Acórdão nº 50000052220168210096 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 04-02-2021

Data de Julgamento04 Fevereiro 2021
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50000052220168210096
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20000397397
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000005-22.2016.8.21.0096/RS

TIPO DE AÇÃO: Comodato

RELATOR: Desembargador EDUARDO JOAO LIMA COSTA

APELANTE: ODACIO MATEUS POZZATTI (AUTOR)

APELADO: ROQUE DE MORAIS (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por ODACIO MATEUS POZZATTI contra a sentença que julgou improcedente a ação de reintegração de posse n. 50000052220168210096, movida contra ROQUE DE MORAIS.

O dispositivo da sentença está assim redigido (ev. 2 - Sentença 27):

"Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido de reintegração de posse, com base no art. 487, inc. I, do CPC.

Condeno a parte requerida ao pagamento das custas e honorários advocatícios ao procurador da parte autora, que fixo em R$ 1.500,00, levando-se em conta a simplicidade da lide e o trabalho realizado.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se."

A parte apelante, ODACIO MATEUS POZZATTI, em suas razões recursais, sustenta que a parte ré não trouxe prova aos autos de modo a comprovar que recebeu o imóvel por doação.

Afirma que o demandado sabe que o imóvel pertence ao autor/apelante e que reconhece como válido e verdadeiro o contrato firmado entre eles.

Diz que a prova testemunhal e documental produzida nos autos evidencia sua posse anterior no imóvel.

Pondera que se o "requerido reconheceu o demandante como proprietário para fins de elaboração do contrato firmado, não pode agora, sob pena de evidente caracterização de má-fé, desconhecer tal realidade".

Defende a impossibilidade de caracterização da usucapião especial rural pelo réu, porquanto o autor sempre utilizou a propriedade para extração agropecuária e que a utilização do imóvel deu-se por força do contrato carreado a fl. 15 dos autos.

Destaca a impossibilidade de reconhecimento da usucapião extraordinária, pois o réu nunca exerceu a posse com animus domini.

Salienta que a alegada doação não ocorreu de acordo com o previsto no ordenamento jurídico, razão pela qual não há justo título do réu.

Requer o provimento do apelo.

Recurso dispensado do preparo por litigar com amparo no benefício de assistência judiciária gratuita.

Contrarrazões apresentadas (ev. 2 - Contrarrazões 30), sem inovar no debate.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, pois presentes seus requisitos de admissibilidade.

FATO LITIGIOSO

Trata-se de ação de reintegração de posse ajuizada por ODACIO MATEUS POZZATTI contra ROQUE DE MORAIS ao argumento de que cedeu, por meio da celebração de contrato de comodato (embora tenha sido nominado de locação), em 04.10.1996, o imóvel situado na Localidade de Ribeirão, Entrada da Localidade de São Rafael, no Município de São João do Polesine/RS.

Refere o autor que, após diversas tentativas de reaver o imóvel, notificou o réu, em 25.04.2013, para que desocupasse o imóvel em questão no prazo de trinta dias, mas não obteve êxito, de forma que estaria caracterizado o esbulho possessório.

A sentença julgou improcedente a ação de reintegração de posse por acolher a exceção de usucapião suscitada pelo réu.

Apela a parte autora.

Enfrento as teses.

REINTEGRAÇÃO DE POSSE. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO

A sentença julgou improcedente a ação de reintegração de posse em virtude do reconhecimento da exceção de usucapião suscitada pela parte demandada.

A usucapião constitui um modo de aquisição do domínio, em face da posse continuada durante determinado lapso de tempo, em razão da posse mansa, pacífica e com animus domini.

Inicialmente, é de se destacar que a parte ré/apelada (Roque de Morais) admite a posse do imóvel em debate por autorização expressa do proprietário registral e pai do autor (fato também comprovado pelos depoimentos das testemunhas), circunstância que afasta o animus domini da parte demandada, pelo menos até a morte daquele, fato ocorrido em 02.03.2001.

Portanto, a exceção de usucapião somente pode ser considerada a contar desta data, 02.03.2001, ou seja, a tese de doação e animus domini somente faz sentido a partir da morte do proprietário registral.

Fixada tal premissa, necessário ressaltar que entre 02.03.2001 e a data em que ocorreu a notificação extrajudicial, 25.04.2013, transcorreu um lapso temporal de aproximados treze anos, não havendo nada nos autos que comprove a existência de oposição da parte autora/apelante à posse exercida pelo réu/apelado, de modo que, em relação a este período, está caracterizada a posse com animus domini exercida pelo réu.

