Acórdão nº 50000132820198210020 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 16-02-2023

Data de Julgamento16 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50000132820198210020
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003168712
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000013-28.2019.8.21.0020/RS

TIPO DE AÇÃO: Irregularidade no atendimento

RELATOR: Desembargador JOAO MORENO POMAR

APELANTE: BIANCHINI SA INDUSTRIA COMERCIO E AGRICULTURA (RÉU)

APELADO: HENRIQUE SILVA DE SOUZA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

REPRESENTANTE LEGAL DO APELADO: MARIA DE FATIMA CABRERA DA SILVA (Pais) (AUTOR)

RELATÓRIO

BIANCHINI SA INDÚSTRIA, COMÉRCIO E AGRICULTURA apela da sentença que julgou os embargos monitórios que opôs em face de HENRIQUE SILVA DE SOUZA, representado por MARIA DE FÁTIMA CABRERA DA SILVA, assim lavrada:

Vistos.

Henrique Silva de Souza, menor representado por sua genitora, ajuizou ação monitória em face de Bianchini S.A. Disse ser único herdeiro dos bens deixados por ocasião do falecimento de seu pai, Mário Cesar Scherer de Souza, ocorrido em 2008, asseverando que a ré teria faturado a totalidade da produção agrícola do falecido, na quantidade de 35.455 kg de soja padrão comercial, equivalente a 640,91 sacas de soja, destinando os recursos daí advindos a terceira pessoa. Postulou a procedência, condenando-se a parte ré ao pagamento da quantia equivalente (evento 1).

Indeferida a AJG (evento 10), cuja decisão foi reformada em sede de agravo.

A ré apresentou embargos monitórios (evento 39). Disse que houve desacerto financeiro entre a genitora do menor, Maria de Fátima, com sua avó, Elizabete (mãe do pai do menor), de modo que estaria a parte embargada tentando "coagir" a embargante a pagar novamente a soja. Asseverou que deveria referida ação ser ajuizada contra sua avó, que teria representado o falecido na condição de procuradora em 31/03/2008 (3.000kgs), quando Mário ainda estava hospitalizado, e em 03/04/2008 (38.455kgs), dois dias após seu óbito. Disse que Elizabete compareceu na empresa de posse do talão de notas de produtor de Mário,oque configuraria um mandato verbal e tácito. Postulou a procedência dos embargos e a improcedência da ação monitória.

Impugnação aos embargos no evento 46.

As partes foram intimadas sobre as provas (evento 48), ocasião em que a parte embargada postulou o julgamento antecipado do feito (evento 53), e a embargante requereu a produção de prova oral (evento 54).

Durante a instrução, foi tomado o depoimento pessoal da representante do autor (evento 83), encerrando-se a instrução e abrindo-se prazo às partes para razões finais escritas.

Em razões finais, a parte embargante ratificou suas alegações, tecendo considerações sobre as provas produzidas (evento 84).

Em parecer, o Ministério Público (evento 100) opinou pela rejeição dos embargos, bem como pela procedência da ação monitória.

Vieram-me os autos conclusos para sentença.

É o relato.

Fundamento e decido.

Inexistindo preliminares, passo ao exame do mérito.

Durante a instrução, foi ouvida a mãe do menor Henrique. Disse que seu marido faleceu em 1º de abril, tendo ficado hospitalizado desde o dia 29 de março. Disse que sua sogra estava junto com outros familiares quando soube do falecimento de seu esposo. Nem sabia que ele possuía grãos na Bianchini, pois era ele quem gerenciava os negócios familiares. Tempo depois ficou sabendo que sua sogra, já falecida, Elizabete, havia ido à Bianchini em torno do dia 2 ou 3 de março retirar os grãos. Na ocasião, estava com um filho pequeno - o autor -, e ninguém lhe disse sobre a existência dos grãos. Passou por dificuldades na época, tendo confiado cegamente em sua família, inclusive em sua sogra, que não a comunicou sobre o fato. Quando soube do acontecido teve uma crise nervosa. Disse que seu marido trabalhava sozinho, nunca tendo tido sociedade na plantação e colheita. Sabe que a retirada da soja ocorreu após o falecimento de seu marido.

Sabe-se que a ação monitória é plenamente cabível para quem postula, com base em prova escrita (no caso, o ofício do evento 1, Comprovante 6), entrega de coisa fungível (sacas de soja) ou pagamento de soma em dinheiro.

Neste diapasão:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO MONITÓRIA. Inépcia da inicial. Preliminar de inépcia da inicial afastada. Para a propositura da ação monitória, basta que o demandante traga aos autos prova escrita da existência do débito, sem eficácia de título executivo, conforme dispõe o art. 1.102-a, do CPC. Entrega de mercadorias. No caso concreto, a parte autora ingressou com a presente demanda lastreada em notas fiscais de venda, com os respectivos comprovantes de entrega das mercadorias assinados e carimbados, provas estas, mais do que suficientes para o ajuizamento da presente ação. Sentença e sucumbência mantidas. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70062050166, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ergio Roque Menine, Julgado em 16/04/2015) – grifei.

