Acórdão nº 50000202620218210157 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50000202620218210157
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003220510
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000020-26.2021.8.21.0157/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: FRANCISCO DOS SANTOS (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por FRANCISCO DOS SANTOS da sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação de desconstituição de débito com pedido de indenização por danos morais ajuizada contra BANCO BMG S.A, cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos (Evento 59):

3. DISPOSITIVO

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por FRANCISCO DOS SANTOS em desfavor de BANCO BMG S.A.

Sucumbente, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, os quais fixo em 10% sobre o valor atribuído à causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, ante a natureza da causa, o trabalho desenvolvido e o tempo de tramitação. Exigibilidade suspensa, pois a parte autora litiga sob o pálio da Gratuidade Judiciária (evento 3, DESPADEC1).

Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

Em face da sistemática do Código de Processo Civil e, diante da inexistência de juízo de admissibilidade, (art. 1010, § 3º do CPC), em caso de interposição de recurso de apelação, proceda-se na intimação da parte apelada para que apresente contrarrazões, querendo, no prazo de 15 dias. Decorrido o prazo, subam os autos ao Tribunal de Justiça.

Registra-se que, de acordo com o que prevê o item 6, "b", do Ofício-Circular nº 77/2019-CGJ, eventual cumprimento de sentença deverá ser instaurado sob novo número.

Transitada em julgado, baixe-se.

Em razões recursais, sustenta o apelante ser pessoa idosa e de pouca instrução. Discorre sobre a hipervulnerabilidade dos consumidores idosos. Destaca que o contrato em discussão nos autos lhe é prejudicial, porquanto alega que, embora lhe tenha sido disponibilizado o montante de R$ 1.284,98, ao final da avença, terá adimplido a quantia de R$ 6.584,40. Defende a ocorrência de vício de consentimento no momento da contratação. Preconiza que não se mostra crível que, objetivando a contratação de um empréstimo, optasse por aderir à proposta em questão, a qual alude possuir condições extremamente desfavoráveis, quando comparada a um empréstimo comum consignado. Assevera ter recebido a proposta por ligação telefônica, de modo que alega que não lhe fora detalhada qualquer cláusula do contrato impugnado no feito. Colaciona julgados em abono a sua pretensão. Explana que, por auferir benefício previdenciário no valor de um salário mínimo, as parcelas descontadas pela parte ré de sua folha de pagamento afetam diretamente sua verba salarial. Pleiteia a condenação da parte demandada ao pagamento de indenização por danos morais. Pugna pelo redimensionamento dos ônus sucumbenciais, com a fixação de honorários advocatícios em 20%. Requer seja declarada a nulidade do contrato objeto da lide. Postula a repetição em dobro do indébito. Pede provimento (Evento 65).

Foram apresentadas contrarrazões pela parte ré (Evento 71).

É o relatório.

VOTO

A presente apelação interposta pela parte autora (Evento 65) é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 21/09/2022 e findou em 11/10/2022 (Evento 61) e o recurso foi interposto no dia 11/10/2022 (Evento 65). Além disso, a parte autora é beneficiária da gratuidade judiciária, sendo dispensada do pagamento do preparo (Evento 3). Dessa forma, considerando que o recurso é próprio e tempestivo, recebo a apelação, a qual passo ao exame.

RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. INOCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

Nesse contexto, o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, de modo que responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Reza o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento ou da atividade empresarial, segundo a qual, consoante doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos1.

Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade objetiva são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o próprio nexo causal, enunciadas no § 3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

No caso em tela, entendo que não restou configurada falha na prestação de serviços da parte ré, conforme passo a expor.

Pois bem.

Na hipótese, o autor postula a declaração de nulidade do contrato de refinanciamento de empréstimo firmado junto ao banco réu, sob o argumento de que a instituição financeira ré agiu de "negligente e imprudente", ao lhe impor a contratação do empréstimo discutido nos autos, vez que se "pessoa pobre e idosa, de baixíssima instrução, no momento da oferta acreditou ser algo benéfico para si o negócio ofertado".

Assim, no caso em apreço, tendo o demandante defendido a ocorrência de vício de consentimento na celebração do empréstimo junto à instituição financeira ré, lhe incumbia, na forma do art. 373, I, do CPC, o ônus de ter produzido prova neste sentido.

Isso porque, a configuração de vício de consentimento pressupõe, nos termos da disciplina presente nos artigos 138 a 155 do CC, a demonstração inequívoca da ocorrência de erro ou de ignorância das parte...

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