Acórdão nº 50000314920168210054 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50000314920168210054
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002231497
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

AGRAVO INTERNO EM Apelação Cível Nº 5000031-49.2016.8.21.0054/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de Energia Elétrica

RELATOR: Desembargador NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO

AGRAVANTE: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. (RÉU)

AGRAVADO: CARLOS ALBERTO BASTOS CHAGAS (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de agravo interno interposto por RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A, porquanto está inconformada com a decisão monocrática proferida na AC nº 5000031-49.2016.8.21.0054/RS (evento 14), manejada nos autos da ação declaratória de inexistência de débito ajuizada por CARLOS ALBERTO BASTOS CHAGAS, ora agravado.

A ementa restou vazada nos seguintes termos:

DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DEFEITO NO MEDIDOR DE ENERGIA. AUSÊNCIA DE PROVA CABAL DA ALTERAÇÃO OU REDUÇÃO NO CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA. RECUPERAÇÃO DE CONSUMO. IMPOSSIBILIDADE.

1. A simples alegação de defeito no medidor de consumo de energia não justifica a recuperação de consumo nos termos do art. 115 da Resolução-ANEEL nº 414/10. É necessária a demonstração efetiva de que houve redução ou alteração significativa na medição da energia que passou pelo medidor da unidade consumidora, na medida em que a própria legislação de regência garante à concessionária o direito ao ressarcimento das despesas para a verificação e cobrança dos débitos extrafaturados, nos termos própria Resolução-ANEEL nº 414/10, desde que devidamente comprovados. Igualmente, não foi observado o regular procedimento previsto na Resolução-ANEEL nº 414/10, em especial nos §§ 2º e 5º do seu art. 129.

2. Portanto, no caso concreto, revela-se descabida a recuperação de consumo tal como operada pela concessionária, sendo a melhor solução a procedência do pedido vertido na inicial quanto ao tema.

APELAÇÃO IMPROVIDA.

DECISÃO MONOCRÁTICA.

Nas razões, sustentou que desimporta a autoria da fraude, pois o consumidor foi o beneficiário da irregularidade. Asseverou que o funcionário da concessionária possui fé pública e que o defeito no equipamento por si só justificou a sua troca, sendo dispensada a sua aferição, sob pena de onerar os demais consumidores. Aduziu que foi adotado o procedimento correto previsto da Resolução-ANEEL nº 414/10, destacando a responsabilidade do consumidor e o ônus de arcar com o resultado da fraude. Pediu o provimento do agravo interno (evento 21).

Intimada, a agravada não ofertou contrarrazões (evento 27).

É o relatório.

VOTO

Encaminho voto pelo improvimento do agravo interno, impondo multa à parte agravante.

Com efeito, recordo que se trata de ação declaratória de inexistência de débito ajuizada por CARLOS ALBERTO BASTOS CHAGAS em face de RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A, tendo por objeto valores decorrentes de recuperação de consumo.

Prosseguindo, ao contrário do sustentado pela concessionária, não existe prova efetiva acerca da alegada fraude e da variação do consumo de energia elétrica, o que ensejou o afastamento da recuperação de consumo, mas sim a efetiva inobservância do regular procedimento fiscalizatório, previsto na Resolução-ANEEL nº 414/10, em especial no seu art. 129.

E aqui lembro que a Resolução-ANEEL nº 414/10 é um instrumento normativo que regulamenta a Lei nº 9.427/96 e fundamenta-se na Lei nº 8.987/95 (Lei das Concessões Públicas) e na própria CF-88, em seu art. 175, tratando-se de um ato administrativo geral que nas palavras de Hely Lopes Meirelles tem a seguinte definição:

Atos administrativos gerais ou regulamentares são aqueles expedidos sem destinatários determinados, com finalidade normativa, alcançando todos os sujeitos que se encontrem na mesma situação de fato abrangida por seus preceitos. São atos de comando abstrato e impessoal, semelhantes aos da lei, e, por isso mesmo, revogáveis a qualquer tempo pela Administração, mas inatacáveis por via judicial, a não ser pelo questionamento da constitucionalidade (art. 102, I, “a”, da CF).
(Direito Administrativo Brasileiro, 30ª edição, Malheiros, São Paulo, 2005, p.163).

No ponto, tal como referido na decisão monocrática objeto do presente agravo interno, o incumbia à concessionária a iniciativa de enviar o medidor de energia para perícia, nos termos do art. 129, § 1º, II, da Resolução nº 414/10 da ANEEL, para demonstrar a efetiva irregularidade na unidade consumidora e a possibilidade de proceder à recuperação de consumo. Revela-se descabida a alegação de que eventuais custos para a aferição do equipamento onerariam os demais consumidores, pois a própria legislação de regência garante-lhe o ressarcimento das despesas dessa natureza. Ademais, para que se tenha fé pública, o procedimento administrativo deve ser regularmente observado, o que não aconteceu, pois a fiscalização deu-se à revelia do consumidor ou de testemunhas.

Por conta disso, além da insubsistência da prova produzida pela concessionária é que o débito foi desconstituído, razão pela qual ratifico integralmente os termos da decisão monocrática, cujo excerto transcrevo para conhecimento dos demais integrantes do colegiado:

(...), em que pese tenha sido realizada a fiscalização na unidade consumidora da parte autora, isso em 05JAN16, lavrando-se o Termo de Ocorrência de Irregularidade - TOI (evento 04 - CONT E DOCS4, pág. 31-2, na origem) dando conta da obsolescência do medidor de energia, não há prova material suficiente para demonstrar o desvio de energia ou mesmo o benefício auferido pela parte autora.

Consta do TOI:

Em inspeção realizada em 05-01-16, foi constatado sistema de medição estava devidamente lacrado.

Foi encontrado o medidor com o display apagado/avariado, o medidor foi substituído e programado.

No ponto, denota-se que o procedimento não foi acompanhado pelo titular da unidade consumidora ou qualquer outra testemunha, o que revela evidente inobservância do disposto no art. 129, §§ 2º e 5º, da Resolução - ANEEL nº 414/10:

Art. 129. (...).

§ 2º Uma cópia do TOI deve ser entregue ao consumidor ou àquele que acompanhar a inspeção, no ato da sua emissão, mediante recibo.

(...).

§ 5º Nos casos em que houver a necessidade de retirada do medidor ou demais equipamentos de medição, a distribuidora deve acondicioná-los em invólucro específico, a ser lacrado no ato da retirada, mediante entrega de comprovante desse procedimento ao consumidor ou àquele que acompanhar a inspeção, e encaminhá-los por meio de transporte adequado para realização da avaliação técnica.

(...).

Não há maiores elementos de prova a justificar a recuperação de consumo. Sequer um laudo metrológico de medidor de energia elétrica, mesmo aquele elaborado pelo INMETRO, às mais das vezes inconclusivo. De fato, a prova dos autos denota que a concessionária procedeu à recuperação de consumo estribada no art. 115, II, da Resolução-ANEEL nº 414/10 (evento 04 - CONT E DOCS4, pág. 28-30). E os critérios de recuperação de consumo, previstos no art. 115 da Resolução-ANEEL nº 414/10 são aplicáveis de forma sucessiva, bastando a sua simples leitura.

No caso dos autos, a incidência do inciso I do art. 115 da referida Resolução restou inviabilizada, na medida em que não houve avaliação técnica do equipamento, diante da sua substituição. Acresça-se, ainda, que não há demonstração de efetiva alteração no consumo registrado e pago após a substituição do equipamento de medição e, por isso, não se justifica a recuperação de consumo. Com efeito, a concessionária não trouxe elementos suficientes para afastar as conclusões do juízo a quo. E aqui, destaco o seguinte excerto da sentença, que agrego ás razões de decidir, in verbis:

(...), passo a enfrentar a inexigibilidade do débito cobrado pela requerida a título de recuperação de consumo.

...

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