Acórdão nº 50000121520048210070 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 11-08-2022

Data de Julgamento11 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50000121520048210070
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002569926
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000012-15.2004.8.21.0070/RS

TIPO DE AÇÃO: Honorários Profissionais

RELATORA: Desembargadora JUCELANA LURDES PEREIRA DOS SANTOS

APELANTE: DK ESQUADRIAS INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. (RÉU)

APELADO: MAA E CASTRO CONSULTORES ASSOCIADOS LTDA SC (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por DK ESQUADRIAS INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. e de recurso adesivo interposto por MAA E CASTRO CONSULTORES ASSOCIADOS LTDA. S.C. contra a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos da ação de cobrança ajuizada contra DK ESQUADRIAS INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA., nos seguintes termos (evento 5, procjud 11, fls. 25/36):

"Ante o exposto, forte no art. 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado por MAA E CASTRO CONSULTORES ASSOCIADOS LTDA em face de DK ESQUADRIAS INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA, para condenar a demandada ao pagamento dos honorários advocatícios pactuados no contrato de fls. 66/67 – e adendos de fls. 68/70 –, cujo quantum será apurado e arbitrado em liquidação de sentença por arbitramento, conforme exposto em fundamentação.

Considerando a sucumbência recíproca das partes, condeno a parte autora ao pagamento de 30% das custas processuais, e a ré ao pagamento de 70% das despesas.

Outrossim, condeno a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios ao procurador da parte autora em 10% sobre o valor da condenação – que será apurada em liquidação –, desde que não inferiores a R$1.000,00 (mil reais). Ainda, condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios em favor do procurador da demandada no valor de R$1.000,00 (mil reais)."

Opostos embargos declaratórios pela apelante, foram rejeitados (procjud 11, fls. 40/44 e 45).

Em suas razões, a apelante postula seja decretada a nulidade da sentença pela ausência de fundamentação, na medida em que não enfrentou todos os argumentos e provas trazidos por ela para comprovar a inexigibilidade dos honorários contratuais cobrados. Subsidiariamente, pede a reforma da sentença para afastar sua condenação nos honorários pleiteados, porque os advogados da banca autora se utilizaram de um engodo contra a empresa demandada, induzindo-a a firmar um contrato cujo objeto principal (consultoria empresarial para compensação do débito tributário com títulos da dívida pública) era juridicamente impossível à época, conforme uníssona jurisprudência dos Tribunais Superiores, os quais vedavam a compensação da dívida fiscal com títulos públicos. Também afirma jamais ter recebido os títulos da dívida pública vendidos pela autora a fim de serem compensados do débito tributário. Alternativamente, pede seja declarada a nulidade do contrato por ofensa ao dever de informação e à boa-fé objetiva nas relações contratuais. Também defende a inexigibilidade dos honorários, porque não houve a compensação da dívida tributária prometida pela autora, o que lhe fez com que ela se visse obrigada a buscar o refinanciamento das dívidas pelos programas do governo estadual e federal "Em Dia" e "PAES", respectivamente. Caso mantida sua condenação, requer seja reconhecido o adimplemento substancial do contrato, porque foram pagos R$199.125,00 dos R$249.000,00 contratados, faltando apenas R$49.875,00 que só não foram pagos após a descoberta do engodo sobre a compensação da dívida fiscal. Por fim, pede a inversão dos encargos sucumbenciais contra a autora ou, caso mantida a condenação, sejam os ônus sucumbenciais rateados à metade (procjud 11, fls. 49/50; procjud 12, fls. 1/17).

Por sua vez, a recorrente adesiva postula a reforma da sentença para afastar a incidência do CDC, porque se trata de contrato advocatício regido pelo Estatuto da OAB, bem como, para afastar a necessidade de liquidação do julgado, na medida em que ficou provada a prestação integral do serviço jurídico e o respectivo inadimplemento parcial, sendo este último valor líquido devido. Por fim, pede a concessão da AJG (procjud 12, fls. 21/46).

Apresentadas as contrarrazões (procjud 13, fls. 2/16 e 23/33).

Os autos foram digitalizados nesta instância recursal.

Indeferida a AJG postulada pela recorrente adesiva, foi intimada para efetuar e comprovar o preparo nos autos, fazendo-o tempestivamente (evento 7 e 11).

Foi observado o disposto nos artigos 931 e 934 do CPC.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos legais de admissibilidade, conheço dos recursos.

Os recursos prosperam em parte.

Não há falar em nulidade da sentença, uma vez que suficientemente fundamentada, de acordo com o disposto no art. 489 do CPC e no art. 93, inc. IX, da CF. Ao contrário do alegado pela demandada, o julgador indicou os principais fatos narrados e, sempre que possível, fez referência aos respectivos documentos e à norma aplicável, demonstrando o cuidado em individualizar a decisão, além de deixar clara a análise das questões de fato e de direito capazes de interferir no convencimento sobre a possibilidade da cobrança dos honorários contratuais.

