Acórdão nº 50001164220198210147 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 31-08-2022

Data de Julgamento31 Agosto 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Cível
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50001164220198210147
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002403612
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5000116-42.2019.8.21.0147/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: LUCAS CARLOS MULLER (AUTOR)

APELANTE: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. e por LUCAS CARLOS MÜLLER contra a sentença (evento 70, SENT1) que, nos autos desta ação indenizatória por danos materiais e danos morais movida pelo segundo em face da primeira, julgou parcialmente procedente a demanda.

Adoto o relatório da r. sentença, que bem narrou o presente caso:

LUCAS CARLOS MULLER ajuizou ação indenizatória por danos materiais e morais em face da RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A, ambas as partes já qualificadas. Na inicial, historiou que utiliza e paga a energia elétrica fornecida pela ré através da utilização da propriedade e instalações cedidas por seu sogro Antonio Alamir Knieling Gomes. Contou que, no dia 27/10/2019, às 02h, iniciou-se a interrupção do fornecimento de energia elétrica que durou aproximadamente 106h45min (cento e seis horas e quarenta e cinco minutos), sendo reestabelecida apenas às 12h45min do dia 31/10/2019. Afirmou que a interrupção no fornecimento da energia elétrica causou prejuízo na secagem das folhas de fumo que se encontravam em estufa, sendo apurada a perda de 100% (cem por cento) daquela produção, totalizando a perda no montante de R$ 6.888,00 (seis mil oitocentos e oitenta e oito reais). Discorreu sobre as normas jurídicas que fundamentam a teoria da responsabilidade civil e a defesa do consumidor. Pediu a procedência dos pedidos, com a condenação da concessionária requerida ao pagamento de indenização pelos danos materiais e pelos danos morais, estes últimos em valor não inferior ao equivalente a 10 (dez) salários-mínimos nacionais. Pediu o benefício da assistência judiciária gratuita. Instruiu a inicial com procuração e documentos (EVENTO 01).

Foi recebida a inicial e deferido o benefício da gratuidade judiciária à parte requerente, sendo determinada a citação da parte requerida (EVENTO 03).

Citada (EVENTO 08), a parte requerida RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A apresentou contestação e documentos no EVENTO 10. Preliminarmente, arguiu a ilegitimidade ativa do autor pela circunstância de não manter relação contratual com a demandada. Quanto aos fatos, atribuiu as interrupções do fornecimento de energia elétrica no mês de outubro de 2019 a fatores climáticos e apontou que seu sistema, que é bloqueado para qualquer alteração, registrou interrupção de energia elétrica em período inferior ao alegado pelo autor, apontando que não agiu com desídia e que a parte autora deveria ter providenciado um meio de abastecimento secundário de energia. No mérito, sustentou que não houve defeito na prestação do serviço, mas sim hipótese caso fortuito ou força maior, os quais excluiriam o dever de indenizar. Discorreu sobre a responsabilidade civil e indicou a ausência de seus requisitos no caso concreto, em especial a ausência de nexo causal. Declarou que os danos materiais não foram comprovados pelo requerente, impugnando os documentos juntados pela ausência de prova pericial. Aduziu que a interrupção no fornecimento de energia elétrica nem mesmo implica em descumprimento de suas obrigações contratuais perante o consumidor, pois não aniquila a continuidade exigida para a adequada prestação do serviço. Sustentou a não incidência do Código de Defesa do Consumidor, apontando não ser o caso de inversão do ônus da prova. Insurgiu-se contra o alegado direito à indenização por dano moral, argumentando que não estão presentes os requisitos para a indenização pretendida a esse titulo. Requereu o acolhimento da preliminar e a improcedência da demanda.

Houve réplica (EVENTO 13).

Instadas acerca das provas que pretendiam produzir (EVENTO 15), a parte autora postulou a designação de audiência de instrução para a oitiva de duas testemunhas (EVENTO 19); a demandada, por sua vez, não manifestou interesse na dilação probatória (EVENTO 21).

Em despacho saneador, foi afastada a preliminar de ilegitimidade ativa e deferida a produção da prova oral (EVENTO 23).

Designada nova audiência (EVENTOS 42 e 50), na qual foram inquiridas duas testemunhas arroladas pela parte autora, sendo encerrada a instrução e os debates orais substituídos por memoriais (EVENTO 64)

Sobrevieram memoriais nos EVENTOS 67 e 68.

