Acórdão nº 50000148120198210159 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50000148120198210159
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20000947640
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000014-81.2019.8.21.0159/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATORA: Desembargadora ISABEL DIAS ALMEIDA

APELANTE: MAPFRE SEGUROS GERAIS S.A. (AUTOR)

APELADO: COOPERATIVA DE DISTRIBUICAO DE ENERGIA TEUTONIA - CERTEL ENERGIA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por MAPFRE SEGUROS GERAIS S.A. contra a sentença objeto do evento 105 da origem que, nos autos da ação de cobrança ajuizada em desfavor de COOPERATIVA DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA TEUTÔNIA - CERTEL ENERGIA, julgou a demanda nos seguintes termos:

ISSO POSTO, julgo IMPROCEDENTES os pedidos aforados por MAPFRE SEGUROS GERAIS SA em face de COOPERATIVA DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA TEUTONIA- CERTEL ENERGIA., e DECLARAR a ilegitimidade passiva frente ao pedido de ressarcimento do cliente João Carlos Zanella.

Condeno a autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em 15 % sobre o valor da causa, atualizado pelo IGP-M, desde a data da sentença, observados os vetores do artigo 85,§§, do CPCB.

Em suas razões (evento 117 da origem), a parte autora elabora relato dos fatos e aponta a desnecessidade de prévio requerimento administrativo. Defende a comprovação do nexo causal entre a queima dos equipamentos de seus segurados e a falha na prestação dos serviços da adversa, consoante laudos acostados aos autos exarados por profissionais capacitados e com conhecimentos técnicos na área de eletrônica, bem como através das fotografias e avisos de sinistro preenchidos e assinados pelos próprios consumidores. Sustenta a impossibilidade de apresentação dos equipamentos danificados, em razão do lapso temporal transcorrido. Invoca a aplicação do disposto no art. 208, §6º, da Resolução Normativa 141/2010 da ANEEL. Refere que a ré não produziu nenhuma prova no sentido da ausência de oscilação nos serviços prestados, tendo em vista que se limitou a apresentar informações unilaterais extraídas de seu sistema. Discorre sobre a responsabilidade objetiva da concessionária, nos termos do art. 37, §6º, da CF. Defende a aplicabilidade das normas do CDC. Colaciona jurisprudência. Pede a procedência da demanda com a inversão dos ônus sucumbenciais. Requer o provimento do recurso.

Apresentadas contrarrazões (evento 124 da origem), a parte requerida suscitou a preliminar contrarrecursal de ilegitimidade ativa e, no mérito, argumentou no sentido do desprovimento do recurso.

Intimada acerca da preliminar suscitada, a parte apelada informou que, à época do sinistro, a concessionária demandada era responsável pelo fornecimento de energia elétrica na área em que o segurado reside (evento 26).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Foram observados os dispositivos legais, considerando a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

O apelo é adequado, tempestivo e a autora comprova o recolhimento do preparo (evento 117 da origem - CUSTAS2), razão pela qual passo ao seu enfrentamento.

Para melhor compreensão da controvérsia, adoto o relato da sentença, vertido nos seguintes termos:

Vistos os autos...

I-PRELUDIO

MAPFRE SEGUROS GERAIS SA ajuizou ação de cobrança em face de COOPERATIVA DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA TEUTONIA- CERTEL ENERGIA., ambos qualificados, pontuando, em suma, que a demandada é concessionária de energia elétrica; por sua vez, a autora é companhia seguradora , com milhares de clientes com apólices de seguro contra panes elétricas, incluindo cobertura de danos decorrentes de alterações de tensão elétrica, queda de energia e falta de fornecimento por longos períodos e sem prévio aviso; os clientes Cooperativa Languiru, Fundação Agricola Teutonia, Laurentino P. L. ME , Delacy C. F.F, Jolvino J.P, Juvildes B., Agenor A B, João C. Z., Sandra M. A R. São atendidos pela demandada e tiveram equipamentos danificados por culpa desta; houve por parte da autora diligências e vistorias suficientes, inclusive relatório fotográfico; a autora realizou o pagamento dos sinistros aos clientes acima; narrou da responsabilidade objetiva da demandada; da ação regressiva; da correção monetária e juros; da procedência do pedido, condenando a demandada a pagar o valor correspondente à indenização paga pela requerente, a título de regresso e demais consectários de estilo. ( evento 01)

Juntou documentos.

Despacho inaugural evento 06.

