Acórdão nº 50000544120188210016 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50000544120188210016
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002283490
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000054-41.2018.8.21.0016/RS

TIPO DE AÇÃO: Seguro

RELATOR: Desembargador JORGE ANDRE PEREIRA GAILHARD

APELANTE: ALLIANZ SEGUROS S/A (RÉU)

APELADO: FERNANDO B. DE OLIVEIRA E CIA LTDA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Allianz Seguros S.A. contra a sentença que, nos autos da Ação de Cobrança ajuizada por Fernando B. de Oliveira e Cia. Ltda., julgou a demanda nos seguintes termos:

ISSO POSTO, julgo procedente o pedido feito por Fernando B de Oliveira & Cia Ltda. ME nesta Ação de Cobrança ajuizada contra Allianz Seguros S/A, qualificados, para o fim de condenar a ré a pagar ao autor o valor de R$ 23.910,60 corrigido monetariamente pelo IGP-m e acrescido de juros de 1% ao mês desde a data do sinistro.

Condeno a parte ré ao pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios que fixo em 15% do valor da condenação, pelo trabalho realizado, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

Sustenta a petição recursal que a pretensão autoral encontra-se fulminada pela prescrição, na medida em que o sinistro ocorreu em 19.07.2013, sendo que a solicitação de remessa de documentos complementares feita em 20.08.2013 nunca foi atendida pelo segurado. Alega que a testemunha olvida em juízo é o atual corretor de seguros da autora, o qual não contratou a apólice em questão. Menciona que, tão logo recepcionados os primeiros documentos tocante ao sinistro, na data de 19.07.2013, a seguradora constatou acerca da necessidade de envio da cópia do contrato social da empresa Movil Moveleira Ijuí Ltda., tendo em vista ser a proprietária do veículo em discussão. Destaca que a segurada não autorizou que o pagamento da condenação fosse feito diretamente a proprietária legal do automóvel. Argumenta que a solicitação exercida pela seguradora não se trata de exigência travestida de excesso ou de qualquer prática abusiva, ou ainda que não possa ser atendida pela segurada, tendo em vista que é preciso saber acerca da legitimidade da pessoa que assinou o documento de transferência. Aponta que a baixa do gravame junto ao DETRAN somente cabe ao proprietário registral, tanto que a mensagem que aparece no extrato do veículo é “Liberação da Alienação Fiduciária recebida do Agente Financeiro. Comparecer ao CRVA para sua efetivação.” Assevera que a sentença violou o disposto nos arts. 757 e 765, do CCB. Alternativamente, entende que os juros moratórios devem ser fixados a partir da citação, por se tratar de relação contratual

Requer o provimento do apelo (Evento 69 dos autos originários ).

Intimada, a autora apresentou as contrarrazões (Evento 72 dos autos originários).

Subiram os autos a este Tribunal.

Distribuídos, vieram conclusos.

Cumpriram-se as formalidades previstas nos arts. 929 a 935, do CPC.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo. O preparo foi devidamente comprovado pela ré.

Cuida-se de ação de cobrança da indenização do seguro contratado para o veículo VW/Gol 1.0 GIV, ano/modelo 2010, placas IPW 2169, em virtude de sinistro ocorrido em 19.07.2013.

Pois bem. Relativamente à prescrição, em se tratando de ação envolvendo a cobrança de indenização securitária, é aplicável o prazo ânuo prevista no art. 206, § 1º, II, "b", do Código Civil, in verbis:

Art. 206. Prescreve:

§ 1o Em um ano:

(...)

II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:

(...)

b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;

Ademais, no julgamento do REsp n° 1.303.374/ES, para fins do 3° do art. 947 do CPC, o egrégio STJ consolidou a tese de que "é ânuo o prazo prescricional para exercício de qualquer pretensão do segurado em face do segurador - e vice-versa - baseada em suposto inadimplemento de deveres (principais, secundários ou anexos) derivados do contrato de seguro, ex vi do disposto no artigo 206, § 1º, II, "b", do Código Civil de 2002 (artigo 178, § 6º, II, do Código Civil de 1916)".

Inclusive, de acordo com a egrégia Corte, o conteúdo da obrigação contratual transcende as "prestações nucleares" expressamente pactuadas, abrangendo também os deveres secundários (ou acessórios) e fiduciários (ou anexos), tais como eventuais danos materiais ou morais.