Também ressalto ser inaplicável o CDC, pois a matéria combatida tratar de relação de mandato, e não de consumo. Logo, é descabido aplicar as regras consumeristas. A respeito do tema, filio-me ao entendimento consolidado no âmbito do STJ, no sentido da inaplicabilidade do CDC às relações contratuais envolvendo advogados e clientes (AgRg no AgRg no AREsp 773476/SP).

No que se refere à matéria de fundo, é inequívoca a relação jurídica existente entre as litigantes, decorrente da assinatura do "contrato de prestação de serviços advocatícios e fornecimento de títulos", firmado em 25.08.1999 no valor de R$249.000,00, posteriormente aditado em 1º.08.2001, 17.09.2002 e 02.12.2002 para readequar o valor das prestações mensais, o qual tinha como objeto a representação da demandada na "ação de compensação e resgate de títulos, como forma de quitação de débitos junto à União e Fazenda Estadual [...] no montante de R$830.000,00" (procjud 2, fls. 17/18).

Não se têm dúvida acerca da contratação, conforme relatórios juntados com a inicial (procjud 1, fls. 14/50; procjud 2, fls. 1/16). A discussão devolvida ao Tribunal diz respeito à higidez do contrato e ao possível adimplemento substancial da dívida, pois a demandada já pagou R$199.125,00, dos R$249.000,00 ajustados, faltando apenas R$49.875,00 (equivalente a 20% do total).

O contrato é válido e eficaz em sua forma, porém seu conteúdo levanta fortes suspeitas sobre a viabilidade jurídica do seu objeto (consultoria empresarial para compensação do débito tributário com títulos da dívida pública).

Embora o objeto principal fosse juridicamente viável à época da contratação, sua efetiva realização era praticamente impossível no plano fático. Isso porque, compulsando o banco de jurisprudência deste Tribunal e dos Tribunais Superiores, encontrei julgados admitindo referida compensação - desde que os títulos apresentados pelo devedor fossem aceitos pelo Fisco.

Fato é que a Fazenda Pública quase nunca admitia os títulos da dívida pública como forma de compensação do débito tributário, por ausência de liquidez na Bolsa de Valores e por afronta à legalidade:

"CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PRISÃO DE DEPOSITÁRIO INFIEL. POSSIBILIDADE NOS PRÓPRIOS AUTOS DA EXECUÇÃO. DESNECESSIDADE DE AÇÃO DE DEPOSITO. INDISPENSÁVEL QUE A PERDA DA GUARDA TENHA DECORRIDO DE ATO VOLUNTARIO DO POSSUIDOR, MEDIANTE AÇÃO OU OMISSÃO CULPOSA. EXEGESE CONSOLIDADA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES. TÍTULOS DA DIVIDA PUBLICA ESTADUAL. DESFUNDAMENTACAO DA DECISÃO. QUANDO A DECISÃO NAO IMPEDE A ELABORAÇÃO DE RAZOES RECURSAIS DETALHADA, ATACANDO O CRENE DA QUESTÃO, NAO SE NULIFICA A DECISÃO POR AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA. CORRETA A DECISÃO QUE NAO DEFERE SUBSTITUIÇÃO DE BENS PENHORADOS POR TDPS. POSSIBILIDADE SOMENTE DIANTE DA CONCORDÂNCIA DO CREDOR PORQUE A EXECUÇÃO E EM SEU BENEFICIO. PEDIDO FORMULADO QUANDO JA DECORRIDO O PRAZO PARA NOMEAÇÃO DE BENS A PENHORA, SITUAÇÃO QUE TRANSFERE O DIREITO AO CREDOR. COMPENSAÇÃO. NAO CONFIGURAÇÃO DE SEUS PRESSUPOSTOS. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 599361045, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Wilson Carlos Rodycz, Julgado em: 05.08.1999)"

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. TÍTULO DA DÍVIDA PÚBLICA. RECUSA DO EXEQUENTE. DUVIDOSA LIQUIDEZ DO TÍTULO. LEGITIMIDADE DA RECUSA. ORDEM LEGAL DO ART. 11, DA LEI 6.830/80. COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. MATÉRIA PACÍFICA. I - O título da dívida pública só será considerado de fácil liquidez se puder ser negociado na bolsa de valores, à semelhança dos títulos de crédito. II - Não tendo cotação em bolsa, tais títulos não se enquadram no inciso II da ordem legal do art. 11, da Lei de Execuções Fiscais, mas sim no inciso VIII do mesmo artigo (direitos e ações). III - A compensação tributária somente é permitida entre tributos da mesma espécie (art. 66, § 1º da Lei 8.383/91), entendimento pacificado no âmbito desta Corte. IV - Agravo regimental desprovido. (AgRg no AG 452.093/RS, Primeira Turma do STJ, Relator Ministro Francisco Falcão, Julgado em: 12.11.2002)"

Ademais, o fato de a demandada ter colacionado "apenas" duas jurisprudências...

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