Acórdão Nº 08930160920228205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 16-11-2023
Data de Julgamento | 16 Novembro 2023 |
Classe processual | APELAÇÃO CÍVEL |
Número do processo | 08930160920228205001 |
Órgão | Segunda Câmara Cível |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
Processo: | APELAÇÃO CÍVEL - 0893016-09.2022.8.20.5001 |
Polo ativo |
SRB COMERCIO DE PRODUTOS FARMACEUTICOS LTDA - EPP |
Advogado(s): | VANESSA CRISTINA MARONNA MORIMOTO, GUSTAVO MURAD RODRIGUES OLIVEIRA, RENAN ALVES DO NASCIMENTO |
Polo passivo |
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE |
Advogado(s): |
Apelação Cível n° 0893016-09.2022.8.20.5001
Órgão Julgador: 2ª Câmara Cível.
Apelante: SRB COMÉRCIO DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA
Advogados: Vanessa Cristina Maronna Morimoto e Gustavo Murad Rodrigues Oliveira
Apelado: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Relatora: BERENICE CAPUXÚ (Juíza Convocada)
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SENTENÇA DE INDEFERIMENTO DA INICIAL. APELAÇÃO CÍVEL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA AUTORIDADE IMPETRADA. PODER DE FISCALIZAR PRODUTOS DERIVADOS DA CANNABIS É DA ANVISA. DEMANDA QUE NECESSITA DE UMA ANÁLISE MAIS APROFUNDADA DOS FATOS E ALEGAÇÕES, JÁ QUE O OBJETO DO LITÍGIO SE FIRMA EM CRITÉRIO TÉCNICO DE LIBERAÇÃO DE COMERCIALIZAÇÃO E MANIPULAÇÃO DE SUBSTÂNCIA ESPECÍFICA DERIVADA DA CANNABIS. DILAÇÃO PROBATÓRIA QUE NÃO É COMPATÍVEL COM A VIA ELEITA. CORRETO INDEFERIMENTO DA INICIAL. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, por unanimidade, em consonância com o parecer do 70º Promotor de Justiça em substituição na 13ª Procuradoria de Justiça, Vitor Emanuel de Medeiros Azevedo, conhecer e negar provimento à apelação, nos termos do voto da Relatora.
RELATÓRIO
SRB COMÉRCIO DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA (ID 20692676) em face da sentença proferida pelo Juízo de Direito da 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN (ID 20692672) que indeferiu a petição inicial nos termos do artigo 10 da Lei nº 12.016/2009 em virtude da falta de comprovação de direito líquido e certo da impetrante.
Em suas razões recursais aduziu:
a) a apelante, além de todas as licenças exigidas às farmácias de manipulação possui referida autorização especial (AE ANVISA nº 1.38197.3), que é justamente a licença expedida para autorizar as farmácias operarem com todos os medicamentos controlados;
b) “Na impetração do mandamus, consubstanciando-se na Constituição Federal, nas Leis federais 5.991/731 e 13.021/142, na Portaria SNVS MS 344/983, atualizada pela RDC 473/20214 requer o reconhecimento da licitude de operar com referidos insumos, bem como a abstenção da autoridade coatora na aplicação de novas sanções, intimações, autuações, multas ou ainda na recusa da emissão de licenças, documentos ou alvarás fundamentadas nos mesmos motivos”;
c) “de acordo com as Leis Federais 5.991/73 e 13.021/14, tanto as farmácias com manipulação, como as sem manipulação, possuem autorização para comércio de drogas, insumos, e medicamentos, donde se conclui que a diferenciação feita entre elas pela RDC 327/19 extrapolou o poder regulamentar e fiscalizador da agência respectiva, na medida em que criou restrição não prevista em Lei” e, ao exercer seu poder fiscalizatório com base em nome infra legal que contraria Lei Federal, a autoridade coatora coloca a impetrante/apelante em situação de vulnerabilidade ante a imininência de sofrer inúmeras sanções de diversas naturezas; e
d) recentemente, a própria Agência Reguladora emitiu parecer técnico de avaliação e aprovação do medicamento denominado MEVATYL (canabidiol + tetraidrocanabiol), com diversas indicações terapêuticas e comprovados critérios de segurança e eficácia, tudo a demonstrar que o princípio ativo de medicamentos objeto do writ encontra respaldo em estudos científicos e na certeza de sua eficiência no tratamento de diversas patologias devendo, portanto, ser reformada a sentença.
