO À PERÍCIA MÉDICA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA DE OFÍCIO COM O RETORNO DOS AUTOS. APELO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, conhecer e dar provimento ao apelo e, de ofício, anular a sentença, determinando o retorno dos autos para regular instrução do feito, nos termos do voto do Relator.


RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por Thauany Bernardino Afonso da Silva contra sentença proferida pelo Juízo da 6ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN, nos autos da presente Ação Indenizatória, que julgou improcedente a pretensão inicial, condenando a parte autora ao pagamento das custas e honorários sucumbenciais, estes fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa, ficando suspensa a exigibilidade por ser beneficiária da justiça gratuita.

Por meio de seu apelo, a Autora sustenta ter aceitado o acordo proposto pela empresa apelada devido seu estado de necessidade, por estar frágil e sem norte, passando necessidade financeira por ela e seu marido estarem desempregados e, ainda, por não ter noção, na época, das sequelas que iria carregar.

Informa que passou muitos meses internada, sem poder ver sua filha, uma criança de dois anos de idade.

Insiste ter direito à uma reparação digna e, ao final, postula pelo provimento do recurso para julgar procedentes os pedidos iniciais.

Em sede de Contrarrazões, a apelada suscita preliminar de não conhecimento do recurso por afronta ao princípio da dialeticidade.

No mérito, aponta a carência de ação por ausência de interesse de agir, tendo em vista que as partes firmaram acordo quase um semestre após o sinistro, quando a apelante tinha plena ciência da extensão dos danos sofridos, de modo que um mero arrependimento do valor anteriormente acordado não deve resulta na relativização do documento particular, válido e eficaz, celebrado entre pessoas capazes.

Pugna pelo desprovimento do apelo ou, subsidiariamente, que os autos retornem ao juízo de origem para regular instrução probatória.

Com vista dos autos, a 6ª Procuradora de Justiça declinou de sua intervenção no feito.

É o relatório.

VOTO

I – Preliminar de Não Conhecimento do Recurso, suscitada nas Contrarrazões.

Em sede de contrarrazões, a apelada aponta inobservância do princípio da dialeticidade recursal, pretendendo, com isso, o não conhecimento do apelo.

Pelo princípio da dialeticidade, "(...) compete à parte insurgente, sob pena de não conhecimento do recurso, infirmar especificamente os fundamentos adotados pela decisão objurgada (...)". (AgRg no RMS 19.481/PE, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/11/2014)

Na espécie, observando o recurso interposto, resta nítido que este contém as razões de fato e de direito que justificariam o pedido de reforma da sentença, impugnando devidamente os fundamentos em que se apoiou o comando sentencial.

Ante o exposto, rejeito a preliminar suscitada.

MÉRITO

Conforme relatado, debate-se nos autos o suposto direito da apelante a perceber indenização por danos materiais e morais, além de pensionamento em razão de atropelamento envolvendo ônibus da empresa apelada.

A magistrada sentenciante julgou improcedente o pleito autoral por compreender que não havia qualquer vício de consentimento no acordo acostado aos autos, reconhecendo, com isso, a validade da transação celebrada entre as partes e da quitação ofertada.

Como tese de defesa, a autora argumenta que aceitou a proposta ofertada pela requerida por estar enfrentando estado de necessidade, estando desempregada ela e seu marido, enquanto a apelada sustenta ausência de interesse de agir diante do acordo celebrado e, ainda, que o mero arrependimento do valor anteriormente acordado não deve resultar na relativização de documento particular, válido e eficaz, celebrado entre pessoas capazes.

Na situação em particular, de acordo com a narrativa dos autos, no dia 04/11/2020, a autora foi atropelada por um ônibus da empresa Guanabara, o que resultou em várias lesões graves (trauma no fêmur e fratura exposta de joelho direito – Id 19491343), tendo de passar por cirurgias e permanecer internada por cerca de três meses e meio.

Não há discussão sobre a existência e gravidade do dano em si, até porque resta fartamente comprovado nos autos por fotos e laudos médicos.