É o que se depreende do mencionado precedente do STJ:

INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA. PRETENSÕES QUE ENVOLVAM SEGURADO E SEGURADOR E QUE DERIVEM DA RELAÇÃO JURÍDICA SECURITÁRIA. PRAZO PRESCRICIONAL ÂNUO.
1. Nos termos da jurisprudência da Segunda Seção e da Corte Especial, o prazo trienal do artigo 206, § 3º, inciso V, do Código Civil de 2002 adstringe-se às pretensões de indenização decorrente de responsabilidade civil extracontratual - inobservância do dever geral de não lesar -, não alcançando as pretensões reparatórias derivadas do inadimplemento de obrigações contratuais (EREsp 1.280.825/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 27.6.2018, DJe 2.8.2018; e EREsp 1.281.594/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves, relator para acórdão Ministro Felix Fischer, Corte Especial, julgado em 15.5.2019, DJe 23.5.2019).
2. Em relação ao que se deve entender por "inadimplemento contratual", cumpre salientar, inicialmente, que a visão dinâmica da relação obrigacional - adotada pelo direito moderno - contempla não só os seus elementos constitutivos, como também as finalidades visadas pelo vínculo jurídico, compreendendo-se a obrigação como um processo, ou seja, uma série de atos encadeados conducentes a um adimplemento plenamente satisfatório do interesse do credor, o que não deve implicar a tiranização do devedor, mas sim a imposição de uma conduta leal e cooperativa das partes (COUTO E SILVA, Clóvis V. do. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 5).
3. Nessa perspectiva, o conteúdo da obrigação contratual (direitos e obrigações das partes) transcende as "prestações nucleares" expressamente pactuadas (os chamados deveres principais ou primários), abrangendo, outrossim, deveres secundários (ou acessórios) e fiduciários (ou anexos).
4. Sob essa ótica, a violação dos deveres anexos (ou fiduciários) encartados na avença securitária implica a obrigação de reparar os danos (materiais ou morais) causados, o que traduz responsabilidade civil contratual, e não extracontratual, exegese, que, por sinal, é consagrada por esta Corte nos julgados em que se diferenciam "o dano moral advindo de relação jurídica contratual" e "o dano moral decorrente de responsabilidade extracontratual" para fins de definição do termo inicial de juros de mora (citação ou evento danoso).

5. Diante de tais premissas, é óbvio que as pretensões deduzidas na presente demanda - restabelecimento da apólice que teria sido indevidamente extinta, dano moral pela negativa de renovação e ressarcimento de prêmios supostamente pagos a maior - encontram-se intrinsecamente vinculadas ao conteúdo da relação obrigacional complexa instaurada com o contrato de seguro.
6. Nesse quadro, não sendo hipótese de incidência do prazo prescricional de dez anos previsto no artigo 205 do Código Civil de 2002, por existir regra específica atinente ao exercício das pretensões do segurado em face do segurador (e vice-versa) emanadas da relação jurídica contratual securitária, afigura-se impositiva a observância da prescrição ânua (artigo 206, § 1º, II, "b", do referido Codex) tanto no que diz respeito à pretensão de restabelecimento das condições gerais da apólice extinta quanto em relação ao ressarcimento de prêmios e à indenização por dano moral em virtude de conduta da seguradora amparada em cláusula supostamente abusiva.
7. Inaplicabilidade do prazo prescricional quinquenal previsto no artigo 27 do CDC, que se circunscreve às pretensões de ressarcimento de dano causado por fato do produto ou do serviço (o chamado "acidente de consumo"), que decorre da violação de um "dever de qualidade-segurança" imputado ao fornecedor como reflexo do princípio da proteção da confiança do consumidor (artigo 12).
8. Tese firmada para efeito do artigo 947 do CPC de 2015: "É ânuo o prazo prescricional para exercício de qualquer pretensão do segurado em face do segurador - e vice-versa - baseada em suposto inadimplemento de deveres (principais, secundários ou anexos) derivados do contrato de seguro, ex vi do disposto no artigo 206, § 1º, II, "b", do Código Civil de 2002 (artigo 178, § 6º, II, do Código Civil de 1916)".
9. Tal proposição não alcança, por óbvio, os seguros-saúde e os planos de saúde - dada a natureza sui generis desses contratos, em relação aos quais esta Corte assentou a observância dos prazos prescricionais decenal ou trienal, a depender da natureza da pretensão - nem o seguro de responsabilidade civil obrigatório (o seguro DPVAT), cujo prazo trienal decorre de dicção legal específica (artigo 206, § 3º, inciso IX, do Código Civil), já tendo sido reconhecida pela Segunda Seção a inexistência de relação jurídica contratual entre o proprietário do veículo e as seguradoras que compõem o correlato consórcio (REsp 1.091.756/MG, relator Ministro Marco Buzzi, relator para acórdão Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 13.12.2017, DJe 5.2.2018).
10. Caso concreto: (i) no que diz respeito às duas primeiras pretensões - restabelecimento das condições contratuais previstas na apólice de seguro e pagamento de indenização por danos morais em virtude da negativa de renovação da avença -, revela-se inequívoca a consumação da prescrição, uma vez transcorrido o prazo ânuo entre o fato gerador de ambas (extinção da apólice primitiva, ocorrida em 31.3.2002) e a data da propositura da demanda (6.2.2004); e (ii) quanto ao ressarcimento de valores pagos a maior, não...

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