Acórdão nº 50000492620188210046 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 03-11-2022
Data de Julgamento | 03 Novembro 2022 |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50000492620188210046 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20002844968
8ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5000049-26.2018.8.21.0046/RS
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000049-26.2018.8.21.0046/RS
TIPO DE AÇÃO: Investigação de Paternidade
RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS
RELATÓRIO
Adoto o relatório constante do parecer do Ministério Público:
Trata-se de recurso de apelação interposto por KAEL M. B., menor representado por sua genitora, SILVANIA M., inconformado com a sentença que, nos autos da ação negatória de paternidade movida por RODRIGO A. B., e da reconvenção buscando o pagamento de indenização por dano moral em decorrência de abandono afetivo, julgou improcedente o pedido negatório de paternidade e improcedente a reconvenção (Evento 48, do processo de origem).
Em suas razões, em síntese, sustenta ter sofrido abandono efetivo e material pelo genitor, conjuntura que enseja a condenação do requerido ao pagamento de danos morais. Discorre que desconhece demonstração de carinho e amor advindos do apelado, sofrendo por anos rejeição e abandono paterno. Aduz que, ao saber do ajuizamento da negatória de paternidade, ficou muito triste e depressivo, o que refletiu em baixo rendimento escolar, reflexo dos danos emocionais causados em virtude do abandono pelo pai. Repisa o descaso do apelado perante as reais necessidades íntimas e primárias em prejuízo da formação de uma criança. Com tais aportes, requer seja provido o recurso, a fim de julgar procedente o pedido reconvencional e fixar indenização, a título de danos morais e materiais, no valor de R$ 200.000,00 (Evento 52, do processo de origem).
Foram apresentadas as contrarrazões (Evento 57 do processo de origem).
O parecer é pelo não provimento (evento 7, PARECER1)
É o relatório.
VOTO
O apelado ajuizou ação negatória de paternidade contra o apelante, em agosto de 2018.
Em reconvenção, o demandado requereu indenização por abandono afetivo. Referiu que o autor/apelado nunca exerceu o papel de pai, sendo que, com o fim do relacionamento com sua mãe, ele nunca mais o procurou, o que lhe causou dor e sofrimento (Evento 2- OUT2, fls. 01-10).
Julgado improcedente o pedido de indenização, o demandado, em razões de apelação, reitera, em suma, as alegações deduzidas em reconvenção.
Sem razão, contudo.
Ocorre que, para se configurar causa para indenização por abandono afetivo, é necessária prova cabal do nexo causal entre a conduta do genitor, ora apelado, e eventual dano moral ou psíquico, nos termos dos arts. 186 e 927 do Código Civil, o que, no caso, não restou comprovado, pois não há prova dando conta de eventual lesão emocional e psíquica causada no apelante, a ponto de atingir seu desenvolvimento e bem-estar e a repercutir nas suas condições pessoais, comprometendo a estabilidade e a possibilidade de uma vida normal.
Veja-se que, instado a parte demandada para se manifestar acerca da produção de provas, referiu, expressamente, não haver provas a produzir (evento 2 - OUT3, fl. 4).
Soma-se à falta de prova de eventual lesão emocional e psíquica por parte do apelante, o fato de que a condenação do apelado ao pagamento de indenização pecuniária não teria o condão de reparar mágoas, tristezas e desencantos com os desígnios da vida – como se a presença, o zelo e o amor familiar pudesse ser garantido ou substituído pelo constrangimento da ameaça de uma sanção.
Somente em situações excepcionais é que, na seara das relações familiares, é cabível reparação por dano extra patrimonial, sob pena de as pretensões desbordarem para a patrimonialização das relações afetivas.
Lembro, aqui, da lição de SÉRGIO CAVALIERI FILHO acerca da configuração do dano moral, in Programa de Responsabilidade Civil. ed. 3., Atlas, 2007, pp 79/80:
O que configura e o que não configura o dano moral? Na falta de critérios objetivos, essa questão vem-se tornando tormentosa na doutrina e na jurisprudência, levando o julgador a situação de perplexidade.
(...)
Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.
Dor, vexame, sofrimento e humilhação são conseqüências, e não causa (...). (grifei)
Em suma, apesar do alegado sofrimento pela falta de amor paterno, não se conclui pela existência de nexo entre o comportamento omisso do genitor e eventuais mazelas vividas pelo apelante.
Nesse sentido é a jurisprudência das Câmaras integrantes do 4º Grupo Cível deste Tribunal, como se vê nos seguintes precedentes, dentre outros:
APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO. ABANDONO AFETIVO. AUSÊNCIA DE LIAME ENTRE A POUCA CONVIVÊNCIA PATERNA E DANOS EMOCIONAIS E PSÍQUICOS NO ADOLESCENTE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA REFORMADA.
1. (...). 2. A sentença julgou procedente pedido para condenar o apelante, genitor, a indenizar dano moral ao filho por abandono afetivo. (...), pois somente em situações excepcionais é que, na seara das relações familiares, se deve conceder reparação por dano extrapatrimonial, sob pena de as pretensões desbordarem para a patrimonialização das relações afetivas. AFASTADA A PRELIMINAR DE CONTRARRAZÕES, DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível, Nº 70078746484, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em: 22-11-2018)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. (...). MÉRITO: O pedido de indenização por dano moral, em decorrência do abandono afetivo exige criteriosa análise dos requisitos autorizadores do reconhecimento de dano indenizável nessa seara. Para tanto, é imprescindível a configuração de ato ilícito. O distanciamento...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO