Acórdão nº 50000445120218210158 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 31-01-2022

Data de Julgamento31 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50000445120218210158
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001464512
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000044-51.2021.8.21.0158/RS

TIPO DE AÇÃO: Não padronizado

RELATOR: Desembargador JOAO BARCELOS DE SOUZA JUNIOR

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação, apresentada por VITOR RAVI SESSE DA SILVA, representado por sua genitora, contra sentença do evento 5 que julgou extinta a ação ajuizada contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, nos seguintes termos:

Isso posto, com fundamento no artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, julgo EXTINTO este processo SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, por ilegitimidade passiva.

Sem custas por força do Estatuto da Criança e do Adolescente e do disposto no artigo 5º, inciso IV, da Lei Estadual nº 14.634/14.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em razões, a parte apelante alegou a solidariedade do réu no atendimento à saúde, nos termos do artigo 793/STF, bem como ser caso de litisconsórcio facultativo, pois, se há solidariedade, pode a parte escolher contra quem demandar. Discorreu sobre o direito à saúde, asseverando que é dever de qualquer dos entes públicos, tanto em conjunto, solidariamente, como de forma individual, nos termos do artigo 23, inciso II, da Constituição Federal, e do artigo 239 da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul. Ponderou que a determinação de direcionamento do feito à União causa prejuízo ao menor, pois a Defensoria Pública Estadual não tem atribuição para atuar perante a Justiça Federal. Requereu a concessão da tutela de urgência recursal para que seja determinado ao réu o fornecimento do insumo postulado na inicial e, ao final, o provimento da apelação para que seja reconhecida a competência da Justiça Estadual para processamento e julgamento do feito.

A tutela recursal foi deferida para para determinar o processamento do feito perante a Justiça Estadual até final julgamento deste recurso pelo Colegiado, e determinar que o réu forneça o alimento denominado FÓRMULA INFANTIL SEM LACTOSE (evento 5).

Foram oferecidas contrarrazões (evento 14) e o Ministério Público de Segundo Grau opinou pela desconstituição da sentença e, no mérito, pela procedência da ação (evento 19).

Retornaram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Infere-se dos autos que, em 01/09/2021, VITOR RAVI SESSE DA SILVA, representado por sua mãe, ajuizou ação para fornecimento da Fórmula Infantil Sem Lactose contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, pois portador e intolerância à lactose (CID 10 E73).

O juízo de origem, ao receber a inicial, julgou extinta a ação, sem julgamento de mérito, por entender pela ilegitimidade passiva do Estado do Rio Grande do Sul (evento 5). Desta decisão, recorre o autor alegando a legitimidade do Estado para responder a ação e, consequentemente, a desnecessidade de inclusão da União no polo passivo para remessa à Justiça Federal.

Assiste razão ao recorrente.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o ED no RE nº 855178 (Tema nº 793), definiu ser devida a inclusão da União no polo passivo de ações cujo objeto é o fornecimento de medicamento quando este não tiver registro na ANVISA, não for fornecido pelo SUS ou quando for de custeio da União, conforme ementa que restou assim definida:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.

2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

3. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes.

4. Embargos de declaração desprovidos.
(RE 855178 ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 23/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-090 DIVULG 15-04-2020 PUBLIC 16-04-2020)

A tese fixada no Tema repetitivo nº 793 foi a seguinte:

Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

Para ficar mais claro, transcrevo o seguinte trecho da pertinente fundamentação exarada pelo Ministro Edson Fachin quando do julgamento do RE 855178 ED/SE (Tema repetitivo nº 793 do STF - fls. 65-77 daqueles autos), com grifos meus:

[...]

V) ESPÉCIES DE PRETENSÕES SANITÁRIAS DEFINIDAS NO LEADING CASE - STA 175 – E CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS:

Para definir as implicações decorrentes das premissas jurídicas adotadas, no âmbito da solidariedade dos entes estatais (quanto às prestações envolvendo “direito à saúde”), valho-me do exame das espécies de tutela realizado pelo e. Relator da STA 175, após a realização de exitosa Audiência Pública:

1ª espécie: pretensão que veicula medicamento, material, procedimento ou tratamento constante nas políticas públicas.

Como esclareceu o Relator, após a audiência pública que realizou:

“no Brasil, o problema talvez não seja de judicialização ou, em termos mais simples, de interferência do Poder Judiciário na criação e implementação de políticas públicas em matéria de saúde, pois o que ocorre, na quase totalidade dos casos, é apenas a determinação judicial do efetivo cumprimento de políticas públicas já existentes. (...) Assim, também com base no que ficou esclarecido na Audiência Pública, o primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento. Nesses casos, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente.

Neste caso, ou seja: quando se trata de pedido de dispensa de medicamento ou de tratamento padronizado na rede pública sem dúvida está-se diante de demanda cujo polo passivo e consequente competência são regulados por lei ou outra norma; e disso não deve se desviar o autor na propositura da ação até para que seu pedido, se deferido, seja prestado de forma mais célere e mais eficaz.

É preciso, assim, respeitar a divisão de atribuições: esteja ela na própria lei ou decorra (também por disposição legal – art. 32 do Decreto 7.508/11) de pactuação entre os entes, deve figurar no polo passivo a pessoa política com competência administrativa para o fornecimento daquele medicamento, tratamento ou material.

A propósito deste ponto, Cristina Leitão Teixeira de Freitas, integrante do Comitê Executivo Estadual para Monitoramento das Demandas de Assistência à Saúde, leciona (in Judicialização da Saúde no Brasil. Org. SANTOS, Lenir; TERRAZAS, Fernanda. 1ªed. Saberes: 2014. p. 61-96):

“direito à saúde, solidariedade e chamamento ao processo precisam ser harmonizados. Não se trata de obstaculizar o direito constitucional à saúde de indivíduos, mas sim de dar atendimento a outras garantias constitucionais relevantes, como é o caso do devido processo legal. Veja-se que o chamamento ao processo não tem como escopo dificultar a efetivação de tutelas de urgência que determinam fornecimento de tratamentos de saúde, mas sim garantir que o Sistema Único de Saúde funcione e, por via de consequência, garanta a outros indivíduos que igualmente necessitam – mas não fazem parte daquele processo – possam ter seu direito realizado. Por outras palavras, aqui não se está a tratar apenas do devido processo legal a garantir o chamamento ao processo previsto na lei processual, mas da isonomia, direito fundamental, que não pode ser descurado. Na medida em que os processos de saúde são decididos apenas com olhos dirigidos ao autor da ação, olvida-se todos os demais que também precisam de saúde.

Diz-se isso porque o cumprimento de ordens judicias que invertem posições quanto às atribuições de cada ente acaba por atrasar outras medidas e a tumultuar o sistema construído pelo Poder Público, seja federal, estadual, ou municipal, muitas vezes desconhecido pelo Poder Judiciário, pois naturalmente não é gestor e não possui alcance e conhecimento da administração dos recursos públicos e necessidades da população na área da saúde".

Ainda que se admita possa o cidadão, hipossuficiente, direcionar a pretensão contra a pessoa jurídica de direito público a quem a norma não atribui a responsabilidade primária para aquela prestação, é certo que o juiz deve determinar a correção do polo passivo da demanda, ainda que isso determine o deslocamento da competência para processá-la e julgá-la a outro juízo (arts. 284, par. unico c/c 47, par. único, do CPC). Dar racionalidade, previsibilidade e eficiência ao sistema...

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