Acórdão nº 50000084220128210152 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 30-06-2022

Data de Julgamento30 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50000084220128210152
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002369596
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000008-42.2012.8.21.0152/RS

TIPO DE AÇÃO: Fiscalização

RELATORA: Desembargadora VIVIAN CRISTINA ANGONESE SPENGLER

APELANTE: EDI SILIPRANDI - ESPÓLIO (Espólio) (AUTOR)

APELADO: ALCIMAR DACKO (RÉU)

APELADO: MARLI BERTOTTI DACKO (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelações interpostas por ESPÓLIO DE EDI SILIPRANDI (autora) e ALCIMAR DACKO e MARLI BERTOTI DACKO (réus), nos autos da Ação Cobrança c/c Indenizatória em que contendem.

Os pedidos da autora foram julgados nos seguintes termos (ev. 3.15):

Em face do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulado por ESPÓLIO DE EDI Siliprandi contra ALCIMAR DACKO e MARLI BERTOTI DACKO, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para o efeito de CONDENAR os requeridos a complementar os pagamentos realizados ao requerente, utilizando-se, para tanto, da cotação da saca de soja mercado disponível, em substituição à cotação de balcão, nas datas em que anunciados os pagamentos, conforme exposto na fundamentação, a ser apurado em liquidação de sentença, por arbitramento, a ser realizado por engenheiro agrônomo.

Ditas diferenças devem sofrer correção monetária, pelo IGPM, a partir da data em que deveriam ter sido pagas, além de juros legais, de 1% ao mês, a contar da mesma data, uma vez que se trata de violação a disposição contratual expressa em obrigação com termo certo.

Custas por metade.

Quanto aos honorários advocatícios, arcarão os requeridos com seu pagamento, em favor do patrono do autor, no montante de 15% do valor atualizado da condenação, com base nos vetores do art. 85, § 2º, do CPC. O fato de ser o valor dos honorários fixado com base na condenação já serve de compensação à sucumbência recíproca, dispensando a fixação de honorários em favor dos requeridos.

Contra a decisão os réus opuseram Embargos de Declaração, assim julgados:

A autora, em suas razões de apelo, sublinha que de acordo com o contrato, a cotação da soja a ser admitida no cálculo do negócio é aquela do dia do efetivo pagamento e não a data anunciada pelos réus na hora de adimplir. Entende que se havia dúvida sobre a quem pagar, ou quando pagar, os réus deveriam verificar as informações com antecedência. Salientam que as mudas de eucalipto entregues em pagamento eram deficientes e de baixa qualidade. Transcreve o depoimento das testemunhas sobre o processo de plantio utilizado e parte do laudo pericial, ressaltando que o expert considerou cenário hipotético e não a situação verificada no caso concreto, com exame técnico no local. Tece considerações sobre o laudo apresentado. Refere que o pedido de compensação dos valores pagos a maior, formulado pelos réus e acolhidos em decisão dos Embargos de Declaração, não pode ser admitido, pois não deduzido em contestação ou reconvenção. Pugna pelo provimento do apelo visando ao acolhimento integral dos pedidos iniciais (ev. 3.18).

Os réus também apelam. Em suas razões recursais alegam que a autora não comprovou a existência de uma diferença de preço na cotação da soja disponível e da soja de balcão. Entendem que a cotação da saca de soja deveria ser em estabelecimento comercial da cidade ou da região, porém, a cotação apresentada pela autora é de estabelecimento com sede em Chapecó/SC, município de outro estado, 50km distante de Erval Grande. Sustentam que os ônus da sucumbência devem ser redistribuídos, pois os autores sucumbiram em maior parte dos pedidos, porquanto improcedente o pedido indenizatório relacionado às mudas de eucalipto. Argumentam que o juízo a quo admitiu a compensação de honorários advocatícios, o que é vedado por lei. Pugnam pelo provimento do apelo (ev. 3.19).

Em contrarrazões a autora invoca a ofensa ao princípio da dialeticidade. Entende que a tese de que não existe diferença entre os preços da soja disponível e de balcão é eivada de má-fé (ev. 3.20).

Os réus também apresentam suas contrarrazões ao apelo (ev. 3.20, págs. 15-31).

É o breve relatório.

VOTO

Recebo ambos os recursos porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

O art. 1.010, inciso III, do Código de Processo Civil, que positiva o princípio da dialeticidade, norteador do sistema recursal, dispõe que cumpre à parte recorrente apresentar as razões de sua inconformidade para pedir a reforma da decisão.

Assim dispõe a lição de Tereza Arruda Alvim Wambier e Fredie Didier Jr. :

3. Razões recursais. Anexadas à petição de interposição, deverão ser articuladas as razões recursais, nas quais a parte recorrente suscitará as questões fáticas e jurídicas componentes de sua irresignação relativamente à sentença. Quanto à composição da fundamentação do recurso (se serão fáticas e jurídicas as razões recursais, ou se exclusivamente jurídicas), há que se considerar o motivo da interposição do recurso, se proveniente de error in procedendo (erro de caráter processual incorrido pelo órgão judicante, caso em que as razões recursais terão cunho fundamentalmente de direito) ou se procedente de error in judicando (erro de juízo, vale dizer, de subsunção da norma ao fato, hipótese em que os motivos recursais poderão ter fundamentação fático-jurídica).

