Acórdão nº 50000816020078210064 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Criminal, 23-03-2022

Data de Julgamento23 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50000816020078210064
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001902037
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000081-60.2007.8.21.0064/RS

TIPO DE AÇÃO: Apropriação indébita (art. 168, caput)

RELATOR: Desembargador JOSE RICARDO COUTINHO SILVA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra JOSÉ DILSON GOMES VELASQUE, com 38 anos de idade à época do fato, dando-o como incurso nas sanções do artigo 168, caput, do Código Penal, pela prática do seguinte fato delituoso:

"No dia 19 de junho de 2007, às 16h e 43min, na Avenida Getúlio Vargas, nº 1521, centro, nesta cidade, o denunciado apropriou0se de coisa alheia móvel, de que tinha posse, consistente em três DVDs, pertencentes à vítima Miguel Cleomar Sales Solner.

Na ocasião, o denunciado locou, no estabelecimento Stop Vídeo Locadora, de propriedade da vítima, três DVDs, a ''Vivid provocações DVD duplo''; ''O protetor''; e ''Bonde do Forró 02'', conforme documento da fl. 07, os quais deveriam ser entregues no dia 21 de junho de 2007, às 19h, fato que não aconteceu até a presente data."

A denúncia foi recebida em 12.08.2008 (Evento 3, doc. PROCJUDIC1, fl. 30, dos autos originários).

Citado por edital (Evento 3, doc. PROCJUDIC1, fls. 49/50, dos autos originários), sendo, em 02.02.2010, determinada a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional (Evento 3, doc. PROCJUDIC2, fl. 03, dos autos originários).

Após realização de inúmeras diligências, foi o réu localizado e intimado pessoalmente, retomando o curso do processo em 25.10.2018 (Evento 3, doc. PROCJUDIC3, fls. 23/25, dos autos originários), sendo apresentada a resposta à acusação através da Defensoria Pública (Evento 3, doc. PROCJUDIC3, fls. 26/27, dos autos originários).

Durante a instrução, foi ouvida a vítima e interrogado o réu (Evento 3, doc. PROCJUDIC3, fls. 44/46, dos autos originários).

Convertido o debate oral em memoriais, foram esses apresentados (Evento 3, doc. PROCJUDIC3, fls. 49/50, com continuação no doc. PROCJUDIC4, fls. 01/05, e Evento 3, doc. PROCJUDIC4, fls. 07/12, todos dos autos originários).

Sobreveio sentença, considerada publicada em 07.10.2020 (Evento 3, doc. PROCJUDIC4, fl. 19, dos autos originários), julgando improcedente a ação penal para absolver o réu com fundamento no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal (Evento 3, doc. PROCJUDIC4, fls. 13/18, dos autos originários).

Irresignado, o Ministério Público interpôs apelação, sustentando, a presença das elementares do tipo imputado, qual seja, apropriação indébita, ressaltando foram comprovadas a materialidade e a autoria delitivas, com base no inquérito policial e na palavra da vítima, pelo que requereu a condenação do apelado pela prática do crime de apropriação indébita nos termos da denúncia. (Evento 3, doc. PROCJUDIC4, fls. 35/38, dos autos originários)

A defesa apresentou contrarrazões (Evento 3, doc. PROCJUDIC4, fls. 39/48, dos autos originários).

Em parecer, a Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso ministerial (Evento 7 destes autos).

Esta Câmara adotou o procedimento informatizado e foi observado o artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Na espécie, a prova dos autos foi, assim, analisada pela ilustre Juíza de Direito, Dra. Cecilia Laranja da Fonseca Bonotto, ao proferir a sentença (Evento 3, doc. PROCJUDIC4, fls. 13/18, dos autos originários):

"(...)

II – MÉRITO:

O procedimento foi regular e livre de máculas, de modo que passo de imediato à análise do mérito, no qual tenho que não merece prosperar a pretensão punitiva deduzida na inicial acusatória.

Da materialidade e da autoria delitiva:

A EXISTÊNCIA delitiva, ao exame da prova oral colhida, não restou suficientemente comprovada e esclarecida.

Do interrogatório:

O denunciado JOSÉ DILSON GOMES VELASQUE, em seu interrogatório, optou por fazer uso do seu direito constitucional ao silêncio.

Da palavra da vítima:

O ofendido MIGUEL CLEOMAR SALES SOLNER, ouvido em juízo, relatou que era proprietário de uma locadora e alugou alguns DVDs para o acusado. Afirmou que o réu não devolveu os DVDs no prazo e que, na tentativa de recuperá-los, registrou ocorrência policial. Disse que o documento da fl. 12 consiste na segunda via do recibo de locação, no qual consta o nome do réu. Afirmou que ele abriu uma ficha na locadora e que já não devolveu os DVDs na segunda vez em que fez locações. Asseverou que tem certeza que foi ele quem locou os filmes, pois a ficha estava no nome dele e não havia a possibilidade de outra pessoa fazer a locação. Mencionou que a polícia não conseguiu recuperar os DVDs. Disse que acha que o réu havia se mudado de cidade. Referiu que, quando a polícia lhe informou que não havia conseguido recuperar os DVDs, deu baixa no sistema. Ressaltou que o débito era de cerca de R$ 1.335,00 nessa época. Informou que cada DVD custa aproximadamente R$ 120,00 e o réu se apropriou de três deles. Acrescentou que nunca foi ressarcido.

A denúncia dá conta de que réu, em data de 19 de junho de 2007, por volta das 16h43min, na Getúlio Vargas, nº 1521, no estabelecimento Stop Vídeo Locadora, em Santiago/RS, apropriou-se de coisa alheia móvel de que tinha a posse, consistente em três DVDs pertencentes ao ofendido Miguel Cleomar Soares Solner.

É entendimento sedimentado nos tribunais superiores que a não restituição do bem locado não configura o delito de apropriação indébita, sendo matéria a ser solvida no juízo cível, eis que há um contrato de locação entre o denunciado e a vítima.

Por mais singelo que seja o contrato existente entre as partes, certo que há cláusulas que dizem respeito às medidas a serem adotadas no caso de inadimplemento das obrigações, sendo que a seara penal não pode ser levantada como instrumento de coação para o adimplemento contratual.

Cumpre asseverar que o Direito Penal é norteado pelo princípio da intervenção mínima, do qual decorrem outros dois princípios: fragmentariedade e subsidiariedade.

Pelo princípio da intervenção mínima, a intervenção penal é legítima apenas quando a criminalização de um fato é o meio indispensável para proteção de determinado bem jurídico, ou seja, quando não é tutelado eficazmente por outros ramos do direito.

Sob o viés da fragmentariedade, nem todos os ilícitos constituem infração penal, mas somente os que atentam contra os bens jurídicos fundamentais. Ainda, pela ótica da subsidiariedade, somente haverá ingerência do Direito Penal quando os demais ramos e meios estatais de controle social tiverem se revelado insuficientes.

Logo, se a lide pode ser resolvida em outra esfera judicial (no caso, a cível), não há falar em crime.

Acerca da temática, destaco os seguintes precedentes do TJ/RS:

APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. LOCAÇÃO DE DVD. DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO. ILÍCITO CIVIL. ATIPICIDADE PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA MANTIDA. A locação de filmes em DVD pressupõe a existência de contrato de locação entre as partes, e o descumprimento desta avença dá ensejo à pretensão de natureza civil, a qual - frise-se - basta para dirimir a questão. Segundo o princípio da Fragmentariedade Penal, a via...

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