Acórdão nº 50001013920228210092 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 24-02-2023

Data de Julgamento24 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50001013920228210092
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003003004
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000101-39.2022.8.21.0092/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000101-39.2022.8.21.0092/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro (art. 213)

RELATOR: Desembargador JONI VICTORIA SIMOES

RELATÓRIO

O Ministério Público, na Comarca de Constantina, ofereceu denúncia contra S.G.F., já qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do artigo 213, caput, do Código Penal, pela prática do seguinte fato delituoso:

No dia 1º de janeiro de 2022, em horário não especificado, mas durante a madrugada, na casa do denunciado, situada na Linha São Sebastião, neste Município, o denunciado S.G.F. constrangeu, mediante violência e grave ameaça, a vítima T.M.F. a manter conjunção carnal.

Na ocasião, o companheiro da vítima T.M.F., D.G.F. (que é filho do denunciado), saiu de casa, tendo ela permanecido sozinha no local. Na sequência, o denunciado S.G.F. adentrou à residência e perguntou se D.G.F. estava, ao que foi respondido que ele tinha se deslocado para outra comunidade, sendo que então o denunciado saiu do local.

Logo em seguida, o denunciado S.G.F. retornou para a casa da vítima, pegou uma faca e disse à vítima que “hoje ela iria dormir com ele”, sendo que a vítima T.M.F. respondeu que era casada com o filho dele, mas o denunciado retrucou que isso não interessava. Diante disso, a vítima saiu do local com o objetivo de pedir ajuda aos vizinhos, mas não logrou êxito, pois ninguém lhe atendeu.

Ao contínuo, o denunciado S.G.F. se aproximou da vítima, derrubou-a ao chão e começou a tentar esganá-la, dizendo que não deveria gritar. Na sequência, o denunciado colocou a vítima T.M.F. em pé, posicionou um dos braços para trás e a conduziu até a casa dele, onde não havia outras pessoas.

Em seguida, o denunciado S.G.F. fechou a residência, posicionou a faca sobre a cama e afirmou que cortaria o pescoço da vítima, caso gritasse. Logo após, retirou a roupa da vítima T.M.F. e, enquanto segurava seus dois braços, manteve conjunção carnal com ela.

Após o ato sexual, o denunciado ordenou que a vítima não contasse para ninguém sobre o ocorrido e mandou-a para casa. Diante disso, a vítima voltou para a sua casa e aguardou a chegada do seu companheiro, para quem relatou sobre o ocorrido e, na manhã seguinte, efetuou o registro de ocorrência policial.

O delito foi praticado prevalecendo-se de relações domésticas, na forma da Lei n. º 11.340/2006, visto que o denunciado é pai do companheiro da vítima.

O denunciado é reincidente específico, visto que já condenado pelo delito de estupro nos autos do processo n.º 092/2.01.0000012-2.

Foi decretada a prisão temporária do acusado, pelo prazo de 30 dias, tendo sido efetivada em 03/01/2022.

A denúncia foi recebida em 28/01/2022, oportunidade em que a prisão temporária foi convertida em preventiva.

Citado, o acusado apresentou resposta à acusação, por intermédio de defesa constituída.

Não sendo caso de absolvição sumária, seguiu-se à instrução processual, com a oitiva da vítima e de três testemunhas, sendo, ao final, interrogado o réu.

Encerrada a instrução, as partes ofereceram memoriais escritos.

Sobreveio sentença, julgando procedente a ação penal, para condenar o réu S.G.F., por incursão nas sanções do artigo 213, caput, combinado com o artigo 61, inciso II, alínea "f", ambos do Código Penal, com incidência do artigo 1º, inciso V, da Lei 8.072/90, à pena de 09 anos e 06 meses de reclusão, em regime inicial fechado. Não foi concedida a possibilidade de apelar em liberdade. O acusado foi condenado, ainda, ao pagamento das custas processuais, tendo restado suspensa a exigibilidade.

Publicada a sentença em 07/09/2022.

O réu foi intimado pessoalmente da sentença.

Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação, o qual foi recebido.

Em suas razões, preliminarmente, requer a nulidade do segundo depoimento prestado pela testemunha S., bem como da utilização dos depoimentos das testemunhas G. e D. parar amparar a condenação. Aduz que a acusação acabou se utilizando de depoimentos dos quais havia desistido, bem como que não teria sido possível confrontar situações relatadas na segunda oitiva de S. com os relatos das demais testemunhas, porque não foram reinquiridas. Suscita também nulidade pelo fato de o réu não ter sido ouvido na fase inquisitorial, bem como em razão de o Juízo não ter considerado as disposições da Resolução 287/2019 do Conselho Nacional de Justiça ao prolatar a sentença, em que pese o acusado seja indígena. Assim, postula a anulação do feito desde a fase policial. No mérito, argumenta que o fato é atípico, porquanto a relação entre o apelante e a ofendida teria sido consensual. Salienta, a esse respeito, que o laudo pericial não teria apontado vestígios de violência, bem como que há incongruência entre os fatos narrados na denúncia e o que foi apurado ao longo da instrução processual. Aduz, outrossim, que a testemunha S. teria interesse pessoal na condenação do réu, bem como ressalta o depoimento de R., que teria afirmado não ter ouvido qualquer pedido de socorro na data dos fatos. Nesses termos, pugna pela absolvição do acusado. Subsidiariamente, pleiteia a aplicação do disposto no artigo 10 da Resolução 287/2019 e no artigo 56 da Lei 6.001/73, que versam sobre a aplicação de regime de semiliberdade para indígenas.