A tese apresentada pela recorrida consiste exclusivamente na carência de ação por falta de interesse de agir em razão das partes terem celebrado acordo válido e eficaz, no qual afirmaram nada mais ter a pleitear (Id’s 19491440 e 19491441).

Segundo os termos acordados, a Guanabara pagou à autora o valor de R$ 4.752,53 (quatro mil, setecentos e cinquenta e dois reais e cinquenta e três centavos), sendo R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) a título de indenização por danos morais e o restante pelos danos materiais.

Ocorre que, embora a magistrada a quo tenha considerado válida a transação, chama atenção a desproporcionalidade entre o valor ofertado pela empresa e a gravidade do dano vivenciado pela autora.

Aliado a isso, o primeiro acordo, envolvendo apenas o auxílio às despesas médicas no valor de R$ 236,49 (duzentos e trinta e seis reais e quarenta e nove centavos), foi celebrado quando a autora ainda estava internada e assinado apenas por seu marido. (Id. 19491440)

Já o segundo, foi firmado após menos de um mês e meio da alta hospitalar da demandante, assinado por ela, seu esposo e um representante da empresa, sem a presença de advogado que os pudesse instruir. (Id. 19491441)

A par disso, o art. 171 do Código Civil admite a anulação de negócio jurídico por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.”

Por sua vez, o art. 157, caput, do mesmo diploma legal, estabelece que ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.”

Noutras palavras, para anulação do negócio jurídico com base no vício do art. 157 do CC (lesão) faz-se necessária a presença dos elementos objetivo (prestação desproporcional) e subjetivo (premente necessidade ou inexperiência).

Seguindo essa linha interpretativa, cito precedentes dos tribunais pátrios:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE E REVISÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. VÍCIOS NO NEGÓCIO JURÍDICO. LESÃO. VALOR DA VERBA HONORÁRIA. CONTEXTO FÁTICO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. HONORÁRIOS RECURSAIS. MAJORAÇÃO. I- A nulidade do negócio jurídico deve ser declarada, quando plenamente demonstrada a existência de vício de consentimento das partes, ou seja, erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão, ou fraude contra credores, conforme estabelece o artigo 171, inciso II, do Código Civil. II- A lesão, nos termos do art. 157 do Código Civil, ocorre quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, obriga-se a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. Configurados, no caso, o elemento objetivo (desproporção da verba indenizatória) e os elementos subjetivos da lesão (premente necessidade/inexperiência), a anulação do acordo e a fixação proporcional da verba indenizatória é medida que se impõe. III- Quanto ao valor arbitrado a título de verba indenizatória fixado pelo Magistrado singular, deve-se asseverar que o mesmo levou em consideração todo contexto fático, tendo sido observado os valores fixados em terras correspondentes à época dos fatos, bem como observando o laudo de avaliação assinado por engenheiro agrônomo, anexado no ev. 3, doc. 5, fls. 49/55, o qual não foi questionado em contestação, bem como não foi solicitado a realização de prova técnica para confrontá-lo, haja vista que intimado para indicar as provas que pretendia produzir, permaneceu silente (certidão ev. 3, doc. 87). IV- Evidenciado o desprovimento do apelo, impende majorar a verba honorária fixada, conforme disposto no artigo 85, §11º, do Código de Processo Civil, observada a condição de parte beneficiária da gratuidade da justiça. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJGO. Apelação Cível n º 0381280-92.2014.8.09.0036, 2ª Câmara Cível, Rel. Des. Amaral Wilson de Oliveira, publicado em 27/04/2021)


EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. PERMUTA DE IMÓVEIS. IMPOSSIBILIDADE DO OBJETO. NÃO VERIFICAÇÃO. INCAPACIDADE CIVIL. LAUDO PERICIAL. DISCERNIMENTO E CAPACIDADE DE COMPREENSÃO PRESERVADOS. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. CONFIGURAÇÃO DO INSTITUTO DA LESÃO. DESPROPORCIONALIDADE.INEXPERIÊNCIA. ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. RETOMADA DO
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