Acórdão nº 50000212220208210003 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50000212220208210003
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001654558
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000021-22.2020.8.21.0003/RS

TIPO DE AÇÃO: Cartão de Crédito

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: PAULA GRACIELA MARCHETTI BORNE (AUTOR)

APELADO: LOJAS QUERO-QUERO S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por PAULA GRACIELA MARCHETTI BORNE em face da sentença que julgou procedente a pretensão deduzida na ação indenizatória ajuizada contra LOJAS QUERO-QUERO S.A, cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos (Evento 53):

Isso posto, JULGO IMPROCEDENTE, nos termos do art. 487, inciso I do CPC, havendo resolução de mérito, a presente ação ajuizada por PAULA GRACIELA MARCHETTI BORNE em face de LOJAS QUERO-QUERO S.A.

Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da parte adversa, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, forte no art. 85, §2º e incisos do CPC. Suspendo, todavia, a exigibilidade do pagamento, pois a sucumbente litiga sob o pálio da gratuidade de justiça.

Em face da nova sistemática do Código de Processo Civil e, diante da inexistência de juízo de admissibilidade, (art. 1010, § 3º do NCPC), em caso de interposição de recurso de apelação, proceda-se na intimação da parte apelada para que apresente contrarrazões, querendo, no prazo de 15 dias. Decorrido o prazo, subam os autos ao E. Tribunal de Justiça do Estado do RS.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Em razões recursais, a apelante postula a reforma da sentença, sob o argumento de que o bloqueio do seu cartão de crédito sem aviso prévio, sem que lhe fosse concedido pela parte ré prazo mínimo para a quitação de sua dívida, lhe causou dano moral. Afirma que as administradoras de cartão de crédito visam os clientes que atrasam o pagamento ou pagam menos do que o valor total da fatura, alegando que são estes que lhe geram lucros. Salienta que o atraso no pagamento da fatura é fato benefício para a demandada e não justifica o bloqueio de seu plástico. Refere que a fatura com vencimento em 20/11/2019 foi adimplida no dia 02/12/2019, apenas 12 dias após o vencimento e com valores devidos a título de encargos moratórios. Ressalta que, a parte ré poderia ter bloqueado a sua tarjeta, mas com aviso prévio de 30 dias de antecedência. Destaca que as mensagens encaminhadas pela parte ré iniciaram no dia 22/11/2019, dois dias depois do vencimento da fatura, fato este que assevera evidenciar o prazo exíguo e desproporcional para o bloqueio do cartão de crédito. Pleiteia seja a parte demandada condenada ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 10.000,00. Pugna sejam arbitrados honorários advocatícios entre 15% e 20% sobre o valor da condenação, com a observância do mínimo de R$ 1.500,00. Pede provimento.

Foram apresentadas contrarrazões pela parte ré (Evento 62).

É o relatório.

VOTO

A presente apelação interposta pela parte autora (Evento 59) é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 19/10/2021 e findou em 10/11/2021 (Evento 55) e o recurso foi interposto no dia 10/11/2020 (Evento 59). Além disso, a parte autora é beneficiária da gratuidade judiciária, sendo dispensada do pagamento do preparo (Evento 4). Dessa forma, considerando que é própria e tempestiva, recebo a apelação, a qual passo a examinar.

RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INOCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

Nesse contexto, o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

No que diz respeito ao contrato de cartão de crédito, da mesma forma, resta induvidoso que as empresas de cartão de crédito são prestadoras de serviços.

A respeito da normatização dos contratos de cartão de crédito, Sergio Cavalieri Filho refere que:

“(...) Embora não exista lei específica disciplinando a atividade econômica exercida pelas empresas de cartão de crédito, estão elas enquadradas no Código de Defesa do Consumidor no que diz respeito aos limites das cláusulas do contrato que celebram com o titular do cartão, bem como no pertinente à natureza da sua responsabilidade”1.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco, assim como da administradora de cartão de crédito e do estabelecimento comercial é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, de modo que respondem, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Reza o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento ou da atividade empresarial, segundo a qual, consoante doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

“(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos”2.

Nesse sentido, vale reproduzir precedente do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.

INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE.

1. "As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno" (REsp 1.197.929/PR, Rel.

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, DJe de 12.9.2011). 2. O Tribunal de origem julgou nos moldes da jurisprudência desta Corte.

Incidente, portanto, a Súmula 83/STJ.

3. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria de fato (Súmula 7/STJ).

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp 1158721/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 15/05/2018) – grifei.

Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade objetiva são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o próprio nexo causal, enunciadas no § 3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

No caso em tela, a parte autora postula a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais, sob o fundamento de que foi efetuado pela demandada o bloqueio indevido de seu cartão de crédito sem aviso prévio.

Pois bem.

Em primeiro lugar, cabe destacar que não há óbice para o cancelamento unilateral do contrato, o qual, aliás, é admitido expressamente no art. 473 do Código Civil3, sendo necessária, entretanto, a prévia notificação da outra parte envolvida.

Nesse norte, colaciono precedentes, desta Câmara, inclusive:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁIROS. AÇÃO PELO RITO ORDINÁRIO. DEVOLUÇÃO DE CHEQUE POR INSUFICIÊNCIA DE FUNDOS EM FACE DE CANCELAMENTO DO LIMITE DE CHEQUE ESPECIAL, SEM AVISO PRÉVIO AO CORRENTISTA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO, POR PARTE DO BANCO REQUERIDO, DA PRÉVIA NOTIFICAÇÃO DO CLIENTE. DANO "IN RE IPSA". DEVER DE INDENIZAR. VERBA INDENIZATÓRIA MANTIDA. 1. Deve ser afastada a preliminar contrarrecursal de não conhecimento do recurso, pois a parte apelante atendeu aos requisitos previstos no artigo 1.010, II, do CPC. 2. Não há que se falar em sobrestamento do feito até o julgamento do Recurso Especial nº 1.446.213/SP, (Tema nº 937), pois uma vez afetado o tema, o que deve ser suspenso em segunda instância é o andamento dos recursos especiais...

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