E o dispositivo sentencial foi exarado nos seguintes termos:

Diante do exposto, com base no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para CONDENAR a demandada RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A a indenizar a parte autora LUCAS CARLOS MULLER no montante de R$ 6.888,00 (seis mil oitocentos e oitenta e oito reais), valor este que será corrigido monetariamente pelo IGP-M e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês a contar de 27/10/2019, data em que se perfectibilizou o evento danoso e o efetivo prejuízo.

Em consequência, havendo sucumbência concorrente, CONDENO a parte demandada ao pagamento de 50% (cinquenta por cento) das custas processuais e dos honorários advocatícios em favor do procurador da parte autora, proporção aplicada sob os R$ 1.000,00, que fixo por apreciação equitativa, em atenção ao disposto no art. 85, §8º, do CPC/15. CONDENO, também, a parte autora ao pagamento de 50% (cinquenta por cento) das custas processuais e honorários advocatícios ao(s) procurador(es) da parte demandada, proporção aplicada sob os R$ 1.000,00, que fixo por apreciação equitativa, nos termos do art. 85, §8º, do CPC/15; resta suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade de justiça concedida.

Em suas razões recursais (evento 75, APELAÇÃO1), a parte ré suscita preliminar de ilegitimidade ativa, arguindo que, por não ser o autor o titular da unidade consumidora, não é parte legítima para figurar no polo ativo. No mérito, sustenta que a interrupção no fornecimento de energia elétrica se deu em razão de ventos fortes. Afirma que é previsível a possibilidade de falta de energia, sendo dever do autor tomar providências para evitar danos. Alega ter comprovado a ocorrência de caso fortuito ou força maior. Ressalta que goza de fé pública e que as telas juntadas aos autos são prova idônea para prova dos fatos, aduzindo que o autor ficou sem energia elétrica por menos tempo que o alegado na petição inicial. Assevera que o laudo juntado pelo demandante não prova inequivocamente que ocorreu o dano, pois trata-se de documento unilateral. Refere que não há comprovação dos danos morais, que, nesse caso, não podem ser presumidos. Aduz que a situação não ultrapassa mero aborrecimento quotidiano que não enseja reparação por danos extrapatrimoniais. Tece comentários acerca da configuração de excludente de responsabilidade no caso. Requer o acolhimento da preliminar de ilegitimidade ativa com consequente extinção sem resolução de mérito do processo ou, subsidiariamente, o provimento do recurso com o julgamento de improcedência total da ação.

A parte autora, por sua vez, em suas razões de apelação (evento 76, APELAÇÃO1) se insurge tão somente no tocante à improcedência do pedido de reparação por danos morais. Ressalta que o seu orçamento foi prejudicado com a perda do fumo. Argumenta que teve seu estado emocional abalado, perdendo noites de sono em razão de dívidas. Requer o provimento do recurso.

Apresentadas as contrarrazões pela parte ré (evento 82, CONTRAZAP1), deixando a parte autora decorrer o prazo in albis.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos previstos nos artigos 931, 932 e 934 do Código de Processo Civil foram simplificados, porém cumpridos na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Os recursos devem ser conhecidos, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade, tempestivamente interpostos, comprovado o pagamento do preparo pela parte ré (evento 75, OUT2 e evento 75, OUT3) e dispensado o autor de seu pagamento pela concessão da gratuidade da justiça (evento 3, DESPADEC1).

Inicialmente, consigno que a preliminar de ilegitimidade ativa suscitada pela parte ré em suas razões de apelação não comporta acolhimento.

Importa ressaltar que são aplicáveis às relações existentes entre as empresas concessionárias de serviços públicos e as pessoas físicas e jurídicas que se utilizam dos serviços como destinatárias finais do serviço as normas do Código de Defesa do Consumidor.

Ainda que o demandante não seja o titular da unidade consumidora, de acordo com o que estabelece o artigo 17 da norma consumerista, todas as vítimas pela falha na prestação de serviço equiparam-se aos consumidores, sendo, portanto, legítimas para buscar eventual indenização.

Nesse sentido, jurisprudência desta c. Câmara (com meus grifos):

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. TEMPORAL. DEMORA NO RESTABELECIMENTO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MANUTENÇÃO. HONORÁRIOS RECURSAIS. I. Preliminar contrarrecursal. Ilegitimidade ativa. Alega a requerida que alguns autores são partes ilegítimas a figurar no polo ativo, uma vez que não possuem relação contratual com a concessionária de energia elétrica. Entretanto, não vinga a preliminar, porquanto os autores, residentes no mesmo imóvel do titular da unidade consumidora, equiparam-se ao consumidor por ser vítima do evento, nos termos dos arts. e 17, do CDC. Preliminar rejeitada. II. A responsabilidade das concessionárias de energia elét...

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