Foram apresentadas as contrarrazões.

Os autos foram remetidos ao Tribunal de Justiça, e distribuídos a esta Relatoria.

O Ministério Público, em parecer da lavra do Procuradora de Justiça, Dra. Maria Alice Buttini, opinou pelo improvimento do apelo defensivo.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O recurso é cabível e foi tempestivamente interposto, preenchendo, assim, os requisitos para que seja conhecido.

De plano, passo a analisar as preliminares de nulidade suscitadas pela defesa, começando pela questão atinente à prova testemunhal utilizada.

Inicialmente, veja-se que, no início da audiência de 30/05/2022 (processo 5000101-39.2022.8.21.0092/RS, evento 101, TERMOAUD1), foi levantado pela defesa problema técnico referente aos vídeos das testemunhas ouvidas na audiência anterior, que estavam sem áudio. Assim, designou-se data para reinquirição das testemunhas S., D. e G., sendo que, na ocasião, somente S. foi novamente ouvida, tendo o Ministério Público desistido da nova oitiva de D. e G., que não haviam comparecido à solenidade. Após, foram inquiridas as testemunhas defensivas, realizado o interrogatório do réu e encerrada a instrução processual.

Contudo, em sede de memoriais, o Parquet asseverou ter conseguido reproduzir adequadamente, ou seja, com áudio, os vídeos em questão, utilizando outro programa para executá-los. Sanada, portanto, a questão técnica, o Juízo de piso fez uso de todos os depoimentos colhidos para fundamentar a sentença, o que, a meu ver, não é problema.

Isso porque, por primeiro, como salientou o Procurador de Justiça, no parecer, a questão foi resolvida antes que a defesa apresentasse suas alegações finais, de modo que também pôde acessar o conteúdo em tempo hábil. Além disso, há que se considerar que a defesa esteve presente e participou de todas as oitivas em questão, bem como o réu foi interrogado somente ao final, inclusive após a reinquirição de S.

Nesse contexto, não vislumbro qualquer prejuízo ao acusado somente pelo fato de não terem sido reinquiridos também G. e D., após a segunda oitiva de S., mesmo porque as três testemunhas em questão foram arroladas pela acusação. Cumpre referir, no ponto, que a defesa limitou-se a alegar que o prejuízo ao réu decorre do fato de que o segundo depoimento de S. não pôde ser confrontado com os de D. e G., sem sequer indicar em quais pontos isso seria necessário.

Já relativamente ao fato de o acusado não ter sido ouvido na fase policial, cumpre referir, de plano, que, por seu caráter informativo e cunho inquisitorial, a produção probatória, em sede de inquérito policial, não assegura de forma plena o exercício da garantia do contraditório. Esse será exercido, em toda sua extensão, ao longo da etapa judicializada posterior.

E, com efeito, o acusado pôde se manifestar ao longo da instrução processual, quando foi interrogado e deu a sua versão para os fatos, acompanhado do seu advogado constituído, restando devidamente assegurados, portanto, o contraditório e a ampla defesa.

Nesse horizonte, entende a Corte Superior pela desnecessidade do interrogatório do investigado durante o inquérito policial:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CORRUPÇÃO PASSIVA, LAVAGEM DE CAPITAIS E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. FALTA DE DISPONIBILIZAÇÃO DO INQUÉRITO À DEFESA, QUANDO DA RESPOSTA À ACUSAÇÃO. VÍCIO SANADO NO DECORRER DO PROCESSO EM PRIMEIRO GRAU. INTERROGATÓRIO DO INVESTIGADO NO INQUÉRITO POLICIAL. DESNECESSIDADE. DEFESA PRÉVIA. IMPUTAÇÃO DE CRIMES FUNCIONAIS E NÃO FUNCIONAIS. PRESCINDIBILIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. PRETENSÃO DE VALORAÇÃO POSITIVA DO COMPORTAMENTO DA VÍTIMA, CONTRARIANDO A NARRATIVA FÁTICA DO ARESTO RECORRIDO. SÚMULA 7//STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Embora o inquérito policial não estivesse disponível à defesa quando da resposta à acusação, o acesso lhe foi franqueado durante a tramitação do processo em primeira instância, como constatou a Corte local. Vício sanado. 2. É desnecessário o interrogatório do réu, então investigado, durante o inquérito policial. 3. Quando a denúncia imputa aos acusados crimes funcionais e não funcionais, é dispensável a defesa prévia do art. 514 do CPP. 4. A pretensão de que o comportamento das vítimas seja considerado em favor dos réus (porque as vítimas teriam oferecido a vantagem indevida) contraria os fatos expostos no acórdão recorrido, de modo que seu deferimento é obstado...

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