Acórdão nº 50000877220128210038 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoNona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50000877220128210038
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002308396
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000087-72.2012.8.21.0038/RS

TIPO DE AÇÃO: Responsabilidade civil

RELATOR: Desembargador CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: AIRTON GABRIEL GIORDANO (AUTOR)

APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por AIRTON GABRIEL GIORDANO em face de sentença (evento 3, SENT8, do processo originário) que, nos autos da ação indenizatória por danos materiais e morais que move contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, julgou improcedente o pedido, condenando o autor ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios de 20% do valor atualizado da causa, ficando suspensa, porém, a exigibilidade da verba sucumbencial por conta da gratuidade judiciária inicialmente deferida.

Alega o apelante, em síntese apertada, que a sentença merece reforma, na medida em que a prova constante dos autos evidencia a atuação abusiva dos policiais militares que o agrediram na noite do dia 12/02/2012. Refere o regime de responsabilidade civil aplicável à administração pública e discorre sobre os depoimentos das testemunhas inquiridas pelo juízo, as quais corroboram, no seu entendimento, a sua afirmação de que fora agredido pelos agentes policiais dentro de estabelecimento que nem mesmo estava aberto ao público naquela noite. Assinala, ainda, que os depoimentos prestados pelos policiais militares envolvidos no contexto litigioso não são hábeis a confirmar que houve resistência injustificada à prisão realizada na ocasião. Assevera, ademais, que, mesmo no caso de ingestão de bebida alcoólica pelo ofendido na época dos fatos, inexistem quaisquer circunstâncias que possam justificar, comprovadamente, os excessos cometidos pelos agentes públicos na abordagem policial então realizada, ficando consequentemente caracterizada a responsabilidade civil do Estado em razão do abuso de autoridade perpetrado por parte de tais servidores. Também afirma que não estava sob a influência de qualquer bebida alcoólica quando se dirigiu com seu veículo automotor à casa noturna em que ocorridos os fatos controvertidos. Consigna, ainda, que a autoridade policial responsável por sua autuação e prisão não possuía a aptidão e os recursos técnicos necessários para aferir eventual estado de embriaguez do requerente no momento de sua abordagem. Argumenta, assim, que sofreu danos morais em razão da humilhação e das lesões suportadas e danos materiais decorrentes da impossibilidade de trabalhar e dos valores necessários ao resgate de seu veículo junto ao depósito. Pede, então, o provimento do recurso com o julgamento de procedência do pedido.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 3, CONTRAZ10, dos autos originários).

Nesta instância, o Ministério Público manifestou-se pelo desprovimento do recurso (evento 8 destes autos).

Sobreveio decisão de conversão do julgamento em diligência para fins de retificação da digitalização dos autos físicos (evento 10 destes autos).

Cumprida a diligência, retornaram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso interposto, porquanto atendidos seus pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade.

A questão controvertida, conforme narrado na exordial, reside no fato de que, na noite do dia 12/02/2012, por volta das 21 horas, o autor saiu de sua residência em Pinhal da Serra e dirigiu-se a uma boate na cidade vizinha de Esmeralda. Chegou a seu destino quando, “por volta das 24:00 horas chegou uma viatura da polícia militar ao local, sendo que desceram da viatura e adentraram no local dois policiais militares, os quais já chegaram xingando, batendo e agredindo o autor, dizendo que o mesmo havia passado em alta velocidade pelo posto policial na cidade de Pinhal da Serra-RS, onde estavam os policiais e não havia parado quando da solicitação dos mesmos” (sic – fl. 03 da exordial, evento 3, INIC E DOCS2, do processo originário). Refere que das agressões resultou uma fratura nas costelas, a qual o impossibilitou de trabalhar por longo período, além de que os policiais o autuaram por arrancada brusca e por dirigir sob a influência de álcool, sendo que o veículo encontrava-se parado e estacionado no estabelecimento antes referido. Em razão dos alegados excessos de autoridade, postula indenização por danos materiais e morais contra o Estado do Rio Grande do Sul.

A sentença foi de improcedência, dela apelando a parte autora, a qual devolve a este Órgão Julgador a integralidade da matéria.

Pois bem.

A regra geral da responsabilidade civil do Estado está esculpida no § 6º do artigo 37 da CF, o qual determina que as pessoas jurídicas de direito público respondam objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.

Assim, com fundamento na teoria do risco administrativo, para a configuração da responsabilidade civil do Estado bastaria a demonstração do nexo de causalidade entre os danos causados e a conduta tanto das pessoas jurídicas de direito público quanto das de direito privado prestadoras de serviço público, sendo desnecessária a prova da culpa, ou seja, o ato não precisa ser ilícito, basta a comprovação do dano e o nexo causal entre a atividade estatal e o resultado danoso. Ademais, justamente por nosso ordenamento abarcar a teoria do risco mitigado, e não do integral – ressalvadas exceções legais –, é que se admitem causas excludentes de responsabilidade como, em regra, a força maior, o caso fortuito e o fato exclusivo da vítima.

Cabe ainda ter presente, de outra parte, que a abordagem de pessoas por agentes incumbidos da realização de policiamento ostensivo não consubstancia, só por si, um ato ilícito, representando, em contrapartida, o estrito cumprimento do dever legal com escopo de preservação da ordem pública e de prevenção e repressão das infrações penais.

Sem embargo, quando demonstrada a existência de erro, abuso, desproporção ou excesso em conduta praticada por agente público — em consequente ofensa a direito subjetivo —, passa a ação estatal a ser ilegítima e, diante disso, deve responder o Poder Público por eventuais danos causados a terceiros, desde que haja prova suficiente de nexo causal entre os prejuízos sofridos e a atividade do Estado.

Além disso, quando se trata de apreciar a responsabilidade estatal por ato decorrente da atividade de policiamento ostensivo, nem sempre é possível aferir, com facilidade, o grau de desproporção do comportamento do agente público e em que medida não foi este imprescindível para alcançar a finalidade de segurança pública que vincula a sua atividade.

Quer dizer, não são raros os casos em que a ação policial se inicia e se desenvolve de maneira plenamente legítima e o emprego da força pelos respectivos agentes emerge como providência estritamente necessária para a concretização da diligência nos contextos conflituosos sabidamente comuns nessa seara, tais como confrontos estabelecidos com as autoridades policiais ou a oposição injustificada de resistência individual ou coletiva à ordem emanada. Nesses casos, há adequação e necessidade do emprego da força, de modo que eventual restrição a direitos fundamentais passa a ser justificada, em princípio, pela supremacia e pela indisponibilidade do interesse público.

Por outro lado, não se pode descartar a possibilidade de que uma determinada ação policial inicie licitamente e, no seu curso, sobrevenham atos exorbitantes do estrito cumprimento do dever legal (e potencialmente atentatórios a direitos individuais), a exemplo do que sucede quando empregada força policial sem evidente necessidade ou com excesso desproporcional às circunstâncias que justificaram, inicialmente, a intervenção dos agentes de segurança pública. Nessa situações, compromete-se a proporcionalidade do ato estatal por motivo de inadequação ou desnecessidade da medida adotada, de sorte que eventual lesão a direito individual ou coletivo pode dar ensejo à responsabilidade civil do Estado pelo dano causado.

Ou seja, embora comumente necessária para prevenir ou reprimir a prática de determinado ilícito, não pode a força pública ser empregada com ofensa à integridade física ou psíquica das pessoas quando não verificadas circunstâncias que a tornem efetivamente indispensável para a consecução das finalidades a que se subordinam os órgãos de segurança pública. Dessa forma, se evidenciado algum excesso como, por exemplo, agressões sem qualquer resistência do suspeito ou seu tratamento degradante em uma condução coercitiva, haverá, como regra, ato estatal passível de indenização.

É por isso, então, que se revela essencial a análise pormenorizada de todo o contexto fático submetido à apreciação judicial, com adequada ponderação das circunstâncias e causas específicas da abordagem questionada e o modo como ela foi realizada in concreto.

In casu, é fato incontroverso que o autor foi abordado por policiais militares em casa noturna situada no Município de Esmeralda, no dia 12/02/2012, por volta da meia-noite, ocasião em que sofreu lesões corporais após lhe ter sido...

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