Acórdão nº 50000218420088210086 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50000218420088210086
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003260677
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000021-84.2008.8.21.0086/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio qualificado (art. 121, § 2º)

RELATOR: Desembargador LUCIANO ANDRE LOSEKANN

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

APELANTE: ADEMAR LOPES GALVAO (ACUSADO)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Perante o juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Cachoeirinha, o Ministério Público ofereceu denúncia contra ADEMAR LOPES GALVÃO, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, §2º, incisos I e IV do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos delituoso:

“No dia 29 de julho de 2008, em horário plenamente não esclarecido, mas anterior às 19h30min, no Beco do Sesi, n.° 136, Bairro Jardim Conquista, nesta cidade de Cachoeirinha/RS, o denunciado ADEMAR LOPES GALVÃO, por motivo torpe e valendo-se de recurso que dificultou a defesa da vítima, matou Tatiana Aparecida Zomer de Almeida (certidão de óbito à fl. 18 do Inquérito Policial), mediante golpes com um facão e com um martelo, (objetos apreendidos à fl. 05 do inquérito policial), que lhe causaram a morte, por fraturas cranianas e desorganização de substância cerebral, consoante auto de necropsia da fl. 37 do inquérito policial.

“Na oportunidade, o denunciado ADEMAR LOPES GALVÃO, estava em sua casa, quando a vítima caminhava pela rua supracitada, visando ir até a padaria, comprar pão. Contudo, ao passar por sua antiga residência, casa onde estava residindo o denunciado, seu ex-companheiro, foi chamada por este para conversar, oportunidade que se dirigiu até a residência. Lá, o denunciado, que não aceitava o rompimento da relação e por ciúmes, entrou em luta corporal com a vítima, dominando-a, pelo que passou a desferir golpes com um facão e com um martelo, na cabeça da mesma, que lhe causaram a morte, conforme se observa pelos ferimentos constantes nas fotografias das fls. 31/32 do inquérito policial.

“Após a prática do delito, o denunciado sem qualquer escrúpulo, escreveu em uma folha, juntada à fl. 10, a seguinte frase “Não trai mais!, o que foi colocado sob o corpo da vítima.

“O delito foi cometido por motivo torpe, qual seja, a vingança, haja vista que o denunciado Ademar Lopes Galvão não aceitava o rompimento da união estável que mantinha com a vítima, bem como por ciúmes, uma vez que acreditava que aquela estava lhe traindo.

“O crime foi cometido mediante recurso que tornou impossível a defesa da vítima, pois o denunciado dominou-a e, fazendo uso dos objetos acima descritos, passou a esfaqueá-la e desferir marteladas, não possibilitando, por conseguinte, qualquer chance de resistência por parte da ofendida.

“Conforme ocorrência policial juntada à fl. 13 do inquérito policial, a vítima Tatiana Aparecida Zomer de Almeida já havia registrado ocorrência de lesão corporal, declarando que foi ameaçada de morte pelo denunciado, indicando, inclusive, que o mesmo agredia fisicamente seus filhos.”

A denúncia foi recebida em 12/05/2009 (fl. 49, evento 3, PROCJUDIC4).

Regularmente processado, o acusado, em 14/08/2015, foi pronunciado como incurso nas sanções do art. 121, §2º, incisos I e IV, do Código Penal, , ordenando-se a submissão de ADEMAR LOPES GALVÃO a julgamento pelo Tribunal do Júri (fls. 03/09, evento 3, PROCJUDIC15).

Contra tal decisão, a Defesa interpôs recurso em sentido estrito (fls. 15/23, evento 3, PROCJUDIC15), que, devidamente contrarrazoado, foi desprovido por esta 3ª Câmara Criminal em sessão realizada em 12/04/2017 (fls. 20/29, evento 3, PROCJUDIC16).

Em 26/04/2022, o réu foi submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri da Comarca de Cachoeirinha, que o CONDENOU como incurso nas sanções do art. 121, §2º, incisos I e IV, do Código Penal, impondo-se-lhe pena de 20 anos de reclusão, em regime fechado. A prisão preventiva foi mantida (evento 36, ATAJURI1 e evento 37, SENT1).

Irresignados, o Ministério Público e a Defesa interpuseram recursos de apelação.

Em suas razões, o Ministério Público se insurge quanto à aplicação da pena, uma vez que o juízo não reconheceu as agravantes do crime praticado com violência doméstica contra a mulher (art. 61, inciso II, alínea “f”, do CP - crime praticado contra ex-companheira) e o crime ter sido praticado por meio cruel (artigo 61, inciso II, alínea "d", do Código Penal), na medida em que a gravidade das lesões sofridas pela vítima denotam grau elevado de crueldade. Requer, portanto, o reconhecimento das agravantes (evento 83, RAZAPELA1).

Por outro lado, a Defesa postulou, preliminarmente, o reconhecimento de nulidade posterior à pronúncia, uma vez que não houve tentativas de localização do réu para que comparecesse à sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri. No mérito, alegou que a decisão é manifestamente contrária à prova dos autos, em virtude da ausência de testemunhas presenciais dos fatos, não podendo se precisar se houve, ou não, injusta provocação da vítima. Subsidiariamente, pediu o afastamento das qualificadoras do motivo torpe e do recurso que dificultou a defesa da vítima, bem como o redimensionamento da pena-base, neutralizando-se as moduladoras das circunstâncias, culpabilidade, consequências e a da conduta social (evento 81, RAZAPELA1).

Contrarrazões pelo Ministério Público no evento 91, CONTRAZAP1 e pela Defesa no evento 92, CONTRAZ1.

Neste grau de jurisdição, o Ministério Público emitiu parecer por meio da ilustre Procuradora de Justiça, Dra. Christianne Pilla Caminha, manifestando-se pelo improvimento do recurso defensivo e pelo parcial provimento do apelo ministerial (evento 8, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Conheço dos recursos, pois preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

I - PRELIMINAR

I.1. - Nulidade Posterior à pronúncia: cerceamento de defesa e não localização do réu.

O apelante argumenta a ocorrência de nulidade posterior à pronúncia pelo cerceamento de defesa em razão da não tentativa de localização do réu ao Tribunal do Júri.

Contudo, sem razão.

Conforme destacado pelo Dr. Promotor de Justiça em suas contrarrazões, o réu teve sua revelia decretada em 17/01/2014, pois não cumpriu as obrigações processuais a ele impostas pelo juízo (manter seu endereço atualizado e comparecer a todo os atos processuais) quando posto em liberdade em 19/04/2009 (fl. 11, evento 3, PROCJUDIC12).

Nesse sentido, de referir que "o acusado sequer foi encontrado para realização de perícia em incidente de insanidade, sendo os endereços diligenciados nos autos todos cumpridos negativos" (fl. 29, evento 3, PROCJUDIC17).

Diante de tais argumentos, não se verifica a aventada nulidade.

O réu tinha pleno conhecimento da acusação, pois foi citado em 01/11/2010 (fl. 32, evento 3, PROCJUDIC6), sendo seu dever acompanhar todos os atos processuais e, como não foi possível sua intimação posterior, correta a decretação de sua revelia e intimação dos demais atos via edital.

De recordar que a intimação da pronúncia por edital, trazida no art. 420, parágrafo único, do CPP, tem como requisito a ciência certa da acusação, promovida pela citação, somente não se podendo admitir o julgamento à revelia pelo Tribunal do Júri do acusado que jamais foi encontrado, não tendo sido citado no processo.

Ademais, não há qualquer prova de que a revelia trouxe prejuízo ao acusado. No caso, o réu foi plenamente defendido pela Defensoria Pública. O que houve, aqui, foi a menção a argumentos vagos, que não demonstram o prejuízo sofrido e denotam mera inconformidade com o resultado do julgamento.

De se aplicar, também, portanto, o princípio consubstanciado no brocardo pas de nullité sans grief (art. 563, CPP) e rejeitar a preliminar arguida.

II - MÉRITO

II.2. - Da alegação de decisão manifestamente contrária à prova dos autos.

Requer a defesa técnica a cassação do veredicto dos jurados, com a submissão do acusado a novo julgamento pelo Tribunal do Júri, ao argumento de que o decidir dos jurados foi manifestamente contrário à prova dos autos, já que não comprovado ter sido o apelante o autor do homicídio de Tatiana Aparecida Zomer de Almeida.

Impende destacar que o art. 5º, alínea “c”, inciso XXXVIII, da Constituição Federal, confere ao Júri a soberania dos seus veredictos. Todavia, tal soberania pode ser relativizada se a decisão não encontra apoio na prova dos autos.

Segundo SANCHES CUNHA e BATISTA PINTO, por sentença contrária à prova dos autos entende-se aquela que “não tem apoio em prova nenhuma, é aquela proferida ao arrepio de tudo quanto mostram os autos, é aquela que não tem a suportá-la, ou justificá-la, um único dado indicativo do acerto da conclusão adotada”.1

Todavia, se a decisão encontra respaldo na prova produzida, aderindo ao menos a uma das versões existentes no contexto probatório, deve ser mantida, em nome da soberania dos veredictos, levando-se em conta, também, que os jurados deliberam segundo a sua íntima convicção, sem a necessidade de fundamentar suas decisões.2

Não é esse, porém, o caso dos autos, tendo os jurados decidido em absoluta conformidade com a prova coligida e examinada em Plenário de julgamento.

A defesa técnica argumenta que inexiste no processo, sob sua ótica, qualquer vertente probatória a indicar que o apelante possa ter sido o autor do crime.

Sem razão.

Do contexto da prova produzida, percebe-se que a vítima e o réu conviveram maritalmente pelo período de 04 anos e, na época dos fatos, estavam separados há uma semana.

Aliás, o contexto de violência doméstica era constante na residência da vítima, tendo ela, inclusive, registrado boletim de ocorrência contra o réu em outra ocasião (fls. 19/23, evento 3, PROCJUDIC1).

A irmã da vítima, FERNANDA JULIANE ZOMER ALMEIDA, embora não tenha presenciado os fatos, confirmou que o casal tinha uma convivência...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT