Acórdão nº 50001176720178210124 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 15-06-2022

Data de Julgamento15 Junho 2022
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50001176720178210124
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002270982
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000117-67.2017.8.21.0124/RS

TIPO DE AÇÃO: Defeito, nulidade ou anulação

RELATORA: Desembargadora WALDA MARIA MELO PIERRO

APELANTE: DELMAR ROOS (RÉU)

APELANTE: EVA ILSE DE OLIVEIRA ROOS (RÉU)

APELANTE: LUIZA DE BRITO (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

APELADO: LOURENCO DEMETRIO DOS SANTOS (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos, respectivamente, por DELMAR ROOS e EVA ILSE DE OLIVEIRA ROOS, e LUIZA DE BRITO contra a sentença que, nos autos da ação declaratória de nulidade de procuração e de negócio jurídico ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em favor do incapaz judicialmente interditado LOURENÇO DEMÉTRIO DOS S., julgou-a procedente, para o efeito de declarar nula a Escritura Pública de Compra e Venda nº 7.933, registrada no livro nº 065, folha nº 121, do Tabelionato de Notas de Alecrim, descrito na matrícula de nº 997 do Registro de Imóveis de Santo Cristo, retornando as partes ao seu estado anterior, restando condenados os requeridos, solidariamente, ao pagamento ao autor dos valores a serem restituídos corrigidos monetariamente pelo IGP-M a contar de 18/12/2006 e acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês a contar da citação. Os réus foram condenados ao pagamento das custas processuais

Em suas razões, os réus DELMAR e EVA ILSE pretendem a reforma da sentença, trazendo considerações a respeito das mudanças provocadas no Código Civil e na teoria das incapacidades a partir do advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Federal nº 13.146/2015) e da incorporação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Salientam que os efeitos dos referidos diplomas legais são retroativos. Referem que não há máculas decorrentes da incapacidade do contratante aptas a afetarem a validade e higidez da procuração outorgada pelo interdito à sua curadora e do negócio jurídico a ela correlato, envolvendo a compra de imóvel rural em nome do curatelado, formalizada por intermédio da sua curadora, no qual figuraram na condição de vendedores. Sinalam que a procuração outorgada pela pessoa com deficiência Lourenço Demetrio dos Santos à sua curadora Luiza de Brito, alvo central da pretensão nulificante manejada pelo Ministério Público, foi instrumentalizada por escrito público, a evidenciar que a notária responsável pela lavratura do documento não vislumbrou no outorgante dificuldade em exprimir sua vontade, considerando-o capaz, com o discernimento necessário para a prática do ato. Aduzem que, ausente defeito no negócio subjacente (mandato conferido pelo adquirente à sua curadora por escritura pública), não se vislumbra na espécie qualquer invalidade no negócio principal (compra de imóvel rural efetuada pelo curatelado Lourenço, por intermédio da sua curadora Luiza, do casal vendedor Delmar e Eva, ora recorrentes). Sustentam que é possível concluir que, ao contrário do que sustenta o Parquet, a ré Luiza não necessitava de autorização judicial ou ministerial para adquirir bens em nome do seu curatelado, tampouco de poderes outorgados por este, uma vez que o próprio exercício da curatela lhe cometia um verdadeiro dever de ultimar a aquisição iniciada ainda antes da interdição pela pessoa com deficiência que está incumbida de representar. Mencionam que não se vislumbra qualquer prejuízo ao patrimônio de Lorenço, o qual, em verdade, sofreu concreto incremento, obtendo um local para residir. Destacam terem agido de boa-fé, considerando haver colocado sua propriedade à venda através do programa do Governo Federal denominado Banco da Terra, de modo que não mantiveram uma relação negocial intensa com o adquirente e sua curadora, a despeito de possuírem algum grau de parentesco entre si. Pedem o provimento do recurso para que seja julgada improcedente a ação.

Já a curadora Luiza, por sua vez, pugna pela reforma da sentença, sob a alegação de que procedeu na compra do imóvel referido na inicial, porém, nunca agiu de má-fé. Salienta que, pelo fato de ter baixa escolaridade, desconhecia a impossibilidade de formalização do negócio em decorrência da interdição de Lourenço Demétrio. Refere que, após a aquisição da terra, embora Lourenço não pudesse mais trabalhar, foi ela quem cuidou e trabalhou na terra, sendo que efetuou os pagamentos anuais das prestações devidas e, no ano de 2017, fez a quitação de tal empréstimo. Postula o provimento da apelação.

Apresentadas as contrarrazões pelo Ministério Público, os autos foram encaminhados a esta Corte.

A Dra. Procuradora de Justiça, que atua junto à Oitava Câmara Cível desta Corte, para o qual fora o feito distribuído anteriormente, opinou, preliminarmente, pelo não conhecimento do recurso interposto por Luiza e, caso superada a prefacial pelo desprovimento de ambos os recursos.

Por redistribuição, vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Inicialmente conheço de ambos os recurso, afastando a preliminar arguida pelo Ministério Público de não-conhecimento do recurso de apelação interposto por Luiza.

Isso porque, embora não impugnados, de forma específica, os fundamentos da sentença, a apelante Luiza trouxe as razões de seu inconformismo com o ato judicial impugnado, entendendo válido o negócio jurídico realizado, de modo que entendo presentes os requisitos do artigo 1010, do CPC.

Passo ao exame das insurgências, de forma conjunta.

Os elementos de prova carreados aos autos demonstram que Lourenço Demétrio dos Santos foi judicialmente interditado em 20 de julho de 2006, conforme se depreende da averbação empreendida em seu Assento de Nascimento (Evento 02 – fl. 05).

Restou comprovado, igualmente, que a curadora do incapaz, LUIZA DE BRITO, procedeu à compra de um imóvel – Lote Rural n.º 115, da 7ª Secção Bugre, com área de 81.000 m², situado no Município de Alecrim/RS, descrito na matricula nº997 do Registro de Imóveis de Santo Cristo (Evento 02 – fls. 18/19).-, em nome do incapaz, sem a necessária intermediação judicial e consequente intervenção do Ministério Público.

Observa-se que a compra do imóvel se deu através dos poderes recebidos pela curadora LUIZA DE BRITO, na Procuração lavrada no Tabelionato de Notas de Alecrim/RS, em 23 de outubro de 2006 (Evento 02 – fl. 10), procuração esta outorgada, então, após a interdição.

Pela leitura da Escritura Pública de Compra e Venda n.º7. 933, denota-se que a ré Luiza de Brito figurou como mera procuradora, não tendo sido levado a conhecimento do Tabelião a incapacidade e a interdição do comprador, embora o fato fosse conhecido.

Não prospera a alegação dos primeiros apelantes, de que o adquirente, embora interditado à época em que outorgou poderes à sua procuradora, deva ser considerado civilmente capaz para a prática do ato, em virtude da mudança substancial promovida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n° 13.146/15) na teoria das incapacidades.

Isso porque a Lei de regência na época da outorga da procuração e da subsequente firmatura da escritura de compra do imóvel rural dispunha de forma diversa, considerando o interdito absolutamente incapaz para os atos da vida civil, sendo aplicável, portanto, o princípio do tempus regit actum.

Salienta-se, ainda, que os vendedores do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT