Acórdão nº 50000302020218210012 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50000302020218210012
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001673899
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000030-20.2021.8.21.0012/RS

TIPO DE AÇÃO: Tratamento médico-hospitalar

RELATOR: Desembargador JORGE ANDRE PEREIRA GAILHARD

APELANTE: GABRIELA GARSKE HUFF (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

APELANTE: LUCIANA FRIEDRICH GARSKE HUFF (Pais)

APELADO: UNIMED REGIAO DA CAMPANHA/RS - COOPERATIVA DE ASSISTENCIA A SAUDE LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Gabriela Garske Huff contra a sentença que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer cumulada com Indenização por Danos Morais ajuizada contra Unimed Região da Campanha/RS - Cooperativa de Assistência à Saúde Ltda., julgou a demanda nos seguintes termos:

(C) DISPOSITIVO.

Rejeita-se o pedido de Gabriela Garske Huff, extinguindo-se o processo com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC1).

Sustenta a petição recursal que a autora foi diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista, necessitando de tratamento de Educação Especial no Método Denver e Terapia Ocupacional, conforme consta no laudo médico acostado aos autos. Afirma que o plano de saúde negou a cobertura do procedimento, informando que poderia fornecer apenas o tratamento de terapia ocupacional por meio da APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. Alega que a negativa de atendimento atenta contra a boa-fé objetiva, a função social do serviço prestado, fere à dignidade da pessoa humana e outros princípios fundamentais da Constituição Federal. Refere que a Lei n° 9.656/98 determina cobertura obrigatória para as doenças listadas na CID 10 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde, que trata-se de uma relação de enfermidades catalogadas e padronizadas pela Organização Mundial de Saúde. Argumenta que o beneficiário que custeia mensalmente o pagamento de um convênio médico tem a expectativa que neste momento a contraprestação será devida e necessária, não sendo justo a apelante procurar um tratamento através da rede pública de saúde, se possui um plano de saúde particular. Aponta que o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde não se trata de uma listagem taxativa, mas sim da cobertura mínima obrigatória que deve ser prestada pelos planos de assistência à saúde. Menciona que o médico é o responsável pela orientação terapêutica ao paciente, de forma que não pode o plano de saúde pretender limitá-la. Destaca que a ANS editou a Resolução Normativa nº 259, que regula a obrigatoriedade de cobertura do procedimento fora da rede credenciada. Defende a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, na medida em que se trata de uma criança de tenra idade que teve o seu tratamento obstaculizado indevidamente pelo plano de saúde, expondo a autora a um constrangimento ilegítimo. Acrescenta que o dano moral é presumido, independe de prova, mostrando-se in re ipsa.

Requer o provimento do apelo (Evento 58 dos autos originários).

Intimada, a requerida apresentou as contrarrazões (Evento 62 - CONTRAZ1 dos autos originários).

Subiram os autos a este Tribunal.

Distribuídos, o Ministério Público opinou pelo parcial provimento do recurso (Evento 8).

Adiante, vieram os autos conclusos.

Cumpriram-se as formalidades previstas nos arts. 929 a 935, do CPC.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo. Dispensado o preparo em razão do benefício da justiça gratuita.

Inicialmente, para um melhor entendimento dos fatos debatidos na presente demanda, peço vênia para transcrever parte do relatório da sentença:

1 - PRETENSÃO: 1.1 – PEDIDO: condenação de UNIMED REGIAO DA CAMPANHA/RS - COOPERATIVA DE ASSISTENCIA A SAUDE LTDA à obrigação de autorizar e custear o tratamento de Educação Especial do método Denver; 1.2 - CAUSA DE PEDIR: indica ser segurada do plano de saúde da ré; portadora de TEA - F84; necessitar de tratamento de Educação Especial do método Denver e terapia ocupacional. Refere que a ré esclareceu que forneceria apenas terapia ocupacional através da APAE [E1.1]; 1.3 - OUTRAS MANIFESTAÇÕES: informa que a recusa se deu por telefone [E11.1]; exibe contrato [E14.2]. 1.4 - RÉPLICA: ratifica os pedidos [E36.1].

2 – DEFESA: 2.1 - CITAÇÃO: mandado juntado em 3/5/21 [E32]; 2.2 - CONTESTAÇÃO: em 12/5/21 [E33]; 2.3 - FATOS IMPEDITIVOS, MODIFICATIVOS OU EXTINTIVOS: sustenta que não negou o tratamento, apenas requereu laudo com o diagnóstico da doença; o tratamento teria que se dar com profissionais conveniados; o método Denver não está incluído no rol de terapias autorizadas pela ANS; não há prova da emergência/urgência e da impossibilidade de prestação do serviço pela rede conveniada; 40% dos atendimentos da APAE são realizados de forma particular e mediante convênio com plano de saúde; a obrigação da operadora é de fornecer atendimento/acompanhamento por profissional apto a tratar a CID do paciente, mas não a disponibilizar profissional para executar determinada técnica ou método; o contrato limita a 6 sessões de terapia ocupacional por ano; possui prestadores no local de abrangência do plano, dispensando custos de transporte [E33.1]; 2.4 - OUTRAS MANIFESTAÇÕES: pede perícia [E33.1].

