Acórdão nº 50000188420108210143 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 15-06-2022

Data de Julgamento15 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50000188420108210143
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002181906
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000018-84.2010.8.21.0143/RS

TIPO DE AÇÃO: Arrendamento rural

RELATOR: Desembargador CARLOS CINI MARCHIONATTI

APELANTE: GERSON LOPES RODRIGUES MACHADO (AUTOR)

APELADO: FRANCISCO MORAES HAAS (RÉU)

RELATÓRIO

GERSON LOPES RODRIGUES MACHADO, como demandante, interpõe apelação à sentença que julgou improcedente a ação de despejo de imóvel rural fundada em falta de pagamento de contrato verbal de arrendamento proposta a FRANCISCO MORAES HAAS (Evento 41).

Alega-se na petição recursal (Evento 46) que a existência do contrato verbal de arrendamento rural foi demonstrada mediante a notificação extrajudicial juntada com a petição inicial direcionada ao demandado, como também pela juntada de prova documental referente a pagamento parcial feito pelo arrendatário, aliadas à prova testemunhal na ação de reintegração de posse entre as partes (processo nº 143/1.09.0000291-6), de que a contraprestação era de 5 sacas de soja por hectare, de modo que sendo a área cultivada de 67 hectares, o valor anual do arrendamento era de 335 sacas de soja. Acaso não se entenda pela procedência da ação, requer-se a reabertura da instrução processual.

Em contrarrazões (Evento 50), o demandado requer a reafirmação da sentença.

Transcrevo a sentença para servir ao relatório e ao voto:

Vistos etc.

GERSON RODRIGUES MACHADO move ação de despejo de imóvel rural em face de FRANCISCO MORAES HAAS, ambos qualificados nos autos, relatando que arrendou verbalmente ao requerido um imóvel na localidade de Rincão Comprido, Tunas/RS, matrícula 354, com área total de 67 hectares, ao preço de 05 (cinco) sacas de soja por hectare ao ano, para exploração de lavoura temporária, com perpsectiva de renda anual do cultivo de soja em 335 sacas. Refere que ficou ajustado que o requerido plantaria a safra de verão e após a colheita trataria a terra e a devolveria ao autor com pastagem de inverno. Ocorre que a obrigação de pagamento do arrendamento não foi cumprida pelo réu de 2006 a 2009, totalizando R$ 42.277,10 de dívida atualizada até 15/9/2010, apesar de já notificado. Defende que o inadimplemento é causa legal para a rescisão do contrato de arrendamento e consequente despejo do arrendatário. Reclama seja o réu citado para purgar a mora. Não o fazendo, seja deferida liminar, sendo o réu proibido de cultivar a terra e o autor reintegrado na posse do imóvel. Ao final, reclama a procedência da ação, pela rescisão do contrato, despejo do arrendatário e condenação deste ao pagamento da dívida.

A liminar é indeferida, conforme decisão do Evento 2, OUT3, seq. 8.

Réu citado, contesta conforme Evento 2, CERT4, seq. 25. Afirma que está na posse do imóvel de 67 hectares desde 05/10/2005, a partir de carta de anuência pela qual o autor transmitiu a posse para exploração de atividades agrícolas, apenas com a contraprestação de que o mesmo mantivesse a área limpa e plantasse azevém e aveia para a pecuária nos períodos de engorda de maio a setembro. Não foi ajustado preço de arrendamento. Impugna o valor cobrado. Consequentemente, contesta a denúncia vazia e o pedido de despejo e retomada. Reclama, enfim, a improcedência.

O autor retorna com réplica (Evento 2, PET5).

Declarada a conexão com ação de reintegração de posse n. 143/1.09.0000291-6, proposta pelo aqui requerido em face do autor, sendo determinado o apensamento (PET5).

Audiência de conciliação realizada, não houve acordo (PET5, seq. 30).

Houve a oposição de incidente de falsidade de assinatura, n. 143/1.09.00001034-0, referente à carta de anuência referida no processo.

Juntada sentença de parcial procedência da ação de reintegração de posse n. 143/1.09.0000291-6, com condenação de Gerson Lopes Rodrigues a pagar a Francisco Moraes Haas uma indenização por perdas e danos. Sentença mantida em grau recursal (apelação n. 70063499842). (Evento 2, SENT6)

Incidente de falsidade documental julgado procedente, para declarar a falsidade da assinatura de Gerson Lopes Rodrigues no termo de anuência apresentado pelo réu (Evento 2, SENT6).

Autos digitalizados.

Digitalização parcialmente impugnada, são juntados documentos no Evento 31.

Indeferido pedido de prova testemunhal (Evento 31, DESP5).

Autos conclusos para sentença.

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

Presentes os pressupostos de constituição válida e desenvolvimento regular do processo.