A contestação ofertada pelo réu defende a ocorrência da usucapião na modalidade constitucional, extraordinária (art. 1.238 do CCB) e de labor (art. 1.239, CCB). Todavia, pelos elementos de prova dos autos não é possível o reconhecimento da ocorrência da usucapião constitucional (art. 191 da CRFB/88 e 1.239 do CCB), pois se trata de residência que conta com apenas uma pequena horta no local, de modo que não estão caracterizados os requisitos previstos nesses dois dispositivos legais indicados.

Aqui é necessário destacar que o domínio do réu sobre a área da residência e pequena horta não se confunde com o restante da gleba arrendada para terceiros e respeitado por aquele. Deve ser observado o limite traçado pela sentença no que tange ao imóvel como sendo aquele ocupado pelo réu e na posse incontroversa do restante pelo autor. Deste modo, desimporta ao deslinde da controvérsia que as áreas no entorno do imóvel em questão estejam arrendadas para terceiros, porquanto a lide em análise se limita ao reconhecimento da usucapião no tocante a residência e de uma pequena horta existente ao lado do imóvel.

Entrementes, pela prova dos autos é possível concluir que o réu/apelado atende aos requisitos previstos no art. 1.238, §1º, do CCB, que prevê a usucapião em sua modalidade ordinária, sendo exigida posse qualificada pelo prazo de dez anos, mas indepedente de justo título ou boa-fé, desde que o requerente estabeleça residência no imóvel, justamente o caso dos autos.

A corroborar este entendimento, destaco que o próprio autor/apelante não negou que o demandado/apelado reside no imóvel há aproximados vinte anos, a despeito do animus domini ser observado apenas a partir da morte do proprietário registral, em 02.03.2001.

Por outro lado, a despeito das alegações da parte autora/apelante, Odácio Mateus Pozzatti, no sentido de que o contrato (de locação ou de comodato) supostamente celebrado estaria vigente, razão pela qual não haveria animus domini da parte ré/apelada (Roque de Morais), o próprio instrumento previa seu termo em 04.02.1997, ao passo que a parte ré/apelada permaneceu na posse do imóvel até a data da notificação, 25.04.2013, sem oposição ou embaraço a sua posse.

As testemunhas ouvidas em juízo também relataram que a posse do réu vem de longa data, senão vejamos:

Eneci Cláudio Marchesam, testemunha compromissada (ev. 04 - Arquivo de Video 2), relatou que o Sr. Roque havia solicitado junto ao pai do autor que fosse residir no local, porquanto sua mãe também residia em local próximo; disse que o Sr. Roque residia no local desde, pelo menos, antes da morte do proprietário registral do bem e pai do autor.

Silviana Alvarez, testemunha compromissada (ev. 05 - Arquivo de Video 01), relatou que o Sr. Roque reside no local há aproximados 20/22 anos; que o Sr. Roque mudou-se para o local com sua família em razão do trabalho, mas que permaneceu na residência tomando conta do local como se proprietário fosse; disse não ter conhecimento da realização de nenhum contrato entre os litigantes.

Vicente Antonio, testemunha compromissada (ev. 05 - Arquivo de Video 02), relatou que conhece o Sr. Roque há vinte anos e que ele ocupa o bem como se fosse proprietário, além de ser agricultor e possuir uma pequena horta ao lado da residência.

Por todo o exposto, é possível concluir que está presente o animus domini da parte ré/apelada (Roque de Almeida), pois alega ter recebido o imóvel por meio de doação (a qual exige escritura pública) realizada pelo genitor da parte autora/apelante. E a tal doação apenas é meio de configurar e reafirmar o animus domini da parte interessada. Ademais, conforme já referido, a usucapião em sua modalidade extraordinária prescinde de justo título (art. 1.238, CCb), razão pela qual não tem relevância o argumento da eventual irregularidade formal na doação do bem imóvel. O que tem relevo, no caso concreto, é que o réu acredita ter recebido o bem em doação, razão pela qual exerce sua posse com animus domini. Conforme destacado pela sentença, o Sr. Roque acreditava que o pai do autor, Sr. Rafael, havia deixado o imóvel como doação em virtude do companheirismo existente entre ambos.

Conforme fundamentado na sentença impugnada, o que se denota dos autos é que, a despeito da controvérsia acerca do contrato celebrado, a parte ré possui o imóvel em questão com animus domini, desde a morte do proprietáario registral (fato ocorrido em 02.03.2001) tendo havido oposição a esta posse somente em abril de 2013, quando o réu foi notificado pelo autor, de modo que estão presente os requisitos previstos no art. 1.238, §1º, do CCb a autorizar o reconhecimento da exceção de usucapião, pois passados treze anos entre o início da posse ad usucapionem e a oposição da parte autora.

Portanto, a parte...

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