Acórdão nº 50000254220188210096 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 31-03-2022

Data de Julgamento31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50000254220188210096
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001785951
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000025-42.2018.8.21.0096/RS

TIPO DE AÇÃO: Contravenções Penais

RELATOR: Juiz de Direito VOLNEI DOS SANTOS COELHO

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra DALTRO DOS SANTOS DA SILVA, com 28 anos de idade à época dos fatos, dando-o como incurso nas sanções do artigo 21, caput, da Lei das Contravenções Penais, c/c o artigo 61, II, alínea "e", do Código Penal, na forma do art. 7º da Lei n°. 11.340/06, pelo seguinte fato delituoso:

(...).

"No dias 05 agosto de 2018, por volta das 12h, na Rua Dom Erico Ferrari, em Nova Palma, o denunciado Daltro dos Santos da Silva praticou vias de fatos contra Teresa Gabrielli dos Santos, sua mãe.

Na oportunidade, o denunciado, durante discussão agrediu a vítima mediante pexões de cabelo. Ressalta-se que, em outras oportunidades, o denunciado já havia agredido fisicamente, verbalmente, bem como ameaçado sua mãe."

(...).

A denúncia foi recebida em 13.11.2018 (evento 3 - DEC3 - fl. 1).

Deferida a medida protetiva à mãe do réu pelo Juiz singular (evento 3 - OUT - INST PROC4 - fl. 1). Citado o réu (evento 3 - OUT - INST PROC4 - fl. 16), a seguir, a Defensoria Pública apresentou resposta à acusação (evento 3 - DEFESA PRÉVIA5 - fl. 1).

Designada audiência de instrução na data de 12.03.2020, na qual foi proferida a sentença, julgando a ação penal PROCEDENTE para CONDENAR o réu nas penas do art. 21 da LCP, à pena de 10 (dez) dias-multa, na razão mínima, do valor do salário mínimo vigente à época do fato (evento 3 - SENT7).

Inconformado, o réu apela.

Em suas razões, a Defensoria Pública sustentou, em síntese, a inexistência de provas suficientes a ensejar a condenação do acusado, então, em respeito ao princípio do in dubio pro reo, é necessário que seja declarada a absolvição dele. Ressaltou haver contradição da prova oral colhida. Asseverou que o caso analisado comporta a utilização do princípio da irrelevância penal do fato, pois foi um fato isolado. Requereu o afastamento da pena de multa, pois o acusado é pessoa de pouco recursos financeiros, assim, a isenção do pagamento dela seria o mais correto ao caso. Prequestiona os dispositivos constitucionais e legais elencados na peça recursal. Pediu, por fim, que seja concedido o benefício da Gratuidade de Justiça (evento 3 - APELAÇÃO3).

O Ministério Público ofereceu contrarrazões ao apelo defensivo (evento 3 - CONTRAZ9 - fl. 1-10).

O Ministério Público opinou, nesta instância, pelo conhecimento e parcial provimento do recurso defensivo, apenas para deferir o pedido da Gratuidade de Justiça.

Vieram os autos.

É o relatório.

VOTO

Tempestivo e preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço da apelação.

Ausentes questões preliminares, passo ao exame do mérito.

Inicialmente, transcrevo a prova oral contida na sentença, bem como a sua fundamentação, para melhor elucidar os fatos:

(...).

DECIDO:

A colheita da prova oral é no sentido de que a vítima, ao repreender o réu que brincava com a sua neta, teria recebido uns puxões de cabelo. O réu nega a imputação - em seu interrogatório declarou que o motivo da comunicação seria forçar a saída da residência da genitora. Ocorre que é pouco crível que a mãe invente o que mais quer que seja com o objetivo específico de retirar o filho da residência comum. Ademais, há severas dúvidas em relação ao passado tortuoso da mãe e filho, o que o próprio indigitado não nega, dado que teria declarado que haviam se xingando antes do fato imputado. Dado que a palavra da vítima possui valor probante, não se pode falar em insuficiência de provas. Acresça-se, com relação ao argumento de que outras pessoas estavam na residência e tanto autor do fato quanto a vítima apresentaram suas justificativas para não arrolarem terceiros, a justificativa da vítima é mais plausível que a do increpado. Ainda, em que pese a vítima se retrate do argumento de que ra agredida no passado, mantém o teor do seu depoimento indiciário de que teria sofrido os puxões de cabelo por seu filho. Em havendo contradição de versões, entre a palavra da vítima ratificada sob contraditório judicial e a palavra do réu, avulta a palavra daquela em detrimento desta, em especial pelo teor do art. 4º da Lei n. 11.340/06, que indica a seu intérprete o fim social a que ela se destina e a condição peculiar da mulher em situação de violência doméstica. Assim, manifesta a existência do fato e sua autoria, a condenação se faz impositiva.