Citada, a demandada apresentou contestação no evento 14, alegando em síntese apertada, em preliminar, possível enriquecimento ilícito da seguradora autora; da ilegitimidade passiva da demandada frente ao cliente João Carlos Zanella; da impossibilidade de cumulação de pedidos incompatíveis entre si; no mérito, os segurados citados na inicial jamais efetuaram qualquer reclamação administrativa dos danos ora em análise, oportunidade que, certamente, a demandada avaliaria pericialmente os pedidos de ressarcimento de danos; a autora não efetuou a Regulação dos sinistros; os equipamentos não foram periciados; narrou alguns tópicos dos documentos da autora, sobre os sinistros, demonstrando que se tratavam de sobrecarga/descarga atmosférica, um raio, cujos danos não possuem qualquer relação com o fornecimento de energia aos imóveis; inexistindo reclamação administrativa, para que a demandada tivesse oportunidade de analisar os equipamentos e o nexo causal, a demandada falece; os sinistros envolvem eventos em 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018; do não atendimento à Resolução Normativa 414/2010 da ANEEL ; os equipamentos não foram inspecionados; requereu, ao final, a improcedência da lide.

Réplica no evento 18.

Sentença terminativa evento 29.

Acórdão evento 56.

Petição no evento, onde a autora informa não ter a fatura de energia elétrica do cliente João Carlos Zanella.

RELATADOS.

DECIDO.

Sobreveio sentença de improcedência, razão da interposição do presente recurso pela autora.

De plano, rejeito a alegação de ilegitimidade ativa e suscitada em contrarrazões, porquanto, figurando a autora como a seguradora que conferiu cobertura aos danos sofridos pelos clientes da requerida, e que supostamente decorreram de falha dos serviços prestados, sub-rogou-se nos direitos dos consumidores, assim sendo legitimada para buscar o ressarcimento do prejuízo suportado em decorrência do contrato de seguro.

Além disso, a ré não logrou demonstrar a ausência de relação contratual com o segurado João Carlos Zanella, uma vez que inequivocamente prestava serviço de fornecimento de energia elétrica no logradouro mencionado na inicial (São José do Herval/RS) à época do sinistro (31-10-2018), tampouco indicou outra concessionária responsável, pois somente impugnou o número do endereço.

Atinente à questão de fundo, a discussão posta nos autos diz respeito ao dever da fornecedora de energia elétrica em ressarcir à autora, sub-rogada do prejuízo suportado pelo consumidor, que cobriu em virtude da existência de seguro, causado pelos danos elétricos nos equipamentos de propriedade do segurado.

Por oportuno, destaco que o acesso ao Poder Judiciário não pode ser condicionado à prévia solicitação ou oposição administrativa, sob pena de afronta ao art. 5°, XXXV, da Constituição Federal.

Aplica-se à ré a teoria da responsabilidade objetiva, eis que presta serviço público de fornecimento de energia elétrica, forte no disposto no art. 37, §6º, da CF/88. Nessa modalidade, a responsabilidade civil somente é afastada no caso de restar comprovada a ausência de nexo de causalidade entre o dano e a ação do agente ou ocorrência de caso fortuito ou de força maior.

Não bastasse, a demandada, como prestadora de serviço público essencial, enquadra-se na regra do art. 22 do Código de Defesa do Consumidor: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.”

A novel doutrina aponta o dever de qualidade nas relações de consumo como um dos grandes nortes instituídos pelo Código de Defesa do Consumidor, devendo assegurar-se segurança e eficiência aos serviços prestados aos consumidores, especialmente nas práticas relacionadas à prestação de serviços essenciais, como ocorre in casu.

Sobre o tema, transcrevo doutrina pertinente de Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin e Cláudia Lima Marques a respeito da matéria1:

Realmente, a responsabilidade do fornecedor em seus aspectos contratuais e extracontratuais, presentes nas normas do CDC (art. 12 a 27), está objetivada, isto é, concentrada no produto ou no serviço prestado, concentrada na existência de um defeito (falha na segurança) ou na existência de um vício (falha na adequação, na prestabilidade). Observando a evolução do direito comparado, há toda uma evidência de que o legislador brasileiro inspirou-se na idéia de garantia implícita do sistema da commom law (implied warranty). Assim, os produtos ou serviços prestados trariam em si uma garantia de adequação para o seu uso, e, até mesmo, uma garantia referente à segurança que deles se espera. Há efetivamente um novo dever de qualidade instituído pelo CDC, um novo dever anexo à atividade dos fornecedores. (...).

Na espécie, não há dúvida da ocorrência dos danos elétricos nos equipamentos dos segurados, não tendo a ré logrado afastar o nexo de causa entre a falha no fornecimento da energia elétrica com o prejuízo constatado, mesmo considerando a ocorrência de chuva e raios na data do evento danoso.

Daí por que entendo que a responsabilidade pelos danos causados aos segurados, cujo prejuízo foi suportado pela autora na condição de seguradora e que se sub-rogou no direito de cobrança dos danos à ofensora, é da concessionária prestadora do...

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