(...)

Pois bem. Buscando conceituar os contratos de plano de assistência à saúde, Arnaldo Rizzardo afirma que (in Contratos, 2ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2004, p. 892):

Trata-se do contrato pelo qual o segurador se obriga a cobrir a indenização por riscos ligados à saúde e à hospitalização, mediante o pagamento do prêmio em determinado número de prestações. Fica a pessoa protegida dos riscos da enfermidade, pois contará com recursos para custear as despesas acarretadas pelas doenças, com a garantia da assistência médico-hospitalar. Genericamente, é a garantia de interesses pela cobertura dos riscos da doença. Através dele, o indivíduo ou segurado fica protegido dos riscos da enfermidade, pois contará com recursos para custear as despesas acarretadas pelas doenças, e tendo direito à própria assistência médico-hospitalar. No entanto, tradicionalmente, duas as formas de cobertura: ou pelo reembolso de despesas com liberdade de escolha de quem presta os serviços, caracterizando o seguro-saúde; ou pelo credenciamento de médicos e hospitais, para os quais se encaminha o segurado que receberá o tratamento médico-hospitalar, tendo-se, os planos de assistência. Nesta última espécie, os serviços médicos e hospitalares organizam-se através de convênios. As pessoas signatárias do contrato pagam, mediante contribuições mensais, o dispêndio com os serviços médico-hospitalares futuros. De modo que, ao lado do seguro-saúde, aparecem os planos de assistência à saúde, que se organizam na forma de pessoas jurídicas, para a prestação de atividades ligadas à saúde, tanto no concernente ao tratamento médico como para finalidade da recuperação por meio de atendimento ambulatorial e internamento hospitalar.

No caso, a autora pretende ver reconhecida a obrigação da operadora de plano de saúde em cobrir os custos necessários ao tratamento de Educação Especial pelo método Denver e à Terapia Ocupacional, bem como a reparação pelos danos morais suportados.

De acordo com o laudo médico acostado no Evento 1 - LAUDO8 dos autos originários, a autora, de apenas três anos de idade, é portadora de Transtorno do Espectro Autista, necessitando de tratamento de Educação Especial pelo método Denver e Terapia Ocupacional.

A operadora do plano de saúde alega que o método Denver não está incluído no rol de terapias autorizadas pela ANS e que o contrato limita a 6 sessões de terapia ocupacional por ano, bem como que eventual tratamento teria que se dar com profissionais conveniados.

No entanto, a operadora do plano de saúde sequer juntou aos autos o contrato, enquanto que a avença acostada pela autora no Evento 14 - CONTR2 dos autos originários está incompleta, não havendo provas acerca da alegada limitação dos tratamentos ao rol da ANS e da limitação do número de sessões.

De qualquer forma, o contrato em tela está submetido às normas do Código de Defesa do Consumidor. Inclusive, pacificada tal orientação no egrégio STJ, foi editada a Súmula 608, com o seguinte teor:

Súmula 608. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.

Nestas circunstâncias, o art. 47, do CDC, determina que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Igualmente, deve incidir o disposto no art. 51, IV, § 1°, II, do CDC, segundo o qual é nula a cláusula que estabeleça obrigações consideradas iníquas, que coloquem o consumidor em desvantagem. Também, mostra-se exagerada a cláusula que restringe direitos ou obrigações inerentes à natureza do contrato, ameaçando seu objeto e equilíbrio, ou ainda que seja excessivamente onerosa ao consumidor.

Sobre o tema, Karyna Rocha Mendes, Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela ESMP de São Paulo, assevera que (in Curso de Direito da Saúde, 1ª ed., Editora Saraiva, 2013, p. 635):

(...)

Com efeito, nos contratos de prestação de serviço de saúde, como já vimos, as cláusulas que infrinjam os princípios trazidos do Código de Defesa do Consumidor devem ser consideradas abusivas e, consequentemente, desconsideradas do pacto contratual. Nos contratos firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 9.656/98, somente se aplicavam as normas trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor e pela legislação anterior especial aos seguros – num verdadeiro diálogo de fontes.

Pelo Código de Defesa do Consumidor temos a aplicação de cláusulas gerais de boa-fé, transparência, informação, normas que buscam o equilíbrio contratual com a proteção da parte vulnerável na relação, o consumidor. O que a Lei nº 9.656/98 fez foi...

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