Acórdão Nº 08797681520188205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 01-12-2021

Data de Julgamento01 Dezembro 2021
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08797681520188205001
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
2ª TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0879768-15.2018.8.20.5001
Polo ativo
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Advogado(s):
Polo passivo
RAUL OMAR DE OLIVEIRA DANTAS
Advogado(s): RICARDO CESAR FERREIRA DUARTE JUNIOR

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS

SEGUNDA TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA

RECURSO CÍVEL INOMINADO VIRTUAL Nº 0879768-15.2018.8.20.5001

JUÍZO ORIGINÁRIO: JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL/RN

RECORRENTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

ADVOGADA: PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

RECORRIDO: RAUL OMAR DE OLIVEIRA DANTAS

ADVOGADOS: RAPHAEL DE ALMEIDA ARAÚJO (OAB/RN 8.763) e RICARDO C.F. DUARTE JÚNIOR (OAB/RN 7.834)

RELATORa: Juíza VALÉRIA MARIA LACERDA ROCHA

EMENTA: RECURSO INOMINADO. JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE LEGALIDADE DE ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. ANALISTA MINISTERIAL DA ESPECIALIDADE DE ENGENHARIA QUE PRETENDE ACUMULAR SEU CARGO NO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL COM O EXERCÍCIO DO ENCARGO DE PERITO DO PODER JUDICIÁRIO POTIGUAR. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO INTERPOSTO PELO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PUGNANDO PELA REFORMA DO JULGADO SOB O ARGUMENTO DE VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE ACUMULAÇÃO DO CARGO DE ANALISTA MINISTERIAL COM O ENCARGO DE PERITO JUDICIAL. REJEIÇÃO. PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL DE ACÚMULO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES PREVISTA NO ART. 37, XVI E XVII, DA CF/1988, QUE NÃO SE APLICA AOS PARTICULARES EM COLABORAÇÃO COM O PODER PÚBLICO. PERITO JUDICIAL QUE SE CARACTERIZA COMO AGENTE PARTICULAR CREDENCIADO OU HONORÍFICO EM COLABORAÇÃO COM O PODER PÚBLICO. POSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO DO MÚNUS PÚBLICO DE PERITO JUDICIAL COM O EXERCÍCIO DE CARGO NO MINISTÉRIO PÚBLICO. INAPLICABILIDADE DO ENTENDIMENTO FIRMADO PELO CNJ NA CONSULTA 0002581-95.2012.2.00.0000, QUE TRATA UNICAMENTE DA IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE CARGOS DO PODER JUDICIÁRIO COM O EXERCÍCIO DE PERITO JUDICIAL. RESOLUÇÃO 233/2016 DO CNJ E RESOLUÇÕES 005/2018 E 006/2018 DO TJRN QUE VEDAM O EXERCÍCIO DO ENCARGO DE PERITO JUDICIAL APENAS AOS OCUPANTES DE CARGOS PÚBLICOS NO ÂMBITO DO PODER JUDICIÁRIO. REGRAS PROIBITIVAS QUE DEMANDAM INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Decidem os Juízes que integram a Segunda Turma Recursal Temporária dos Juizados Especiais Cíveis, da Fazenda Pública e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao recurso inominado, nos termos do voto da relatora. Sem custas processuais. Honorários advocatícios de 10% sobre o valor corrigido da causa.

Natal/RN, 21 de setembro de 2021.

Valéria Maria Lacerda Rocha

Juíza Relatora

RELATÓRIO

Trata-se de recurso inominado interposto por ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, no qual pugna pela reforma da sentença que julgou totalmente procedente a pretensão autoral de declaração da licitude na acumulação do cargo público de Analista do Ministério Público do Rio Grande do Norte com a função de perito do Poder Judiciário Potiguar. A decisão hostilizada assim se pronunciou.

SENTENÇA

Vistos. Em razão da desnecessidade de produção de outras provas, o presente caso comporta a aplicação do instituto do julgamento antecipado do mérito. RAUL OMAR DE OLIVEIRA DANTAS, já qualificado e representado por advogados regularmente constituídos, ingressou com ação declaratória em desfavor do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, buscando a obtenção de tutela jurisdicional que lhe garanta a possibilidade de, não obstante já ocupar o cargo público de Analista Ministerial – Especialidade Engenharia Civil junto ao Ministério Público Estadual, atuar como perito judicial no âmbito do Poder Judiciário potiguar (id. n.º 35610153). O pedido de tutela provisória de urgência foi indeferido (id. n.º 39955548). O ente público demandado foi citado e apresentou contestação, oportunidade na qual sustentou a improcedência da pretensão do autor (id. n.º 42600303). No mais, dispensado o relatório. Seguem motivação e decisão. A Constituição Federal de 1988 regulamenta o tema da acumulação remunerada de cargos públicos da seguinte maneira:

Art. 37. (Omissis)

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas(...)