Logo, presentes os requisitos legais da Ação Monitória (art. 700 do CPC), possível a análise do mérito dos embargos monitórios.

A parte embargante reconhece que a quantidade de soja foi faturada pela sogra do falecido de maneira irregular, alegando, todavia, que o fato de esta ter ido à sua sede munida de talão de notas de produtor configuraria um mandato verbal e tácito e, por isso, inexistiria irregularidade em seu proceder.

Apesar de não se verificar má fé aparente por parte da embargante, tenho que os embargos comportam improcedência.

Inicialmente, porque é obrigação da ré, na condição de atuante em ramo em que há muito giro de sementes, não raras vezes de vultuoso valor, que atue com uma diligência mínima quanto aos cuidados que deve tomar quando da prática das transações que realiza, justamente para evitar situações como a presente.

Quanto à alegação trazida pela embargante de que, o fato de a mãe do falecido ter se dirigido à sua sede munida de talão de notas de produtor configuraria um mandato verbal, este não procede.

Embora o art. 656 do Código Civil admita expressamente a possibilidade de sua existência, tal circunstância deve ser minimamente provada nos autos, o que não ocorreu. Nenhuma prova foi produzida no sentido de que a posse de tal documento configurasse um mandato tácito ou verbal. O que houve - e, aparentemente, ainda há -, é a realização de uma prática despida de formalidades, nada segura e com o intuito de agilizar as transações, especialmente em tempo de safra.

Destarte, tendo sido a entrega dos valores feita a pessoa diversa que o autor, nem a realizada antes do falecimento - justamente pela inexistência de mandato -, nem a depois - pois claramente ofensiva ao princípio da saisine e ao direito hereditário do autor - foi realizada de forma legal, razão por que a procedência da ação monitória é medida impositiva.

Observe-se, porém, que nada impede à ré buscar, através de eventual ação regressiva, o direito que possua em relação a Elizabete (ou ao seu espólio).

Quanto ao pedido principal, em que a parte autora atualiza o valor das sacas desde 2008, não prospera, à medida que o objeto do serviço prestado pela ré aos seus clientes é o do produto soja. Assim, deverá ser acolhido o pedido subsidiário constante na inicial.

Diante do exposto, na forma do artigo 487, inciso I, do CPC, DESACOLHO OS EMBARGOS MONITÓRIOS oferecidos e, sem prejuízo, JULGO PROCEDENTE o pedido monitório e CONSTITUO, de pleno direito, título executivo judicial em favor de Henrique Silva de Souza em desfavor da requerida Bianchini S.A, quanto à quantidade de 640,91 sacas de soja padrão comercial, data-base 16/09/2019, com dedução de Funrural, sobre a qual deverá incidir correção monetária pelo IGP-M, bem como acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.

Condeno o embargante/demandado ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios ao procurador do autor/embargado, os quais fixo em 10% sobre o valor do débito constituído, na forma do artigo 85, § 8º, do CPC.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.

A sentença foi alvo de embargos de declaração, os quais restaram desacolhidos (evento nº 121).

Nas razões sustenta que, conforme deduzido na defesa, aceitável a situação narrada por Elizabete e ainda considerando que portava os documentos fiscais necessários à comercialização da soja, foi efetuada a operação de compra; que é uma indústria de grãos que opera no mercado há mais de 6 décadas, sempre pautando sua atuação na ética, respeito, honestidade e mais ampla transparência com os produtores, comerciantes, cerealistas, de quem adquire a matéria-prima soja; que a mãe do falecido que já havia procedido a venda um dia antes do óbito, de posse do talão de notas do de cujus, compareceu dois dias após a morte do mesmo, portando os documentos fiscais, omitindo sobre o falecimento e arquitetando uma farsa que só veio ao conhecimento da apelante mais de uma década depois; que, ao portar o talão de notas de produtor do seu falecido filho, presumiu-se que Elizabete detinha os reais poderes tácitos/verbais para proceder a negociação, em respeito ao princípio da confiança e da boa-fé; que, na hipótese de manutenção do decisum do Juízo a quo, a apelante requer que seja condicionada a retirada dos grãos junto aos seus armazéns na unidade de Cruz Alta, ao prévio pagamento dos custos operacionais de recebimento, quebra técnica, armazenagem e expedição previstos na tabela de tarifas. Postula o provimento do recurso.

Contrarrazões no evento nº 133.

Vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas!

O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece conhecimento. Assim, analiso-o.

AÇÃO MONITÓRIA. ÔNUS DA PROVA.

A ação monitória comporta as modalidades pura, documental e mista. A espécie adotada pelo legislador brasileiro é a monitória documental porquanto exige prova...

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