Ao final, postulou a reforma da sentença para reconhecer o direito líquido e certo da apelante consistente na licitude da manipulação, comércio, aquisição de matérias primas e insumos farmacêuticos, com produtos lícitos derivados de cannabis, assim entendidos todos aqueles que a autoridade sanitária federal regula em suas normativas, ou seja, os constantes da RDC 327/19 ou outra que lhe venha substituir, bem como das listas C1, A3 ou outras da Port. 344/98, conforme suas atualizações que venham a compor a relação de insumos autorizados pela ANVISA, tudo isso nas formas farmacêuticas oral, nasal, supositório, tópica dermatológica ou outras possíveis, bem como determinar à autoridade coatora que se abstenha de aplicar sanções, intimações, autos de infração, multa ou recusar-se de emitir licenças, documentos ou alvarás com fundamento na atuação legítima com produtos derivados de cannabis, em sua forma manipulada ou industrializada (comércio).
Preparo recolhido (ID 20692682).
Sem contrarrazões conforme certidão de decurso de prazo (ID 20692685).
Com vistas dos autos, o 70º Promotor de Justiça em substituição na 13ª Procuradoria de Justiça, Vitor Emanuel de Medeiros Azevedo, opinou pelo acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva ad causam com a consequente denegação da segurança a teor do artigo 6º, §5º, da Lei nº 12.016/2009 e, caso ultrapassada essa questão prévia, pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
Inicialmente registro que o Representante do Parquet afirma que a apelante laborou em equívoco ao endereçar o mandado de segurança à autoridade responsável pela Vigilância Sanitária Estadual, eis que a competência para autorizar o comércio dos produtos derivados da cannabis recai sobre a ANVISA.
Penso que a preliminar em estudo deva ser acolhida.
Estabelecem os artigos 7ºe 8º da Lei nº 9.8782/1999:
“Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:
Omissis
VI - administrar e arrecadar a taxa de fiscalização de vigilância sanitária, instituída pelo art. 23 desta Lei;
VII - autorizar o funcionamento de empresas de fabricação, distribuição e importação dos produtos mencionados no art. 8º desta Lei e de comercialização de medicamentos;
VIII - anuir com a importação e exportação dos produtos mencionados no art. 8º desta Lei;
IX - conceder registros de produtos, segundo as normas de sua área de atuação;
Omissis
XIV - interditar, como medida de vigilância sanitária, os locais de fabricação, controle, importação, armazenamento, distribuição e venda de produtos e de prestação de serviços relativos à saúde, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;
XV - proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;
XVI - cancelar a autorização de funcionamento e a autorização especial de funcionamento de empresas, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;
Omissis
XXIV - autuar e aplicar as penalidades previstas em lei;
Omissis
XXVII - definir, em ato próprio, os locais de entrada e saída de entorpecentes, psicotrópicos e precursores no País, ouvido o Departamento de Polícia Federal e a Secretaria da Receita Federal.
§ 1º A Agência poderá delegar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a execução de atribuições que lhe são próprias, excetuadas as previstas nos incisos I, V, VIII, IX, XV, XVI, XVII, XVIII e XIX deste artigo.
Art. 8º Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública.
§ 1º Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência:
I - medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias;
Especificamente no tocante à fabricação, comercialização, dispensação, monitoramento e fiscalização de produtos de cannabis para fins medicinais, a RDC n.º 327/2019 não descurou da competência da ANVISA:
Art. 7° A Anvisa concederá Autorização Sanitária para a fabricação e a importação de produtos de Cannabis.
Art. 69. A Vigilância Sanitária poderá, a qualquer momento, fazer inspeções em todos os estabelecimentos da cadeia de produção, distribuição e comercialização, bem como apreender amostras para realização de análises fiscais dos produtos de Cannabis.
Vejo que a medida se faz necessária, tendo em vista que a impetrante busca a concessão de determinação judicial para que possa realizar atos de manipulação de fármaco, cuja autorização ainda não foi conferida pela ANVISA.
Dessa forma, apesar da responsabilidade de prover a política pública de saúde ser comum aos entes públicos, mostra-se necessária a inclusão da União no polo passivo desta demanda, posto que a avaliação da medida pretendida depende do aval de órgãos e entidades administrativas federais, conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal.
Não obstante tal fato, compartilho, ainda, do pensamento do Magistrado sentenciante no sentido de que a pretensão da impetrante de ser habilitada para o comércio varejista de produtos farmacêuticos com manipulação de fórmula de diversas categorias, notadamente produtos derivados da cannabis demandam uma dilação probatória, eis que o objeto do litígio se firma em critério técnico de liberação de comercialização e manipulação de substância específica, sendo imprópria esta apreciação na via eleita do mandado de segurança.
Portanto, seja pela ilegitimidade passiva, seja pela inadequação da via eleita, ambas situações ensejam no indeferimento da inicial nos termos do artigo 10º da Lei nº 12.016/2009.
Diante do exposto, conheço e nego provimento à apelação, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas na forma da lei e sem condenação em honorários advocatícios.
É como voto.
BERENICE CAPUXÚ (Juíza Convocada)
Relatora
Natal/RN, 13 de Novembro de 2023.
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