(...).

Acresço.

A vítima, Teresa Gabrielli dos Santos, disse: "era domingo, fui na casa da minha guria do lado, aí ele chegou lá e pegou a guria e levantou para cima, a minha neta, brincando com ela, daí disse pra ele não faz assim que é perigoso, daí foi e me deu um puxão de cabelo, do nada, foi a primeira vez que nos desentendemos". Afirmou que não fora agredida por ele. Por fim, afirma: "O puxão de cabelo é verdade. A gente não se conversa".

No seu interrogatório, o réu, Daltro dos Santos, limitou-se a negar os fatos. Informou que a sua mãe pedia a ele e seus irmãos para que saíssem de casa, então disse ter xingado ela nesse momento.

Essa é a prova oral.

Pois bem.

Conforme se verifica da análise dos depoimentos, a vítima é firme em dizer que o réu lhe puxou os cabelos ao repreendê-lo pelo modo como brincava com a neta dela. É sabido que a palavra da vítima possui especial relevância em delitos oriundos das relações domésticas.

Ressalta-se que neste tipo de delito, cometido no âmbito das relações domésticas, em que normalmente não há testemunhas, como ocorre no presente caso, a palavra da vítima recebe maior valor diante da posição mais frágil no contexto familiar.

Com efeito, o legislador ao criar a Lei 11.340/06 visava um melhor equilíbrio nas relações domésticas entre homem e mulher, bem como genitoras e filhas, de modo que o peso de suas declarações, quando coerente, somados aos demais elementos acostados nos autos, devem ser considerados, em detrimento da palavra do acusado.

Acerca do valor da palavra da vítima, jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO.AMEAÇA. LEI MARIA DA PENHA. ABSOLVIÇÃO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel.Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam a absolvição do paciente, em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inviável na via eleita. 3. Se as instâncias ordinárias, mediante valoração do acervo probatório produzido nos autos, entenderam, de forma fundamentada, ser o réu autor do delito descrito na exordial acusatória, a análise das alegações concernentes ao pleito absolutório demandaria exame detido de provas, inviável em sede de writ. 4. "A palavra da vítima, em harmonia com os demais elementos presentes nos autos, possui relevante valor probatório, especialmente em crimes que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher" (HC 461.478/PE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, DJe 12/12/2018). 5. Writ não conhecido. (HC 590.329/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 18/08/2020, DJe 24/08/2020). Grifou-se.

Também nesse diapasão, a jurisprudência desta Câmara Criminal:

APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. VIAS DE FATO. CONDENAÇÃO MANTIDA. Os elementos de convicção produzidos no curso da instrução demonstram a materialidade e autoria da contravenção de vias de fato praticada pelo réu contra a ofendida. PALAVRA DA VÍTIMA. VALOR PROBATÓRIO. Em se tratando de delitos cometidos no âmbito familiar, o depoimento da vítima apresenta especial valor probatório. Isso porque a maioria dos casos de violência doméstica não conta com testemunhas presenciais. Assim, não havendo provas a apontar a eventual existência de motivos para falsa incriminação, as declarações da ofendida devem ser consideradas como elemento para elucidar o fato. DOSIMETRIA. Pena-base reduzida, de ofício, para 15 dias de prisão simples, tendo em vista que não constou da sentença qualquer justificativa para seu afastamento do patamar mínimo. Agravamento de 05 dias mantido. Pena final consolidada em 20 dias de prisão simples, em regime inicial aberto. APELAÇÃO DESPROVIDA. DISPOSIÇÃO DE OFÍCIO. (Apelação Criminal, Nº 70083916601, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria de Lourdes G. Braccini de Gonzalez, Julgado em: 19-08-2020). Grifou-se.

APELAÇÃO CRIMINAL. VIAS DE FATO. ART. 21 DO DECRETO-LEI Nº 3.688/41, COM INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA. PRELIMINARES DE NULIDADE DO DECRETO DE REVELIA E POR AUSÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA AUDIÊNCIA AFASTADAS. MÉRITO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PALAVRA DA VÍTIMA. RELEVÂNCIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. 1. Na espécie, restou comprovado (por certidão do Sr. Oficial de Justiça) que no endereço do réu, indicado pela vítima, foi informado que desconhecem o réu. Ademais, no primeiro endereço registrado nos autos, foi constatado que a numeração da casa é inexistente. Assim, caracterizado que o réu alterou seu endereço sem comunicar ao juízo, restando ausente na...

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