Acórdão nº 50001025020228210148 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Criminal, 15-06-2023

Data de Julgamento15 Junho 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50001025020228210148
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003789768
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000102-50.2022.8.21.0148/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATOR: Desembargador Sérgio Miguel Achutti Blattes

RELATÓRIO

Adoto o relatório da sentença, in verbis:

O MINISTÉRIO PÚBLICO, por sua agente, embasado no incluso Inquérito Policial nº 34/2021/153025/A (E-Proc nº 5001454- 77.2021.8.21.0148), da Delegacia de Polícia de Ronda Alta, ofereceu denúncia contra O. C., devidamente qualificado nos autos, atribuindo-lhe a prática do crime tipificado no art. 217-A, caput (duas vezes), na forma do art.71, caput, ambos do Código Penal; e art. 1º, inciso VI, da Lei nº 8.072/90.

Quanto aos fatos, narra a peça acusatória que:

"No dia 30 de dezembro de 2020 e em janeiro de 2021, na Rua Duque de Caxias, Bairro São Luiz, em Três Palmeiras, o denunciado praticou, por duas vezes, atos libidinosos com a vitima M. E. B. W., com 11 e 12 anos de idade na data dos fatos.

Nas oportunidades, a vítima dirigiu-se, juntamente com sua avó, L. O. B., a casa de N. C., vizinha e ex-companheira do denunciado.

Em ambas as ocasiões, ao utilizar o banheiro do local, a vítima foi seguida pelo denunciado, que adentrou ao sanitário juntamente com M. E.. Ato contínuo, praticou atos libidinosos com ela, passando-lhe as mãos pelo corpo e genitália, tendo, em uma das oportunidades, tentado tirar as roupas da criança/adolescente".

A denúncia foi recebida no dia 21/02/2022 (ev.3).

Citado (ev.6), o acusado, assistindo pela Defensoria Pública, apresentou resposta à acusação (ev.8), arrolando testemunhas.

Afastada a possibilidade de absolvição sumária, o processo teve regular seguimento, com a designação de audiência de instrução (ev.10).

Em audiência instrutória, foi colhido o depoimento da vítima, na modalidade de depoimento sem dano, bem como inquiridas as testemunhas de acusação e defesa. Por fim, o réu foi interrogado (ev.106).

Em memoriais, o Ministério Público pugnou pela condenação do réu, nos termos da denúncia (ev.113).

A defesa, em memoriais, defendeu o juízo absolutório, asseverando não haver prova de ter se consumado os atos libidinosos e apontando inconsistências nas declarações da ofendida. Citou precedentes jurisprudenciais, requerendo a absolvição do réu por ausência de prova da autoria (ev.116).

[...].

Acresço que sobreveio sentença, julgando procedente a pretensão acusatória, a fim de condenar o réu O. C. como incurso nas sanções do artigo 217-A, caput, c/c artigo 61, inciso I, alínea “h”, na forma do artigo 71, caput, todos do Código Penal, com a incidência das disposições da Lei dos Crimes Hediondos, impondo a pena de 12 anos e 27 dias de reclusão, em regime inicial fechado.

Sentença publicada em 19.12.2022.

Partes devidamente intimadas e, inconformada com o decreto condenatório, a Defensoria Pública interpôs recurso de apelação.

Nas razões, preliminarmente, sustenta a ocorrência de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, referindo que o inquérito policial não estava acessível à defesa até o dia em que proferida a prolação da sentença. Aponta a nulidade do feito em razão da demora demasiada para prolação da sentença. Afirma, ainda, que a sentença condenatória não fez o cotejo analítico das provas aportadas aos autos, limitando-se a transcrever a prova oral dos memoriais apresentados pelo Ministério Público. Em relação ao mérito, postula a absolvição, com fundamento no artigo 386, incisos IV e VII, do Código de Processo Penal, alegando que as provas são contraditórias e insuficientes para imposição do juízo condenatório. Subsidiariamente, requer o redimensionamento da pena, aplicada na origem, o afastamento da continuidade delitiva, bem como o reconhecimento do delito na forma tentada. Por derradeiro, prequestiona a matéria debatidas no apelo.

Apresentadas contrarrazões, o Ministério Público rebate parcialmente as teses defensivas, postulando o parcial provimento do apelo, tão somente para que seja reconhecido o crime único, pois ausente a duplicidade de agressões.

Nesta Instância, a douta Procuradoria de Justiça opina pelo conhecimento e, quanto ao mérito, pelo parcial provimento do apelo defensivo.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas:

Trata-se de recurso de apelação interposto pela Defensoria Pública, pois inconformada com a sentença que condenou o réu O. C. pela prática do crime de estupro de vulnerável (duas vezes).

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo.

Desde logo, friso que não prospera a preliminar de nulidade por cerceamento de defesa, asseverando jamais ter sido franqueado acesso aos autos do inquérito policial a seu defensor constituído (5001454- 77.2021.8.21.0148).

Compulsando os autos, verifico que o acusado, ao ser citado, manifestou o desejo de ser assistido pela Defensoria Pública Estadual. Em 05.04.2022, o Defensor Público Arlei Antônio Batistella apresentou resposta à acusação, tecendo os argumentos que entendia necessários à defesa do acusado, não havendo qualquer pedido de liberação do acesso aos autos do inquérito policial.

Do exame dos autos eletrônicos do caderno investigativo, constato que não houve o cadastramento do causídico como representante legal do réu naquele expediente, circunstância que, modo evidente, obstaculizou tivesse acesso ao seu conteúdo. Entretanto, tal óbice seria facilmente contornado caso o defensor, ao perceber tal situação, tivesse solicitado seu cadastramento. Contudo, não o fez.

Adiante, encerrada a instrução probatória, observo que o Defensor Público Arlei Antônio Batistella, em 18.08.2022, apresentou memoriais escritos, cotejando os depoimentos aportados ao longo da instrução probatório, inexistindo, novamente, qualquer notícia sobre a ausência de acesso ao caderno investigativo.

Em 19.12.2022, houve o cadastramento da sentença condenatória proferida em desfavor do acusado, sendo operada a intimação da Defensoria Pública a respeito do ponto. No mesmo dia, segundo consta do sistema informatizado, o Defensor Público Arlei Antônio Bastistella informou que, por motivo não suficientemente esclarecido, não obtido acesso ao conteúdo do inquérito policial, postulando, na ocasião, o seu cadastramento no sistema Eproc naqueles autos, situação realizada pela serventia cartorária naquele mesmo dia.

Não identifico, pois, qualquer cerceamento de defesa. Aliás, não há qualquer registro de negativa de acesso aos autos do inquérito policial ou de qualquer dificuldade imposta pelo serviço cartorário ao exercício da defesa, conforme aventado. Ao contrário, o que se percebe é que a defesa deveria ter solicitado a regularização de seu cadastro como representante legal do réu no expediente investigativo, bastando para isso a simples iniciativa de comunicar o fato ao juízo e solicitar providências, o que não fez em nenhum momento do processo, ainda que tenha sido intimada para todos os atos e se manifestado em diversas oportunidades, vindo a veicular tal insurgência somente em apelação.

Aliás, observo que, embora tenha ocorrido o pleno cadastramento da Defensoria Pública no expediente investigativo no dia 19.12.2022, as razões recursais sequer abordam o conteúdo dos dados levantados durante a investigação.

No contexto apresentado, julgo inviável reconhecer tenha havido nulidade absoluta passível de justificar a anulação da sentença e respectiva reabertura da instrução com fulcro em cerceamento ao exercício da defesa.

Relativamente à alegação de nulidade do feito em razão da demora para prolação da sentença, novamente não assiste razão à Defensoria Pública.

Em relação ao ponto, a Defesa consigna que os memoriais defensivos foram protocolizados em 18.08.2022, enquanto a publicação da sentença condenatória ocorreu somente em 19.12.2022, às vésperas do recesso forense.

Entretanto, reexaminando a movimentação processual do sistema Eproc, observo que, de fato, os memoriais da Defesa foram protocolizados em 18.08.2022, sendo operada a conclusão dos autos ao juízo no dia 06.09.2022. Em 19.09.2022, o juízo requisitou o pagamento dos honorários fixados em favor da advogada dativa nomeada por ocasião da audiência de instrução, pois ausente a Defensoria Pública. Em 20.10.2022, a serventia cartorária fez nova conclusão dos autos ao magistrado, sobrevindo a sentença condenatória no dia 19.12.2022.

Na espécie, considerando que, após o oferecimento dos memoriais defensivos, houve o impulso do processo para requisição dos honorários estabelecidos à advogada dativa, providência de mero expediente, enquanto os autos foram entregues aptos para julgamento pelo magistrado em 20.10.2022.

Logo, não há falar em demora demasiada para prolação da sentença condenatória - 02 meses -, na medida em que o tempo transcorrido é manifestamente razoável dentro da prática forense, especialmente quando não se trata de processo urgente - tais como aqueles que constam prisões preventivas.

Adiante, no que diz respeito ao argumento de que a sentença fora disponibilizada às vésperas do recesso forense, impedindo, portanto, o exame detalhado dos autos pela Defesa do acusado, outra vez a alegação é descabida. Ainda que efetuada a abertura da intimação da Defensoria Pública a respeito da sentença condenatória, caso o nobre Defensor Público não tenha tomado conhecimento, o recesso forense suspende os prazos processuais no referido período, ainda mais em processos desprovidos de manifesta urgência - réu preso. Não custa lembrar que a Defensoria Pública tem a prerrogativa da contagem dos prazos em dobro, de modo que a apresentação das razões em 30.12.2022 decorreu de premissa precoce pelo Defensor Público, pois ainda não havia decorrido o prazo.

Derradeiramente, tampouco procede a genérica assertiva exarada pela Defensoria...

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