Acórdão Nº 08629037220228205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 21-12-2023

Data de Julgamento21 Dezembro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08629037220228205001
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0862903-72.2022.8.20.5001
Polo ativo
UNIMED NATAL SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO
Advogado(s): RODRIGO MENEZES DA COSTA CAMARA
Polo passivo
KALLYNE DAYSE MENDES BEZERRA MEIRA
Advogado(s): FLAVIA DA CAMARA SABINO PINHO MARINHO

EMENTA: CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA C/C DANOS MORAIS. JULGAMENTO DE PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. PLANO DE SAÚDE. PACIENTE GESTANTE COM DIAGNÓSTICO DE TROMBOFILIA E HISTÓRICO DE ABORTOS. INDICAÇÃO MÉDICA DE ADMINISTRAÇÃO DO FÁRMACO CLEXANE 80 MG (ENOXAPARINA SÓDICA). NEGATIVA DE COBERTURA PELA OPERADORA DE SAÚDE SOB A ALEGAÇÃO DE EXCLUSÃO CONTRATUAL DE MEDICAMENTO DE USO DOMICILIAR E AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DA ANS. DESCABIMENTO. PARECER MÉDICO QUE DEVE PREVALECER. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. EXISTÊNCIA DE RECOMENDAÇÃO DE INCORPORAÇÃO DA MEDICAÇÃO SOLICITADA PELA COMISSÃO NACIONAL DE INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – CONITEC PARA TRATAMENTO DE GESTANTES COM TROMBOFILIA. INCIDÊNCIA DO ART. 10, § 10, DA LEI Nº 9.656/98. ILEGITIMIDADE DA RECUSA DE COBERTURA EVIDENCIADA. DANO MORAL CONFIGURADO. PLEITO DE MINORAÇÃO DO VALOR REPARATÓRIO ARBITRADO. NÃO ACOLHIMENTO. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO DE ACORDO COM OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta pela Unimed Natal Sociedade Cooperativa de Trabalho Médico em face da sentença proferida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Natal que, nos autos da Ação Ordinária com Pedido de Tutela Antecipada c/c Danos Morais nº 0862903-72.2022.8.20.5001, ajuizada em seu desfavor por Kallyne Dayse Mendes Bezerra Meira, julgou procedente a demanda nos seguintes termos (ID 21900630):

[...]

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por KALLYNE DAYSE MENDES BEZERRA MEIRA em face de UNIMED NATAL - SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO LTDA., para reconhecer a obrigação da demandada em autorizar e custear o fornecimento do medicamento ENOXAPARINA SÓDICA (80mg) na quantidade indicada na prescrição médica, pelo que torno definitiva a decisão proferida no Id. 87753676.

Condeno a ré a pagar à autora, a título de danos morais, a importância de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor este acrescido de juros legais de 1% (um por cento) ao mês e correção monetária contados a partir desta data, nos termos da súmula 362 do STJ (aplicando-se, em relação aos juros, o brocardo ubi idem ratio, ibi idem jus).

Condeno, ainda, a ré nas custas e despesas processuais, bem como em honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.”

Em suas razões recursais (ID 21900633), a operadora de saúde ré sustenta, em síntese, que: a) Trata-se de medicamento de uso domiciliar, modalidade não abrangida no contrato firmado entre as partes; b) A negativa para o tratamento se deu por não ser obrigação do plano de saúde, já que o procedimento não está previsto no rol da ANS; c) resta nítido que o custeio do medicamento Enoxaparina sódica, visado nestes autos, não encontra guarida contratual, o que se evidencia perfeitamente válido e eficaz, pois traduz nada além do equilíbrio, dever de informar e boa-fé contratual, razão pela qual não é razoável interpretação em sentido diverso; d) Não houve qualquer negativa infundada, tendo a operadora de saúde atuado em conformidade com o contrato e a lei, de modo que não estão presentes os requisitos autorizadores do dever de indenizar; e) No caso específico do plano do qual é signatário o recorrido, o cálculo atuarial não foi feito com base nos valores de tratamentos realizados da forma pleiteada; f) Mesmo após a entrada em vigor da Lei nº 14.454/2022, o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS continua sendo taxativo; e g) Subsidiariamente, deve ser reduzido o quantum indenizatório fixado a título de danos morais, porquanto ultrapassa a razoabilidade e permite o enriquecimento sem causa da parte adversa.

Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso para que, reformando a sentença proferida, seja afastada a condenação imposta. Subsidiariamente, requereu a redução do quantum indenizatório.

Intimada, a parte autora ofereceu contrarrazões ao recurso (ID 21900645).

Ausentes as hipóteses do art. 178, do CPC/2015, desnecessária a intervenção do Ministério Público.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cinge-se o mérito recursal em perquirir acerca da licitude ou não da conduta da operadora Apelante em negar autorização para o fornecimento do fármaco Clexane 80 mg (Enoxaparina Sódica), ao argumento de que se trata de medicamento de uso domiciliar, o que afastaria a obrigatoriedade de cobertura.

Inicialmente, cumpre destacar que a relação jurídica travada entre as partes da presente demanda se submete às regras estatuídas no Código de Defesa do Consumidor, nos termos da Súmula nº 608, do Superior Tribunal de Justiça, in litteris: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.

A partir desse contexto, os contratos de planos de saúde submetidos à regência da legislação consumerista devem ser interpretados e aplicados em conformidade os direitos estatuídos no art. 6º, da Lei 8.078/90, respeitando-se, sobretudo, o direito à informação adequada, à transparência e à proteção contra cláusulas abusivas, que agravem a condição de hipossuficiência do consumidor.

Nesse desiderato, o art. 47, do CDC, estabelece que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

No caso vertente, a parte autora, ora Recorrida, foi diagnosticada com “trombofilia” e histórico de perdas gestacionais (ID 21900571), tendo o médico assistente indicado tratamento através do uso do medicamento “Clexane (enoxaparina sódica 80 mg)”, durante toda a gestação, conforme laudo médico acostado ao ID 21900572.

Noutro giro, a operadora de saúde ré negou o fornecimento do fármaco solicitado sob a justificativa de inexistir obrigatoriedade em fornecer terapêutica de uso domiciliar, além de a medicação não constar no rol de procedimentos e eventos da ANS.

Contudo, em que pese os argumentos lançados pela Recorrente, é cediço que, havendo prescrição médica indicando a premente necessidade do tratamento, não se afigura possível a recusa, pela operadora de saúde, em autorizar ou custear o procedimento, sobretudo ao argumento de que não existe cobertura contratual ou previsão no rol da ANS.

In casu, restou devidamente demonstrada a imprescindibilidade do uso do medicamente, com vistas a assegurar a continuidade da gestação, dado o alto risco de abortamento, devendo ser ponderado, portanto, a prevalência do direito à vida e à dignidade, de índole constitucional, sobre quaisquer outras normas previstas em regulamento, ou mesmo em contrato.

No ponto, oportuno registrar que, desde 06/07/2021, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) tornou pública a decisão de incorporar a enoxaparina 60 mg/0,6 mL injetável para a prevenção de tromboembolismo venoso em gestantes com trombofilia, nos termos da Portaria SCTIE-MS Nº 35, de 6 de julho de 2021.

Incontinenti, entrou em vigor a Medida Provisória nº 1.067, de 02 de setembro de 2021, que modificou a Lei nº 9.656/98 para dispor sobre a atualização das coberturas no âmbito da saúde suplementar, fazendo constar, expressamente, que as tecnologias avaliadas e recomendadas positivamente pela Conitec, cuja decisão de incorporação ao SUS já tenha sido publicada, seriam incluídas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar no prazo de até trinta dias.

Referida MP foi convertida na Lei nº 14.307, de 3 de março de 2022, mantendo a alteração da Lei dos Planos de...

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