Num primeiro momento, a apreciação literal do texto da Lei Maior permite inferir que o legislador constituinte não autorizou que o cidadão ocupante de cargo público, sujeito às regras do regime jurídico estatutário, exerça, simultaneamente, a função de perito judicial. Contudo, tanto as normas-princípio como as normas-regra devem ser interpretadas não somente sob o prisma formal (ou gramatical, como preferem alguns), mas também sob uma ótica material. O princípio da legalidade (art. 37, caput, da Constituição da República), cardeal para o regime jurídico-administrativo, deve ser aplicado na sua mais perfeita extensão. A Administração Pública não deve obediência apenas a lei em sentido formal, mas ao ordenamento jurídico como um todo unitário. Com fundamento nessa linha de raciocínio, tem sido cada vez mais comum encontrar na literatura jurídica textos doutrinários defendendo uma ressignificação do princípio da legalidade, o qual deveria passar a ser chamado de princípio da juridicidade administrativa. No entanto, conforme o exposto, essa redefinição está longe de se restringir ao ponto de vista meramente conceitual. Acerca do tema, já tive a oportunidade de escrever as seguintes linhas, acerca de um "princípio da juridicidade robustecido":

Viu-se que o princípio do Estado de Direito adquiriu um novo significado a partir da metade do Séc. XX, quando o Estado passou a ostentar uma dimensão material, caracterizada pela revalorização dos direitos individuais e políticos e pelo reconhecimento dos direitos sociais também como direitos fundamentais. Essa dimensão material obrigou uma nova interpretação do princípio da juridicidade, sendo hoje uma das mais importantes especificações do princípio do Estado de direito o princípio da constitucionalidade. Enquanto no Estado liberal a juridicidade terminou por se satisfazer com um juízo de mera legalidade, isto é, com a submissão da Administração e dos tribunais à lei, a redescoberta da indispensabilidade da existência de um núcleo intangível de valores do homem fez com que o Estado voltasse a se subordinar em primeiro lugar à Constituição e somente depois à lei. Houve uma acentuada mudança de paradigma de interpretação do Direito, já que as leis passaram a ser interpretadas em conformidade com a Constituição e não mais como sucedia antes, em que a Constituição era interpretada em função da lei. A Constituição, portanto, como produto do poder constituinte, deve figurar no cume do ordenamento jurídico - princípio da supremacia constitucional -, como lei fundamental do Estado e da sociedade, condição indispensável ao asseguramento dos direitos fundamentais dos cidadãos. Por isso mesmo, em um Estado de Direito democrático, a validade de todos os actos do poder público, seja no exercício da função legislativa, seja no exercício das demais funções, fica, em regra, na dependência de sua conformidade com as normas constitucionais. Ademais, esclareça-se que o respeito à legalidade continua sendo um imperativo do Estado de direito, que teve apenas sua importância diminuída em face da Constituição, devendo a organização estatal ser dotada também de mecanismos de fiscalização da legalidade, com recurso em último caso aos tribunais. O Estado, então, em suas diversas actuações, precisa atender, simultaneamente se possível, à Constituição e às leis, a fim de respeitar o que dimana do princípio da juridicidade. Para que se entenda a afirmação feita no parágrafo anterior, é necessário ter em vista que o princípio da juridicidade é interpretado de forma diversa quando se está diante do desempenho da função jurisdicional e da função administrativa, ambas funções secundárias do Estado(...) A Administração Pública deve obediência em primeiro lugar à lei, não estando autorizada a proceder a um controlo de constitucionalidade dos actos legislativos com vistas a recusar sua aplicação, mesmo quando ofensivos a direitos fundamentais, salvo casos excepcionais. A função jurisdicional, tanto quanto a função administrativa, encontra-se vinculada à legalidade(...) justamente porque sendo a lei expressão da vontade democrática, compete a esta exercer, em primeiro lugar, a mediação do Direito. Mas a função jurisdicional, diferentemente, está em primeiro lugar vinculada à Constituição e só em segundo plano à legalidade(...) devendo então negar aplicação aos actos legislativos que não se conforme com a Constituição(...)1

Tendo em conta essa premissa, depreende-se que o autor pode continuar exercendo o cargo público de Analista Ministerial – Especialidade Engenharia Civil junto ao MP/RN e, ao mesmo tempo, disponibilizar o seu nome para o Poder Judiciário do Estado para, uma vez designado pelo Juízo natural competente, exercer a função de perito judicial. É que a redação do inciso XVI do art. 37 do texto constitucional proíbe a acumulação remunerada de cargos públicos, entendendo-se “cargo público” como a posição ocupada por servidor público estatutário na estrutura administrativa de determinado órgão estatal. Tal expressão não engloba os particulares em colaboração com o Poder Público, os quais também são agentes públicos, a exemplo dos servidores estatutários, mas com estes não se confundem. Os particulares que atuam em regime de...

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