Acórdão nº 50001064520208210120 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 14-04-2022

Data de Julgamento14 Abril 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50001064520208210120
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001985724
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000106-45.2020.8.21.0120/RS

TIPO DE AÇÃO: Padronizado

RELATOR: Desembargador NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (REQUERIDO)

APELADO: MARILDO STACHOWSKI (REQUERENTE)

RELATÓRIO

Trata-se de agravo interno interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, pois inconformado com a decisão monocrática que negou provimento à apelação também interposta por ele, nos autos da ação ajuizada por MARILDO STACHOWSKI contra o ente público estadual, em que pretende à condenação deste ao fornecimento do medicamento Ruxolotinib (Jakavi) 5mg, tendo em vista seu diagnóstico de Metaplasia Mielóide Agnogênica – Mielofibrose (CID 10 D47.1), bem como sua hipossuficiência financeira para o custeio do seu tratamento.

A ementa da decisão restou assim redigida, in verbis:

DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. DIREITO À SAÚDE. FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO COM A UNIÃO. DESNECESSIDADE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLICOS. TEMA793 DA REPERCUSSÃO GERAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL VERIFICADO E APLICADO AO CASO. RELEVÂNCIA DOS INTERESSES PROTEGIDOS (VIDA E SAÚDE). REQUISITOS DO TEMA106 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONTEMPLADOS. PROVA DOCUMENTAL SUFICIENTE.

1. No caso dos autos, a parte autora foi diagnosticada com Metaplasia Mielóide Agnogênica – Mielofibrose (CID 10 D47.1), necessitando fazer uso do medicamento Ruxolotinib (Jakavi) 5mg.

2. Dever dos entes públicos de atendimento à saúde que não se limita ao disposto em listas administrativas. Regra disposta no art. 196 da CF-88 e art. 241 da CE-89, que prevalece. Reconhecimento da repercussão geral do tema pelo eg. Supremo Tribunal Federal nos autos do RE Nº 855.178, com solução desfavorável à tese dos entes públicos (Tema nº 793).

3. De igual sorte, configura demarcha processual afastável a necessidade da inclusão da União no polo passivo, conforme entendimento firmado no Tema nº 686 dos repetitivos do Superior Tribunal de Justiça. Não obstante, é da Justiça Federal a competência para decidir sobre a existência de interesse jurídico de ente federal nos processos submetidos à sua apreciação, nos termos do verbete nº 150 da súmula da Corte Superior.

4. Aplicação ao caso do entendimento materializado no verbete nº 568 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça e no art. 206, XXXVI, do RITJRS, bem como do art. 932, IV, “b”, do CPC.

APELAÇÃO IMPROVIDA.

DECISÃO MONOCRÁTICA.

Em razões, alegou o desacerto da decisão, sob o argumento de não haver uniformização acerca das competências para custeios na área da saúde, invocando o Tema nº 793 do STF. Impugnou a aplicação do entendimento de solidariedade entre os entes públicos, afirmando apenas adiar a solução à medida que os sobrecarrega, desvirtuando as competências administrativas pactuadas, e tornando o SUS economicamente instável. Afirmou ser de responsabilidade da União o custeio de tratamentos oncológicos, mencionando a disponibilidade dos CACONs e UNACONs para esse fim. Requereu a inclusão da União no pólo passivo da demanda e a declinação da competência para Justiça Federal. Pediu o provimento do recurso.

Intimada a parte agravada, apresentou contrarrazões, alegando ausência de dialeticidade e inovação recursal pelo fato de não ter havido a impugnação específica da decisão. Impugnou a tese de ausência de responsabilidade do Estado para o atendimento à saúde, sustentando seu direito ao tratamento diante da garantia constitucional. Pediu o improvimento do recurso.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Encaminho voto pelo improvimento do agravo interno.

Recordo que o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL interpôs o presente agravo interno, pois inconformado com a decisão monocrática (evento 9 - DECMONO1) que negou provimento ao recurso de apelação interposto por ele nos autos da ação ajuizada por MARILDO STACHOWSKI contra o ente público estadual, em que que pretende à sua condenação ao fornecimento do medicamento Ruxolotinib (Jakavi) 5mg, tendo em vista seu diagnóstico de Metaplasia Mielóide Agnogênica – Mielofibrose (CID 10 D47.1), bem como sua hipossuficiência financeira para o custeio do seu tratamento (Laudo, receituário e declaração).

Preliminarmente vai rejeitado o argumento da parte agravada acerca da ausência de dialeticidade e inovação recursal, haja vista conter relação entre as razões do agravante e os fundamentos da decisão ora recorrida, o que leva ao conhecimento do recurso.

No tocante ao mérito, não merece acolhida a pretensão do Estado, pois a decisão agravada restou motivada no sentido de reconhecer a solidariedade entre os entes federados para o atendimento à saúde, na linha da previsão constitucional e da orientação emanada do eg. Supremo Tribunal Federal, a saber:

(...)

Não se discute que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, devendo ser garantido, solidariamente, por todos os entes da Federação – Municípios, Estados e União – o fornecimento gratuito de tratamentos e de medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes.

A propósito, no âmbito da Corte Suprema:

DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. SEPARAÇÃO DOS PODERES. VIOLAÇÃO. NÃO CONFIGURADA. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES. HIPOSSUFICIÊNCIA. SÚMULA 279/STF.

1. É firme o entendimento deste Tribunal de que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas ao direito constitucional à saúde.

2. O acórdão recorrido também está alinhado à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, reafirmada no julgamento do RE855.178-RG, Rel. Min. Luiz Fux, no sentido de que constitui obrigação solidária dos entes federativos o dever de fornecimento gratuito de tratamentos e de medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes.

3. A controvérsia relativa à hipossuficiência da parte ora agravada demandaria a reapreciação do conjunto fático probatório dos autos, o que não é viável em sede de recurso extraordinário, nos termos da Súmula 279/STF.

4. Agravo regimental a que se nega provimento

(ARE em AgR n°894.085-SP, 1ª Turma, rel. Ministro. Roberto Barroso, j. em 15DEZ15) – grifos acrescentados.

PACIENTE COM “DIABETES MELITUS” – PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS – DIREITO À VIDA E À SAÚDE – FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS DE USO NECESSÁRIO, EM FAVOR DE PESSOA CARENTE – DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, “CAPUT”, E 196) – PRECEDENTES (STF) – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQUÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQUENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.

(ARE 685230 AgR, Ministro Celso de Mello, 2ªTurma, j. em 05MAR13, Dje 22MAR13).

É sabido que a responsabilidade para cuidar da saúde e da assistência pública é compartilhada entre a União, os Estados e os Municípios (CF, art. 23, II). Como sempre registro em meus votos, o sistema de saúde é administrado sob a forma de cogestão, daí decorrendo a solidariedade que permite ao cidadão exigir, em conjunto ou separadamente, o cumprimento da obrigação por qualquer dos entes públicos.

Inclusive, a controvérsia já foi resolvida no âmbito do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento no RE nº 855.178, com Repercussão Geral, restando a ementa assim redigida:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.

(RE nº 855.178-SE RG, rel. Ministro. Luiz Fux, j. em 05MAR15, DJe-050 16MAR15).

O julgado acima transcrito deu ensejo ao Tema nº 793 com a seguinte tese afirmada:

Responsabilidade solidária dos entes federados pelo dever de prestar assistência à saúde.

Cumpre realçar que se lida com...

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