Acórdão nº 50000894320108210028 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 24-11-2022

Data de Julgamento24 Novembro 2022
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50000894320108210028
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002959074
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000089-43.2010.8.21.0028/RS

TIPO DE AÇÃO: Usucapião Extraordinária

RELATOR: Desembargador HELENO TREGNAGO SARAIVA

APELANTE: ADELMO RITTER (RÉU)

APELANTE: LURDES GNATTA RITTER (RÉU)

APELADO: BERNARDINO BORTOLINI (AUTOR)

APELADO: ILORDES LEVISKI BORTOLINI (AUTOR)

RELATÓRIO

ADELMO RITTER E OUTRA interpõem recurso de apelação em face da sentença proferida nos seguintes termos:

DISPOSITIVO:

Da ação de usucapião (028/1.10.0008256-0)

ISSO POSTO, JULGO PROCEDENTES os pedidos deduzidos na presente ação, consoante o art. 487, I, do CPC, para declarar a propriedade do imóvel descrito na inicial, Fração do Lote Rural n.º 261, de 4,0ha, objeto da matrícula n.º 1.948 do CRI de Tuparendi, em favor dos autores.

Condeno a parte requerida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios do patrono da parte adversa, os quais fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. A exigibilidade do encargo fica suspensa ante o benefício da gratuidade da justiça que ora defiro aos réus, considerando os documentos acostados às fls. 90/91.

A presente sentença servirá de título para matrícula, junto ao Registro de Imóveis de Tuparendi.

Da ação de manutenção de posse (028/1.11.0000885-0)

JULGO IMPROCEDENTE a ação de manutenção de posse movida por BERNARDINO BORTOLINI e ILORDES LEVISKI BORTOLINI em face de ADELMO RITTER e LURDES GNATTA RITTER, com fundamento no art. 487, I, do CPC.

Condeno os autores ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios do patrono da parte adversa, os quais fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da causa, consoante o art. 85, §2º, do CPC. A exigibilidade do encargo fica suspensa em razão do benefício da gratuidade da justiça concedido na ação de usucapião apensa (fl. 50), que ora estendo ao presente feito.

Os apelantes aduzem a possibilidade de permanência dos documentos acostados com os aclaratórios nos autos, uma vez que submetidos ao contraditório. Arguem a nulidade da sentença, pois baseada em premissa equivocada. Ressaltam a impossibilidade de aplicação da regra de transição prevista no art. 1.029 do Código Civil. No mérito, afirmam a ausência de lapso temporal necessário à usucapião. Destacam que, em 26/09/1990, o imóvel usucapiendo foi alienado pelos apelantes ao senhor Domingo Cogo, tendo como fiador o apelado Bernardino e, em 20/10/2010, foi firmado instrumento particular de cessão de direitos possessórios, onde Werner Stry e Edela Wurter Strey cediam a posse a Bernardino, a qual não corresponde à realidade. Ressaltam que, em sede de embargos à monitória apresentados nos autos da ação nº 028/1050000434-9, o apelado Bernardino afirma que o imóvel foi adquirido pelo senhor Domingo e, na ocasião, confirmou sua condição de fiador. Destacam, ainda, que, em decorrência de ordem judicial emanada nos autos do processo 028/1050000434-9, os apelantes estão na posse do imóvel desde 16/02/2011. Referem, ainda, que Bernardino possui uma área de terras lindeira ao imóvel usucapiendo, lote nº 264, não havendo divisória, razão pela qual as testemunhas afirmam que ele estava por lá em 2013. Apontam ausência de posse mansa e pacífica, pois ajuizada ação monitória contra o comprador inadimplente, do que decorreu a imissão dos apelantes na posse do bem. Salientam que não transcorreu o prazo de vinte anos para a aquisição do domínio, pois o ajuizamento da ação monitória interrompeu o prazo prescricional. Defendem a litigância de má-fé dos apelados. Requerem a reforma da sentença.

Não foram apresentadas contrarrazões.

Digitalizados os autos, vieram conclusos para julgamento.

VOTO

Por uma questão de ordem, destaco que tendo sido a sentença publicada e o recurso interposto sob a égide do novo Código de Processo Civil, é sob a ótica de tal legislação que serão examinadas as questões processuais que não se refiram à matéria de fundo, a qual, por sua vez, deve ser examinada à luz da legislação anterior, por aplicação do princípio “tempus regit actum”.

Atendidos os requisitos de admissibilidade, conheço do presente recurso.

Os autores ajuizaram ação, em 27/12/2010, pretendendo a declaração, por sentença, da propriedade do domínio útil sobre o lote rural nº 261 da 1ª Seção Santo Cristo, com área de 40.0000m², situado na RS 344, próximo à cidade de Tuparendi (RS), matriculado sob o nº 1948 do CRI de Tuparendi.

Na inicial, afirmam que são senhores e possuidores de fração do lote rural desde 10/01/1987; que, de janeiro de 1987 até setembro de 1990, a posse foi exercida por Verner Strey e sua esposa Edela Wurter Strey, que cederam para Bernardino, sendo possível a soma das posses em conformidade com o art. 1.243 do CC; que possui o imóvel como se fosse o próprio dono e nunca sofreu contestação ou impugnação da sua posse; que sua posse é mansa, pacífica e ininterrupta por todo o lapso temporal. Fundamenta seu pedido no art. 1.238, parágrafo único, do CC, combinado com o art. 941 do CPC/73.

Acostaram o levantamento planimétrico, o memorial descritivo, a certidão do Registro de Imóveis da Comarca de Santa Rosa, fotografias da área, o Instrumento Particular de Cessão de Direito Possessórios de Bem Imóvel, o Contrato de Promessa de Compra e Venda com Pacto Irretratável e Irrevogável, recibos de pagamentos, declarações abonatórias e o Termo de Cessão de Direitos e Assunção de Obrigação.

Em contestação (fls. 65/, os réus afirmam que o Sr. Bernardino figura como fiador na compra e venda do imóvel do demandado Adelmo Ritter; que não cumpre com a obrigação de pagar o imóvel adquirido pelo cunhado Domingo Cogo; que opôs embargos à monitória, julgados improcedentes; que Domingos interpôs ação anulatória em relação ao acordo judicial homologado na ação que visava a cobrança do saldo não pago, cuja sentença foi de improcedência; que Bernardino altera a verdade dos fatos e procede de modo temerário; que os autores são carecedores de ação, pois o Sr. Adelmo transferiu a posse e o domínio do imóvel ao Sr. Domingo Cogo em 26/09/1990; que, se Bernardino detém a posse do imóvel, esta é decorrente do seu parentesco com Domingo; que a ação monitória tramita desde 2005, sendo ajuizada contra o comprador do imóvel (Domingo Cogo) e seu avalista (Bernardino Bortolini); que eventual contagem do prazo da usucapião somente poderia ter início em junho de 1991, quando deveria ser paga a última parcela do contrato; que a posse dos autores é precária, pois decorre de contrato de compra e venda não honrado; que o documento de fls. 17/19 foi confeccionado em 20/10/2010 com a única finalidade de respaldar o ajuizamento da presente ação.

A sentença julgou procedente o pedido inicial, razão da presente inconformidade.

Os documentos juntados aos autos com os embargos de declaração, após a prolação da sentença, não se tratam de documentos novos e não podem ser aceitos, pois passíveis de serem acessados pela parte antes do ajuizamento da ação ou, pelo menos, no seu decorrer. E eventual impossibilidade de isso ter ocorrido, não foi demonstrada, estando correta a determinação de desentranhamento.

Assim, não conheço de tais documentos, devendo ser mantida a determinação de desentranhamento.

No tocante à arguição de nulidade da sentença, não assiste razão aos apelantes.

A sentença proferida pelo Juízo a quo não se configura nula, uma vez que está devidamente fundamentada, em conformidade com o disposto no art. 489, II, do CPC, analisando todas as questões de fato e de direito arguidas pelas partes

O julgador a quo analisou as questões jurídicas postas mediante livre interpretação motivada com base nas circunstâncias e elementos de prova constantes nos autos. Além do mais, nos termos do artigo 489, § 1º, IV, do CPC, não está o julgador obrigado a enfrentar todos os argumentos trazidos no processo, mas sim apresentar as razões para a formação do seu convencimento, o que ocorreu na espécie.

Trata-se, em realidade, de inconformidade com o decidido, não havendo qualquer nulidade a ser reconhecida.

Relativamente à aplicação do art. 2.029 do CC, a questão se confunde com o mérito e com ele será examinada.

Assim, rejeito as preliminares.

Quanto aos requisitos da posse na usucapião, leciona Francisco Eduardo Loureiro (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Coordenador: Ministro Cezar Peluso. 15ª. ed.–Barueri, SP : Manole, 2021, p. 1141.):

Dois elementos estão sempre presentes, em qualquer modalidade de usucapião, o tempo e a posse. Não basta a posse normal (ad interdicta), exigindo-se posse ad usucapionem, na qual além da visibilidade do domínio, deve ter o usucapiente uma posse com qualidades especiais, previstas no art. 1.238 do Código Civil: prazo de quinze anos, sem interrupção (posse contínua), nem oposição (posse pacífica), e ter como seu o imóvel (animus domini).

O mesmo doutrinador esclarece acerca do animus domini:

Deve o usucapiente possuir animus domini, ou, na dicção da lei, “como seu” o imóvel. Controverte a doutrina sobre o exato sentido do animus domini, consistente na vontade de tornar-se dono, de ter a coisa como sua, de ter a coisa para si – animus rem sibi habendi. Existem autores que entendem que o elemento animus domini da usucapião estaria ligado à teoria subjetiva de Savigny. Predomina a corrente, porém, que entende o animus estar essencialmente ligado à causa possessionis, à razão pela qual se possui, não constituindo elemento meramente subjetivo. Possui a coisa como sua quem não reconhece a supremacia do direito alheio. Ainda que saiba que a coisa pertence a terceiro, o usucapiente se arroga soberano e repele a concorrência ou a superioridade do direito de outrem sobre a coisa.

O art. 550...

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