No caso concreto, não vislumbro ofensa ao aludido preceito, pois considero que os réus atacaram os fundamentos da sentença com coerência fática e jurídica.

Rejeito, da mesma forma, a alegação de que os réus agem com má-fé processual quando afirmam inexistir diferença de cotação entre a “soja de balcão” e a soja disponível, pois das razões de apelo extrai-se que a alegação é fundada na ausência de prova dessa diferença e justificativa de que a diferença, em verdade, diz respeito à cotação da soja utilizada pela autora, original de outra região produtora.

A propósito, é de amplo conhecimento que a comercialização de soja pode ser realizada em diferentes modalidades, como a venda de balcão, spot/disponível, mercado futuro, barter, entre outras. Em cada uma dessas modalidades o ajuste do preço segue suas particularidades, que em relação à cotação da soja disponível e de balcão foram didaticamente explicadas pelo juízo singular no bojo da sentença.

Basta uma breve pesquisa no internet e será possível constatar, em sites especializados, que a cotação da soja tem particularidades diversas, inclusive regionais.

Daí porque não vinga a tese dos réus, de que entre a cotação spot/disponível e a cotação de balcão não há diferença de preço. Não obstante, os réus têm razão quando afirmam que a cotação deve ter por base a soja comercializada na região de Erval Grande/RS.

A previsão contratual acerca do pagamento não deixa margem de dúvidas sobre a conversão do valor da soja pela cotação no mercado disponível. Quanto ao ponto, reproduzo a cláusula contratual, tal como constou na sentença:

“(...)Tinham contratado a venda, como de fato vendido tinham aos outorgados compradores Alcimar Dacko e Marli Bertoti Dacko, os quais efetuarão o pagamento da seguinte forma: a) o valor equivalente a 19.352 (dezenove mil, trezentos e cinquenta e dois) sacas de soja, tipo comercial, livres de impureza e umidade, que, à época da celebração da transação, remontava R$ 538.000,00, cujo produto deverá ser entregue em 4 (quatro) parcelas de 4.838 (quatro mil oitocentos e trinta e oito) sacas de soja por ano, vencendo-se a primeira em 30 de julho de 2008 e as demais no mesmo dia e mês dos anos seguintes até a última parcela vencível em 30 de julho de 2011, devendo o produto ser disponibilizado, em favor dos vendedores na cidade de Erval Grande ou região, em local a ser indicado pelos vendedores. Em caso de não ser disponibilizado o produto (soja), por qualquer razão, poderão os compradores efetuar o pagamento correspondente às parcelas, em moeda corrente, tomando-se por base, para tanto, o preço da saca de soja, mercado disponível, na cidade ou região, junto às empresas especializadas tradicionalmente, conforme cotação do dia do efetivo pagamento (...)” – Grifei.

O juízo singular bem definiu que a cotação dos grãos deve seguir o histórico do mercado disponível. Não obstante, tenho que a data a ser considerada é a data do efetivo pagamento, não a data em que o pagamento era anunciado.

CHAVES e ROSENVALD, ao discorrem sobre o adimplemento, estabelecem premissas metodológicas sobre a extinção das obrigações. Em trecho de conhecida obra doutrinária1 esclarecem que adimplemento só se poderá cogitar quando houver o atendimento voluntário, adequado e direto da obrigação – adimplemento em sentido estrito. Neste senso o adimplemento equivale aos vocábulos cumprimento, pagamento, solução e execução. Aliás, ao contrário do que sugere a linguagem corrente, o termo “pagamento” não se exaure na satisfação e obrigações pecuniárias, mas no genérico atendimento à prestação devida, seja e obrigações de dar, fazer ou não fazer”.

Em outro trecho da mesma obra os autores complementam: Do exposto, extrai-se que o pagamento stricto sensu (ou direto) é a realização pontual da prestação pelo devedor, com satisfação dos interesses objetivos do credor.

A obrigação, portanto, considera-se extinta com o adimplemento, quando satisfeita em conformidade com o que foi ajustado e ao encontro dos interesses do credor

Digo isso porque, a despeito de os réus anunciarem a cotação da soja para pagamento em um dia, viu-se que em outro dia, de fato, era realizado o pagamento. Ocorre que a cotação dos grão sofre variação diária, motivo pelo qual ganha relevo determinar, precisamente, em qual dia deve/deveria ser realizado o pagamento.

Anunciar o pagamento não equivale a pagar. Admitir que assim seja – o que digo apenas hipoteticamente – equivale admitir que o devedor tem direito de exigir a quitação antes mesmo de pagar, ou seja,...

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