A questão de mérito é de direito e de fato, sendo desnecessária complementação de prova além do que já consta nos autos e das ações conexas, razão pela qual passo ao julgamento do processo no estado em que se encontra.

Trata-se de ação de resilição de contrato verbal de arrendamento, por inadimplemento, cumulada com despejo/retomada e cobrança de alugueis.

Paralelamente, tramitaram ação de reintegração de posse e indenização proposta pelo ora requerido em face do aqui autor, sendo julgada parcialmente procedente; além de incidente de falsidade de assinatura em documento particular, julgado procedente conforme constou do relatório supra.

Do caso, depreende-se a ausência de notificação escrita formal por parte do arrendador, acerca do desinteresse prorrogação do contrato, o que implicou na prorrogação automática ao longo de anos, até a notificação e retomada do imóvel pelo proprietário representada pelo documento do Evento 2, INIC1, seq. 14.

Ocorre que sequer a alegada primeira notificação verbal depois de oito anos de contrato teve prova nos autos, contando apenas com o depoimento do próprio Gerson a respeito da alteração das condições do arrendamento no oitavo ano, passando a ser estabelecido um preço de aluguel.

Aliás, tudo foi verbal na relação entre as partes.

Gerson alegou que durante treze anos Francisco usou das terras do autor, sendo que por oito anos havia contrato verbal, segundo o qual Francisco faria uso do imóvel para plantar soja e daria a Gerson o pasto de inverno para pecuária. A partir do 8º ano, novamente de forma verbal, ajustaram pagamento de cinco sacas de soja por hectare plantado, sendo a área total de 67 hectares. No primeiro ano o arrendatário depositou 120 sacas e disse que mais tarde pagaria o resto, o que não se concretizou. Não bastasse, o próprio autor teve que passar a replantar as pastagens de inverno, porque o requerido não mais o fez.

Pois bem.

O ônus da prova, no caso de ausência de notificação do desinteresse na prorrogação do contrato de arrendamento, é de quem alega. Na espécie, a alegação de manifestação da intenção de resilição do contrato em seu consultório médico no 8º ano de arrendamento não conta com prova que milite em favor do autor.

Por meio do documento juntado no Evento 2, INIC1, seq. 14, o autor juntou notificação do arrendatário datada de 12/8/2010, com prazo de 10 dias para pagamento dos alugueis do arrendamento. A ação de despejo foi proposta imediatamente depois, em 16/9/2010.

Portanto, note-se que o referido documento foi confeccionado de forma unilateral pelo autor, dito arrendador. E, além desse documento, nenhum outro elemento material válido (lembrando-se que a carta de anuência trazida pelo réu teve reconhecida a falsidade da assinatura do autor).

Ora, controvertendo as partes sobre a existência ou não de contrato de arrendamento rural relativo à área de terras descrita na inicial, especialmente no que diz respeito à contrapartida acordada entre as partes para a permanência do réu na posse das terras, incumbia à parte autora comprovar os fatos alegados, de forma inequívoca, a teor do que preceitua o artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil. Mas não há elementos suficientes de que as partes pactuaram verbalmente um contrato de arrendamento rural com contrapartida financeira do requerido. Afinal, aos autos não aportaram informes alusivos a tratativas, pagamentos de valores, depósitos bancários ou outros elementos que permitissem comprovar a existência e a execução do negócio jurídico. De concreto mesmo, tanto das alegações das partes quanto dos depoimentos das testemunhas ouvidas na ação de reintegração de posse n. 143/1.09.0000291-6, o que se tem são oito anos de um acordo de amigos para que o réu permanecesse no imóvel para plantar soja e, em contrapartida, mantivesse pastagens de inverno para a pecuária do autor.

De resto, tudo gravita no campo das dúvidas.

Envolvendo a controvérsia matéria fática (existência de relação contratual verbal e suas condições e requisitos), a prova testemunhal era imprescindível para se ter por evidenciada a avença e sua execução. Entretanto, realizada audiência na reintegração de posse, a prova oral não foi precisa quanto às condições de ajustes entre as partes. Por conseguinte, a prova documental trazida aos autos não permitiu, como visto acima, concluir pela existência da contratação verbal do arrendamento rural, e nas condições financeiras a que alude a inicial.

Não se questiona aqui que os contratos agrários possam ser celebrados de forma verbal, conforme artigo 92, § 8º, do Estatuto da Terra:

“Art. 92. A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de contrato expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, nos termos desta Lei.

(...).

§ 8º Para prova dos contratos previstos neste artigo, será permitida a produção de testemunhas. A ausência de contrato não poderá elidir a aplicação dos princípios estabelecidos neste Capítulo e nas normas regulamentares.”

Também dispõe o artigo 14 do Decreto nº 59.566/66: “Art 14. Os contratos agrários, qualquer que seja o seu valor e sua forma poderão ser provados por testemunhas (artigo 92, § 8º, do Estatuto da Terra).”

Em verdade, considerando que...

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