Acórdão nº 50000911320208210141 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Cível, 22-02-2023

Data de Julgamento22 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50000911320208210141
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003243041
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000091-13.2020.8.21.0141/RS

TIPO DE AÇÃO: Enriquecimento ilícito

RELATOR: Desembargador FRANCESCO CONTI

APELANTE: JOICE APARECIDA SANTOS DOS REIS (AUTOR)

APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por JOICE APARECIDA SANTOS DOS REIS, nos autos da ação ajuizada em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, contra sentença que julgou improcedentes os pedidos (evento 27, origem).

Opostos embargos de declaração, que foram desacolhidos (evento 34, origem).

Sustentou a parte apelante, em suas razões (evento 38, origem), que a servidora estava debilitada, enfrentando problemas de saúde, e adotou todas as medidas possíveis a que fosse efetivada a delimitação de função. Disse que não foi chamada para ocupar função delimitada e não obteve retorno de seus chamados. Mencionou que após três anos a conclusão da delimitação de função permaneceu inalterada. Aduziu boa-fé da servidora que permanecia em tratamento médico e nunca foi chamada para comparecer a uma nova avaliação pericial ou a ocupar função delimitada. Referiu que não há prova de que o Estado tenha disponibilizado à servidora função delimitada e que a mesma tenha negado assumir. Teceu considerações sobre a moléstia psíquica que acomete a servidora. Postulou a restituição dos valores impagos, bem como do montante descontado relativo ao período de 30/03/2015 a 30/03/2016, no qual o salário foi pago normalmente, já com os descontos legais pertinentes. Requereu o provimento do recurso.

Apresentadas contrarrazões (evento 46, origem).

O Ministério Público, nesta instância, opinou pelo desprovimento do recurso (evento 7).

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Na presente ação, a parte autora, que ocupa o cargo de Professora perante o Estado, pretende invalidar ato administrativo que lhe aplicou a pena de demissão, convertida em suspensão de 30 dias, no bojo de Processo Administrativo Disciplinar, fundada nos arts. 26 e 191, IV, c/c 187, § 1º, todos do Regime Jurídico Único do Estado (Lei Complementar nº 10.098/94), que assim dispõem:

Art. 26 - Salvo nos casos previstos nesta lei, o servidor que interromper o exercício por mais de 30 (trinta) dias consecutivos será demitido por abandono de cargo, com base em resultado apurado em inquérito administrativo.

Art. 187 - São penas disciplinares:

[...] § 1º - Na aplicação das penas disciplinares, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração e os danos delas resultantes para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.

Art. 191 - O servidor será punido com pena de demissão nas hipóteses de: [...] IV - abandono de cargo em decorrência de mais de 30 (trinta) faltas consecutivas;

O procedimento administrativo foi aberto em janeiro de 2018 em virtude da constatação de que entre 30/03/2015 e 29/03/2018 a servidora não compareceu ao trabalho, sem justificativa para tal. Julgados improcedentes os pedidos, apela a parte autora.

Pois bem. O controle judicial do ato administrativo que implica punição ao servidor é limitado à sua legalidade e legitimidade, sendo vedada a apreciação do mérito pelo Poder Judiciário, sob pena de afronta ao princípio constitucional da separação de poderes. Destarte, só é possível a revisão das decisões administrativas quando há flagrante e comprovada ilegalidade do ato.

Nesse sentido, ensina Hely Lopes Meirelles1:

O que não se permite ao Judiciário é pronunciar-se sobre o mérito administrativo, ou seja, sobre a conveniência, oportunidade, eficiência ou justiça do ato, porque, se assim agisse, estaria emitindo pronunciamento de administração, e não de jurisdição judicial.

Contudo, viável a análise, na via judicial, da presença de elemento volitivo do servidor quanto ao não comparecimento ao serviço, como já decidido por esta Câmara, à exemplo:

APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICIPIO DE VACARIA. DEMISSÃO. ABANDONO DE CARGO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEPENDÊNCIA QUÍMICA. REINTEGRAÇÃO AO CARGO. AUSÊNCIA DE VOLUNTARIEDADE. 1. É passível de análise pelo judiciário a tese de ilegalidade na demissão por abandono de cargo em virtude da ausência de elemento volitivo do servidor quanto ao não comparecimento ao serviço e cumprimento de seus deveres funcionais. 2. Cabe ao servidor demonstrar a inadequação do reconhecimento do abandono de cargo, por meio de prova que evidencie a ausência de voluntariedade na ausência ao serviço. Inexistindo tal prova, deve ser mantido hígido o ato administrativo. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70069709947, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em 27/07/2016) (grifei)

Inclusive, a demonstração da ausência de animus abandonandi é elemento probatório suficiente ao afastamento da pena de demissão fundada na inassiduidade ou abandono de cargo. Isto porque o elemento volitivo é requisito necessário à aplicação da pena sob tal fundamento, conforme entendimento tranquilo deste Colegiado.

A exemplo:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DESCONSTITUTIVA DE PENALIDADE DE DEMISSÃO POR ABANDONO DE CARGO. MANIFESTA AUSÊNCIA DE ANIMUS ABANDONANDI. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. Conclusão do processo administrativo-disciplinar que se revela incompatível com a realidade do reconhecimento do próprio órgão previdenciário municipal de que a servidora, contemporaneamente à decisão de demissão por suposto abandono de cargo, estava em licença-saúde e assim impossibilitada de laborar. 2. A caracterização do abandono de cargo exige a presença do elemento de cunho subjetivo, relacionado ao propósito consciente e voltado à cessação dos deveres do cargo pelo servidor, ou seja, o animus abandonandi. Sedimentada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a respeito. 3. Ação julgada improcedente na origem. APELAÇÃO PROVIDA.(Apelação Cível, Nº 70082639790, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Uhlein, Julgado em: 29-01-2020) (grifei)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICÍPIO DE SANTA ROSA. SINDICÂNCIA DISCIPLINAR. PENALIDADE DE DEMISSÃO. ABANDONO DE CARGO. PRETENSÃO DE SUSPENSÃO DOS EFEITOS DA PORTARIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 300, DO CPC/2015. 1.Em que pese a instauração de simples sindicância disciplinar, destinada à apuração de supostas infrações aos arts. 133, I, III e X e art. 134, XV, da Lei Complementar Municipal nº 37/2007, diante do não comparecimento do servidor após longo período de licença para tratamento de saúde em razão de problemas psíquicos; a Portaria que aplicou a pena de demissão ao autor, teve como fundamento legal os artigos 150, III e 153, ambos da Lei Complementar Municipal nº 37/2007. 2. O ato administrativo de demissão – por suposto abandono de cargo - não observou os limites da Portaria Instauradora da Sindicância, que...

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